visao.ptvisao.pt - 13 fev. 17:39

As mulheres têm mais doenças autoimunes do que os homens e um novo estudo pode ter descoberto a razão. Será que o mistério foi finalmente resolvido?

As mulheres têm mais doenças autoimunes do que os homens e um novo estudo pode ter descoberto a razão. Será que o mistério foi finalmente resolvido?

Uma molécula denominada Xist e que está presente apenas nas mulheres pode ser a grande culpada

Um novo estudo, desenvolvido por investigadores da Universidade de Stanford, na Califórnia, EUA, pode ter encontrado o motivo para as mulheres terem mais doenças autoimunes relativamente aos homens – os dados indicam que, de todas as pessoas com doenças autoimunes, cerca de 80% são mulheres.

A equipa da investigação descobriu que existe uma molécula apenas encontradas nas mulheres que pode ser a grande culpada de as mulheres sofrerem mais com condições deste tipo. Denominada Xist (em inglês, lê-se “exist”, que significa existir), esta molécula tem a função de desativar um dos cromossomas X nas mulheres, o que permite evitar a sobreprodução de proteínas. Contudo, este processo também faz com que a molécula crie complexos – longas cadeias de RNA emaranhadas com ADN e proteínas – estranhos, ligados a várias doenças autoimunes.

Esta investigação, embora preliminar, pode ajudar, no futuro, cientistas e médicos a encontrarem novas formas de diagnosticar doenças autoimunes, tal como o lúpus e a artrite reumatoide, por exemplo, e também tratamentos inovadores. Howard Chang, autor principal do estudo e professor de dermatologia e genética, interessou-se pelo tema depois de observar os sintomas relacionados com as doenças autoimunes.

“Muitas destas doenças que aparecem nas nossas clínicas, especialmente as relacionadas com o sistema imunitário, apresentam esta tendência feminina muito marcante. Por isso, sempre me questionei sobre isso na minha própria prática clínica”, explica, em declarações à CNN.

Para tentarem encontrar uma resposta ao maior número de casos de doenças autoimunes encontrados em mulheres, outros investigadores analisaram as hormonas sexuais femininas e masculinas ou a contagem dos cromossomas, mas Chang decidiu focar-se no papel da Xist, um “ARN muito longo, com 17 mil nucleótidos, ou letras”, que se “associa a cerca de 100 proteínas”. As moléculas de Xist, explica o investigador, trabalham lado a lado com essas proteínas para desativarem a expressão genética do segundo cromossoma X (as mulheres têm dois cromossomas X; já os homens são XY).

Nas suas análises, Chag deu conta que muitas das proteínas com as quais a molécula Xist trabalha estavam relacionadas com doenças autoimunes ligadas à pele. Ou seja, os doentes com estas condições tinham autoanticorpos que estavam a atacar de forma errada essas proteínas normais.

A partir daí, tentou perceber se os aglomerados de moléculas de proteínas que surgem quando a Xist se liga ao cromossoma X podiam desencadear doenças autoimunes. E embora a investigação, publicada na revista Cell, tenha envolvido experiências laboratoriais maioritariamente em ratos, uma análise feita com doentes humanos permitiu concluir que, de facto, os complexos Xist desencadeiam uma resposta química caraterística das doenças autoimunes.

Como foi realizado o estudo, que precisa de ser visto com cautela

A partir de técnicas de egenharia genética, a equipa modificou ratinhos laboratorialmente para que possuíssem um gene que produzia a molécula Xist. Depois disso, os ratos macho foram injetados com um irritante químico que imitava o lúpus, o que permitiu observar que os animais desenvolviam autoanticorpos numa taxa próxima da observada nos ratos fêmea. A equipa concluiu, então, que as proteínas que se ligam à molécula Xist podem provocar uma resposta imunitária.

Os investigadores também analisaram amostras de sangue de humanos com lúpus, dermatomiosite e esclerose sistémica (ES), comparando-as depois com amostras de sangue de voluntários sem qualquer doença autoimune. A equipa percebeu que os doentes produziram níveis mais elevados de autoanticorpos em reação às proteínas associadas à molécula Xist.

No geral, os investigadores apontam para um “papel significativo” da molécula Xist como o motor da autoimunidade, e isto poderia justificar o facto de as doenças autoimunes serem predominantemente femininas. Contudo, não fica esclarecido se as proteínas associadas à molécula Xist provocam, de facto, doenças autoimunes.

Além disso, os autores não conseguem explicar como é que os homens também têm estas doenças, e também porque é que algumas doenças autoimunes estão, por outro lado, mais presentes precisamente nos homens.

De acordo com Chang, as doenças autoimunes são muito difíceis de diagnosticar: muitas vezes, este processo dura anos. Por isso mesmo, o investigador refere que estas descobertas podem ajudar a acelerar este passo, para depois se poder tratar as doenças de forma eficaz. “Agora que sabemos que a Xist parece ser um fator importante, como é que se pode parar este processo?”, pergunta.

As doenças autoimunes são distúrbios causados por uma disfunção do sistema imunológico que passa a atacar tecidos e órgãos do próprio hospedeiro com os meios que normalmente usa para nos proteger de invasores (bactérias e vírus) e de células próprias anormais (cancro).

Todos somos portadores de alguma autoimunidade. Em condições normais, este processo está sob controlo e a autoimunidade é mantida a um nível suficientemente baixo para não causar dano. Quando este controlo é ultrapassado surge a doença autoimune.

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