expresso.ptJoão Amaro de Matos - 2 abr. 16:24

Mar português

Mar português

Temos alunos de mais de 100 nacionalidades diferentes a estudar em universidades portuguesas. O convite que recebemos é uma mensagem que reflete uma alma pequena e – francamente – ultrapassada

Recebi há pouco tempo o pedido para participar num painel sobre a inclusão dos alunos oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) nas universidades portuguesas. Tenho um problema com este conceito seletivo de inclusão e gostaria de partilhar esta minha preocupação. A inclusão de alunos estrangeiros nas universidades portuguesas é de facto uma questão muito séria. Há dez anos as nossas universidades teriam talvez 5% de alunos estrangeiros. Hoje esse número ronda os 20%.

Estimamos ser um país que recebe bem os estrangeiros. Se virmos as reportagens das nossas televisões no verão, veremos que todos os anos os repórteres abordam sistemática e incansavelmente os turistas para lhes arrancar os repetidos elogios: “o clima”, “a comida”, “a simpatia das pessoas” ... O nosso ego fica lavado e vagamente inchado, e não percebemos como poderia haver alguém que não adorasse a oportunidade de passar um longo período neste diamante esquecido da Europa que é Portugal.

Os últimos anos vieram confirmar esta tendência no turismo, mas também na procura das nossas universidades por parte de candidatos estrangeiros. Mas é evidente que a adaptação destes alunos ao nosso sistema de ensino e à vida numa universidade portuguesa não é automática.

Na verdade, esta questão já existia antes da procura enorme de estrangeiros que se verifica hoje. No passado já tínhamos alunos que se deslocavam de várias partes do país para grandes centros. Esta deslocação implicava um esforço de adaptação e era causa de stress pessoal e familiar dos envolvidos. Tratava-se de procurar condições de habitação, transporte e alimentação em cidades e ambientes aos quais eram totalmente estranhos, com custos que não podiam comportar, enquanto lidavam com uma competitividade académica que desconheciam.

Se estes problemas eram reais para um aluno que vinha de Trás-os-Montes para Lisboa, imaginem a situação de uma aluna de 17 anos, paquistanesa, muçulmana, com uma dieta hallal, que não fala português e que foi aceite numa licenciatura em Lisboa. O aluno de Trás-os-Montes tem autocarros que o levam a casa, fala a língua local e tem acesso ao SNS... Apesar de tudo está no seu país. Já a aluna do Paquistão vem de uma cultura diferente e, mais importante, de um sistema de ensino totalmente distinto do nosso. Pode ser brilhante, mas foi ensinada a aprender de um modo muito diferente daquele como os nossos alunos aprendem, com um currículo muito interessante, mas não coincidente com o do nosso sistema.

Dir-me-ão, se ela não fala a língua, não se deveria ter candidatado a uma universidade pública portuguesa. Mas esse é um péssimo argumento. Limitar o acesso ao ensino a quem fala português é excluir explicitamente todos os outros, nomeadamente refugiados e tantos estudantes internacionais que gostariam de beneficiar da nossa excelência. Sem prejuízo da valorização da língua, focar as questões de inclusão nos alunos oriundos dos PALOP é a antítese de uma política de inclusão. .

NewsItem [
pubDate=2024-04-02 17:24:16.219
, url=https://expresso.pt/opiniao/2024-04-02-Mar-portugues-526adaa7
, host=expresso.pt
, wordCount=473
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2024_04_02_305295565_mar-portugues
, topics=[opinião]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]