expresso.ptHenrique Burnay - 2 abr. 12:42

Não são tambores, é ruído

Não são tambores, é ruído

Há chefias políticas e militares na Europa que acreditam que a Rússia constitui um risco verdadeiro para a nossa segurança e paz. É isso que importa compreender. Muito mais que discutir o Serviço Militar Obrigatório com se fosse a resposta mais importante. Ou a única

Assim que se começou a falar do eventual regresso do Serviço Militar Obrigatório (SMO) apareceram os pacifistas. São pela Paz. Contra as armas e o armamento. Só não explicam o que fazer com os que são a favor da guerra e estão eventualmente disponíveis para a fazer contra nós. E, tal como alguns entusiastas do SMO, confundem, oportunamente, a discussão sobre o recrutamento para as Forças Armadas com a discussão sobre a segurança e defesa da Europa num tempo menos seguro do que era.

Quando as coisas começam a ficar difíceis há dois discursos que se espalham como fogo. Os populistas, que prometem que tudo se resolve de maneira fácil (normalmente contra as elites, a maioria e o quer que seja que existe), e os Miss Mundo, que são a favor das coisas boas e contra as coisas más. É melhor fugir de ambos, com racionalidade. Mas nem sempre se consegue.

Em Dezembro, o Ministro de defesa alemão, um socialista, disse que a Europa se devia preparar para o risco de guerra até ao final da década. A semana passada foi Donald Tusk, primeiro-ministro polaco, conservador e ex-presidente do Conselho, que veio dizer que entrámos em modo de pré-guerra. Não porque esteja iminente, mas porque pela primeira vez, diz ele, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o risco de conflito no continente é real. “A guerra já não é um conceito do passado”, disse. Em Fevereiro foi Ursula Von der Leyen que disse, em Estrasburgo, que “o risco de guerra não é iminente, mas não é impossível”. Em Fevereiro, também, o ministro da defesa da Dinamarca, um liberal-conservador disse mais ou menos o mesmo que o alemão: “Não se pode descartar que, dentro de um período de três a cinco anos, a Rússia ponha à prova o Artigo 5 e a solidariedade da NATO.” Nos últimos tempos, chefes militares noruegueses disseram coisas parecidas, a Estónia está a fazer bunkers, a Letónia repôs o Serviço Militar Obrigatório e a Lituânia discute alargar a base de recrutamento do serviço militar.

O que tem sido dito é inédito desde há vários anos. Em vez de procurar conspirações e efabulações, importa tentar perceber o que se passará, o que sabem as lideranças políticas e militares, para dizerem publicamente o que dizem? Para que se preparam, para que nos preparam, para que querem que a Rússia saiba que nos estamos a preparar? É isso que devemos tentar perceber. E tratar de evitar uma guerra, de maneira realista.

O que importa retirar de todas estas declarações de políticos e militares de países geograficamente próximos da Rússia não é uma tese conspirativa, uma suspeita de haver gente com vontade de mandar ir para a guerra ou entrar em pânico. O que é verdadeiramente impressionante é a percepção partilhada por estes actores de que a Rússia de Putin pode se sentir tentada a concretizar objectivos políticos pela força das armas, convencida que a Europa, e a NATO, não estarão disponíveis para combater por gente e territórios que há poucos anos estavam do outro lado da fronteira. E, já agora, recordar que a Rússia invadiu a Ucrânia porque entendia que o seu território e povo lhe pertencia e não queria mais uma democracia liberal em territórios e a governar sobre povos nas suas fronteiras. Percebendo isto e a irracionalidade da decisão militar de Putin, percebe-se melhor a preocupação dos líderes europeus.

Há duas discussões distintas que devem, por isso, ser tidas em separado. Uma, é sobre como reforçar a capacidade europeia de garantir a sua segurança. Isso inclui estar preparado e estar armado. É aí que entra a conversa sobre as capacidades militares, o papel da NATO na segurança europeia, a importância de manter o Reino Unido e a sua capacidade nuclear na nossa conversa perceber que uma indústria militar não é um tambor de guerra excitado e falar de recrutamento. A outra, mais séria, é sobre a necessidade de reforçar a arma mais importante: o poder de dissuasão. Moscovo, agora como no passado, tem de acreditar que uma acção militar teria consequências terríveis. Mas para isso não podemos dizer que não teria. Tudo o resto se pode discutir.

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