José Manuel Simões - 2 abr. 16:38
A ignomínia
A ignomínia
Não basta acenar o excedente orçamental como desígnio nacional. Ninguém quer falar da relação da divida com a despesa pública. E sem ambição e capacidade reformadora com uma Estratégia Global do Estado vamos continuar a empobrecer por mais que torturem os números. O País está cansado de ser adiado
Há um sentimento de profunda indignação perante a degradação institucional com impacto na autoridade do Estado com a cumplicidade dos órgãos de soberania.
Quis a ironia do destino que o ano em que se comemora o cinquentenário do 25 de Abril, Portugal esteja numa inaudita crise de regime depois do povo, em 2022, ter optado pela continuidade de um partido politico como pressuposto da estabilidade prometida à exaustão.
E, apesar do Governo socialista ter sido suportado por uma maioria absoluta tão ambicionada, foi paradoxalmente visível a inusitada instabilidade, a inaceitável impreparação e a escandalosa mediocridade, que normaliza o “Principio de Peter”.
Assistimos incrédulos à subversão do poder, à falta de transparência, ao desprestígio das instituições e à soberba da impunidade com a persistente deterioração do sistema político e judicial. E à deterioração da estrutura funcional da democracia, capturada por interesses setoriais e manobrada por alguma elite.
É inaceitável acrescentar o que poderá vir a ser uma crise política perene à incerteza e complexidade dos desafios globais do destino colectivo que enfrentamos, cujos efeitos não foram plenamente revelados. A elite política continua na redoma do tempo a ignorar as sérias implicações de segurança, estratégicas e económicas dos confrontos geopolíticos numa ordem internacional anárquica.
No silêncio dos cúmplices não há debate sobre a política externa, o critico desinvestimento e falta de pessoal nas Forças Armadas, que afectam a erosão da condição militar e a capacidade operacional para os compromissos com os aliados e com a nossa defesa numa Europa em guerra.
A crise complexa, foi aprofundada pelas opções políticas do governo com falta de inteligência política, cujos resultados desastrosos evidenciam, o Tribunal de Contas avisa e os portugueses sentem. O discurso arrogante, com demagogia, dramatização e encenação para manipular a realidade e negação do diálogo conduziram à perda de autoridade e à provável ingovernabilidade do País.
O primeiro-ministro (PM) demitiu-se por sua vontade. E nem tudo foi revelado sobre a “demissão incontornável" dos que promovem sibilinamente a intriga, a subversão e vitimização. O "parágrafo" serviu para desviar atenção dos milhares euros e transformar o evento em oportunidade com outros objectivos!
A “maioria requentada” gerada pelo ímpeto do perspicaz comentador da Nação passou a ser o “seguro de vida” da incompetência. E a liturgia da falta de alternativa nutrida até à exaustão conduziu à maioria relativa de uma geometria parlamentar que será testada. Quem a subverter será seriamente penalizado!
Os titulares dos órgãos de soberania deviam saber qual o tempo de intervenção e utilizar o silêncio com sabedoria! É necessário dar crédito e autoridade à razão para que o acaso se não constitua soberano.
Para virar a página do sucesso foi necessário interditar a palavra austeridade mesmo quando aumenta a pobreza encoberta e muitos gemem baixinho esmagados pelo custo de vida. Ficará para a história o fatídico “habituem-se”. Nunca a palavra dada foi tão desonrada num País que definha, empobrece e vive na ilusão do oásis há muito prometido!
As "contas certas" são o eufemismo de austeridade criativa utilizado como instrumento de propaganda numa gestão orçamental com artifícios contabilísticos sem o anunciado País "mais rico" e "coeso"! As Finanças Públicas equilibradas são exigência da boa governação, mas com ponderação entre a redução da dívida, a dimensão do alívio fiscal e o aumento de investimento público.
Todavia, essas contas serão um embuste face à emergência na Saúde e na Educação, à grave crise na habitação, na Justiça e ao previsível colapso das Forças Armadas: ativos tóxicos do legado do costismo socialista. Resultam do padrão de governação com base na inépcia dissimulada, na incompetência normalizada, na ignorância arrogante, na incoerência discursiva, na irresponsabilidade astuciosa e na impunidade estimulada. É avisado dar nota que em política o inesperado acontece!
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Com efeito, só com crescimento robusto da economia podemos reduzir a dívida sem pôr em causa o SNS o Estado Social e as funções de soberania. Não é despiciendo sinalizar que não se criaram condições para alterar o perfil da economia que permitisse gerar a riqueza que se pretende redistribuir. O crescimento não pode estar ancorado no brutal esforço fiscal, na inflação, no turismo de baixo valor e no trabalho precário. Nem é de geração espontânea. Apenas se redistribuiu a pouca riqueza e se repartiu a pobreza.
António Costa alcançou o desígnio da “maioria absoluta” através de artificialismos num jogo de sombras para insuflar egos. Foram exploradas a fragmentação e radicalização para enfraquecer a esquerda e a direita com a dramatização absurda, criando o medo nos eleitores. Mas, em 2024, a estratégia da chantagem não resultou! O maior erro de Costa foi estigmatizar o Chega. A função tribunícia nunca é desprezível em democracia.
Como dizia Leonel Brizola “A política ama a traição e odeia o traidor”. Nas eleições mais participadas os socialistas não deviam desvalorizar a pesada derrota, pois foram os que mais deputados perderam (45), concedendo uma vitória à maioria de direita com perda 31 lugares para o Chega. Ironia do destino de quem utilizou a fragmentação e mais hostilizou a direita. Um País sábio para além das esferas do poder!
Costa e os seus ministros traíram o eleitorado! Não tiveram talento e humildade para transformar a oportunidade única numa efectiva reconfiguração do campo de acção política com gente adulta alimentada pela reflexão da sociedade. O PS perdeu credibilidade, confiança dos eleitores e autoridade para exigir condições de governabilidade nos próximos tempos.
A implosão autofágica era expectável pela governação desastrosa e sucessivas negligências sobre ética e decência, que são um insulto à democracia. Pedro Nuno Santos fez parte do lodaçal. Estamos de luto pela, hipocrisia e aversão à verdade. “Há a liberdade de falar e há a liberdade de viver, mas esta só existe, quando se dá às pessoas a sua irreversível dignidade social” (Miguel Torga).
E, desde 2015, que não se vislumbra ambição programática, pensamento estruturado e visão estratégica para o País com um modelo de governação, que assegure a governabilidade. Na verdade, é mais fácil gerir a espuma dos dias com promessas e propaganda enganosa por qualquer agência de comunicação.
É imperioso que os principais agentes políticos façam uma profunda reflexão! Portugal reclama lucidez da sociedade com consciência e sabedoria, através de uma cidadania mais activa que permitam as necessárias alterações da estrutura político-institucional. E mais cedo do que tarde, a realidade sobrepõe-se à fantasia.
Estabilidade não significa inércia e imobilismo. É preciso saber fazer acontecer, que só é possível com gente séria, liderança mobilizadora e vontade politica. A forma como foi desperdiçada a estabilidade de uma maioria absoluta é um acto politicamente criminoso e revela falta de discernimento total. É uma ignomínia!
José Manuel Simões escreve de acordo com a antiga ortografia