ionline.sapo.ptEduardo Oliveira e Silva  - 2 abr. 08:52

Um governo com caminho estreito

Um governo com caminho estreito

O governo Montenegro é tão essencial para o país como para a sobrevivência do PSD.

Nota prévia: Ana Vitória Azevedo demitiu-se das funções de vice-provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). A demissão tornou-se inevitável depois de notícias especialmente na revista Visão sobre o seu papel na frustrada tentativa de entrada no negócio do jogo no Brasil, contestado agora por outros membros da Mesa (administração). O resultado líquido foi a perda de cerca de 50 milhões de euros. Ana Vitória tinha, na altura, o pelouro da internacionalização e é considerada muito próxima da ministra Mendes Godinho, que foi validando a operação, pensada ainda antes de ela assumir a pasta. Os contornos desta desastrosa investida justificariam, por si só, uma comissão parlamentar de inquérito à gestão da Santa Casa nos últimos anos. 

1. A primeira ideia que se tem do Governo Montenegro é que é constituído por gente com a vida feita e que pode voltar aos seus afazeres, se as coisas correrem mal. Ora isso é um sinal positivo. Pode durar muito ou pouco, conforme conseguir negociar à esquerda e à direita, pontualmente. Depende muito da conjuntura económica interna e externa, da paz social, do apoio do Presidente, dos média, das sondagens, de não ter casos de Justiça e fundamentalmente do primeiro-ministro. Quanto à equipa conhecida, cada ministro aparenta ter boas capacidades políticas e/ou técnicas. Terão aceitado o desafio com a convicção de que estão lá para fazer algo concreto e não para subir na vida ou exibir-se. No conjunto, há um grupo de ministros óbvios, que são políticos. E há os que não eram evidentes, mas cujos currículos têm solidez. Nada disso é garantia. Até porque se tem visto gente experiente falhar na política (veja-se a confusão gerada no Parlamento logo no primeiro dia). Comparado com o Governo Costa, o de Montenegro é mais coeso e aparentemente mais competente pasta a pasta. A estrutura apresenta surpresas. O nome mais inesperado da ala política é Manuel Castro Almeida, um dos mais capazes da sua geração. Fica com a gestão dos fundos europeus e sobretudo com a complexa missão de ser o braço direito operacional do primeiro-ministro. Tendo embora menos mulheres do que o de Costa, as eleitas têm currículos válidos. Nenhuma se apresenta como um potencial desastre igual à socialista titular da Habitação, que agora sai. A surpresa do novo elenco é Margarida Balseiro Lopes. O que lhe faltar no domínio da máquina do Estado sobra-lhe em argúcia política, que deve canalizar para a escolha criteriosa da sua equipa. É, aliás, óbvio que muito vai depender dos secretários de Estado escolhidos para áreas estratégicas. Terão de ser mesmo bons, tal como os chefes de gabinete. Há que ter muita atenção a quem terá mais intervenção direta na Saúde, Habitação, Defesa, Reforma Administrativa, Forças de Segurança, gestão do pessoal da Justiça e Comunicação Social. É um clássico dizer que os governos são como os melões e só depois abertos é que se sabe se são bons. Este, a avaliar pela casca, não parece saber logo a pepino, o que já é alguma coisa. É certo que é provavelmente o resultado de escolhas possíveis, ao jeito do quem não tem cão caça com gato. Além de essencial para o país nesta fase, apesar de aparecer num contexto político explosivo, o Governo Montenegro tem a espinhosa missão de atacar a gigantesca massa de problemas que o PS deixou por tratar. São centenas de situações onde o que se fez foi “botar faladura” e governar de cartaz. A nova equipa tem apenas quatro independentes. Transporta às costas a responsabilidade de manter vivo o próprio PSD, cujo espaço político tem vindo a ser roído pelo Chega, pelos Liberais e no qual Pedro Nuno Santos vai querer entrar para crescer. O Governo Montenegro é provavelmente o mais decisivo de sempre para a manutenção do PPD/ PSD como grande partido da nossa democracia. É um amuleto da sorte para o partido de Sá Carneiro enquanto projeto nacional democrático, unificador do centro direita e centro esquerda. Relembra o minoritário de Cavaco-85. Foi por ser altamente competente que, quando foi derrubado e voltou às urnas, recebeu maioria absoluta. Tal só acontece quando há resultados que o eleitorado reconhece. Foi também essa circunstância que alavancou Costa para a maioria absoluta que desperdiçou. Do ponto de vista ideológico, o Governo Montenegro é mais à esquerda do que se previa, como o demonstra o facto de não incluir Eduardo Oliveira e Sousa e Miguel Guimarães, na agricultura e na saúde, contrariando alguns vaticínios e desejos. Veremos se ambos se manterão alinhados com o percurso do Governo. Em síntese, considerando as expectativas, o Governo Montenegro saiu melhor do que a encomenda. Se falhar por culpa própria será responsável por um país ainda mais atrasado no quadro europeu e pelo provável funeral do PSD, em benefício de uma direita radical, de liberais em crescimento e de um PS aglutinador. 

