expresso.ptexpresso.pt - 13 fev. 10:40

Investidores há muitos!

Investidores há muitos!

Pessoas e empresas, sobretudo pequenas e médias empresas, começaram, de modo crescente, a adotar formas alternativas e mais democráticas de financiamento (e de investimento). Entre as quais se encontra o crowdfunding

Desde o início deste século, com uma maior incidência a partir da crise financeira de 2007/2008, - após a qual as condições praticadas pelos bancos no acesso a crédito e financiamentos se tornaram demasiado restritivas e, por outro lado, os cidadãos se tornaram bastante mais desconfiados de um sistema financeiro que havia permitido chegar à situação limite que nessa altura se viveu -, pessoas e empresas, sobretudo pequenas e médias empresas, começaram, de modo crescente, a adotar formas alternativas e mais democráticas de financiamento (e de investimento). Entre as quais se encontra o crowdfunding.

O fenómeno do crowdfunding (que, na sua tradição literal, significa financiamento através da multidão, das massas) remonta, no entanto, a épocas remotas, havendo quem identifique o Papa Alexandre (1713) como o primeiro exemplo de promotor de uma campanha deste tipo, quando se propôs traduzir para inglês a mítica obra poética “Ilíada”, de Homero, mas não o fez sem antes conseguir financiamento por parte de 750 pessoas que, como recompensa, viram o seu nome reconhecido na obra publicada, tendo sido identificados como “subscritores”.

Esta alternativa aos financiamentos concedido pelas instituições financeiras do sistema vigente consiste, então, em financiar um determinado projeto, recorrendo a um grupo, mais ou menos alargado, de pessoas (a chamada “multidão”). Este projeto pode ser um produto, um serviço, mas também um movimento de consciencialização, ou qualquer outra iniciativa cujo valor económico seja percebido por um número suficiente de pequenos investidores. E digo pequenos, porque os montantes envolvidos neste financiamento são, normalmente, de montante reduzido.

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A contrapartida destes investimentos traduz-se em recompensas, que se podem materializar em produtos, serviços, descontos, merchandising, impacto social ou ambiental, reconhecimento público ou até retorno financeiro, como no caso do chamado crowdlending, que se consubstancia em empréstimos de baixo valor, normalmente sem necessidade de garantias colaterais para quem é financiado, e com taxas de juro que são competitivas no mercado. A parte mais interessante deste modelo mais democrático de empréstimo, é que permite que qualquer pessoa seja um potencial investidor, que qualquer empreendedor, independentemente da sua dimensão, tenha oportunidades alternativas de financiamento, que não impliquem dar uma participação societária na empresa e que, no fim, ambos tenham, por estas razões, uma maior liberdade de decisão sobre o destino a dar aos seus ativos.

E isto é particularmente relevante para projetos de impacto social ou ambiental, de pequena e média escala que, na maioria das vezes, não têm a capacidade suficiente para recorrer a investidores mainstream, ou ao sistema bancário, e encontram aqui uma saída para sua viabilidade.

Um excelente exemplo disso é a KIVA, uma plataforma sem fins lucrativos de microlending, criada em 2005, com base em São Francisco, que proporciona o acesso a micro-empréstimos a pessoas, em contextos de muita dificuldade económica e, muitas vezes, de extrema pobreza, através de empréstimos de indivíduos que podem emprestar valores que começam em 5 dólares. Os números de impacto são impressionantes: volume global de empréstimos concedidos de aproximadamente 132 milhões de dólares, correspondentes a cerca de 141.000 processos de empréstimos concedidos, que apoiaram cerca de 342.000 pessoas, de 69 países diferentes. A taxa de cumprimento e pagamento dos empréstimos ronda os 96%, com um retorno financeiro para os investidores impressionante, de mais de 30% em 70% dos empréstimos concedidos.

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Em Portugal, na linha dos projetos com impacto, para além da Go Parity, a plataforma PPL, parte da Rede Europeia de Crowdfunding, apresenta-se como uma das opções mais procuradas para apoio a projetos com impacto social, tendo conseguido já angariar, desde 2011, aproximadamente 7,5 milhões de euros para o financiamento de 1715 campanhas, entre as quais a que conseguiu o maior apoio até ao dia de hoje, num total de 423.945 €, dispersos por 10.842 apoiantes.

E não é por falarmos de um modelo de pequenos valores, que o valor total deste mercado é reduzido – estamos a falar de um mercado avaliado, em 2023, num total de 1,4 biliões de dólares e que se prevê que, em 2030, chegue aos 3,62 biliões de dólares.

Mas talvez aquilo que mais me apela, nestes modelos colaborativos e mais dispersos de financiamento, seja:

- Em primeiro lugar, o poder que proporcionam, a todos, de poderem ser investidores e de decidirem, em cada momento, qual o destino a dar ao seu dinheiro;

- Em segundo lugar, o facto de estes investidores serem não só recompensados financeiramente (ou de outra forma), como também poderem proporcionar, em simultâneo, uma maior qualidade de vida a pessoas em necessidade, ou uma oportunidade a projetos que contribuam para a criação de valor para a sociedade. Isto torna-nos mais conscientes, mais responsáveis e mais livres nas nossas decisões, independentemente de origem, nacionalidade, cultura ou nível de educação;

- Finalmente, e talvez mais importante, a proximidade que, neste tipo de modelo, tem o potencial de ser criada, entre financiadores e financiados, torna o processo mais humanizado e, acredito, com o potencial de gerar relações mais duradouras e, por isso mesmo, mais sustentáveis. Porque sustentabilidade não é só garantir que temos recursos que nos permitam sobreviver. É garantir uma vida com qualidade. Com continuidade, no tempo, e com tempo para pensarmos além de nós, e para fazermos investimentos conscientes nos outros.

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