2. Mesmo com o atraso de uns dias, é importante regressar à agitação parlamentar que elegeu em alternância Aguiar Branco para presidente da Assembleia da República. Já interessa pouco saber quem ganhou mediaticamente entre o PS (que ficará com a outra metade do mandato, se a Assembleia sobreviver) e o Chega. Pedro Nuno Santos e Ventura ganharam ambos. Os dois formaram uma tenaz à volta do PSD, que vai ser permanentemente acossado por políticos combativos. O socialista sugeriu a partilha e ganhou. Foi magnânimo e cobrou caro. Ventura agarrou-se a declarações que negavam a existência de um acordo entre ele e o PSD. Distanciou-se, afirmando-se de vez como oposição catalisadora da direita. PS e Chega, cada um no seu jeito, mais não fizeram do que lançar o primeiro ataque ao PSD no poder, mostrando a sua fragilidade. Assim vai ser no futuro. Sabem que para crescer precisam de esvaziar os sociais democratas e sacar-lhes o eleitorado.

3. Desfeito o imbróglio, Aguiar Branco discursou e falou numa mudança do regimento da Assembleia para evitar impasses. Propôs que se passe a eleger o presidente do parlamento por maioria simples. Fez mal. O segundo lugar do Estado deve ser atribuído por maioria absoluta. É a única forma de confrontar os deputados com a sua responsabilidade de cidadania. Quando não o conseguirem fazer, o sistema de regime estará em causa, transformando o plenário numa reunião de feirantes sem escrúpulos.

4. Para júbilo do Chega e desespero de uma certa esquerda, Pacheco de Amorim foi eleito como um dos quatro vice-presidentes do Parlamento. Deve-o à AD (que também deu poleiro aos liberais), embora Ventura não tenha a hombridade de o reconhecer. A eleição é objetivamente um passo na normalização do Chega. A democracia portuguesa tem sido bem-sucedida em processos desses. Incorporou, por ação de Mário Soares, Eanes e Melo Antunes, um PCP que tentou impor uma ditadura comunista após o 25 de Abril. Mais tarde integrou a amálgama geradora do Bloco de Esquerda, que englobava gente com ligações aos terroristas das FP-25, organização fundada em plena democracia. Integrar todas as forças na democracia é um valor essencial que os tempos atuais tendem a tornar cada vez mais difíceis. Mas não se pode desistir. 

5. Enquanto em Portugal olhamos só para a situação interna, no resto da Europa democrática os políticos de topo alertam para a existência de um clima de pré-guerra, motivada pela ameaça russa. É uma escalada verbal que Nuno Melo (regularmente errático e precipitado) não pode ignorar, enquanto novo ministro da Defesa. Até porque nos últimos dias os chefes máximos da Armada e do Exército já se adiantaram, comentando o clima de perigo crescente. 

6. A colisão de um cargueiro que demoliu a ponte de Baltimore, nos Estados Unidos, dá que pensar. É difícil olhar, por exemplo, para a Ponte 25 Abril com a certeza de que é impossível que algo parecido possa acontecer cá. Segundo um especialista em estruturas e pontes, existe essa hipótese, embora seja altamente remota. É desejável que o assunto mereça agora atenção dos técnicos e políticos, uma vez que os acidentes são sempre decisivos para implantar novos sistemas de segurança. O mesmo especialista sublinhou, na altura, a necessidade de se concretizar mesmo a obra de mais de 20 milhões de euros prevista para a ponte de Vila Franca que apresenta alguma fragilidade.

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