expresso.ptJosé Conde Rodrigues - 13 fev. 07:57

Os super-ricos e a pós-democracia

Os super-ricos e a pós-democracia

Se o poder de definir as regras é o mais importante e estas, pelo menos no Ocidente, são, cada vez mais, impostas pela nova classe dos super-ricos, então podemos estar mesmo a caminhar para uma pós-democracia

É um lugar-comum dizer-se que é a riqueza de alguns que causa a pobreza no planeta. Contudo, a evidência empírica mostra que, ao contrário desse lugar-comum, não é por haver ricos que há pobres, pois as relações sociais não se regem por qualquer determinismo de soma zero. Assim, reduzir a pobreza, tarefa fundamental da Humanidade, não significa acabar com a riqueza, antes aumentá-la para todos.

Todavia, o surgimento nos últimos anos da classe dos super-ricos pode afetar as regras e a sobrevivência das nossas democracias. Ou seja, não são apenas os populismos de esquerda ou de direita que afetam a saúde do regime democrático onde este está mais consolidado.

Na verdade, com as sucessivas crises e respetivas réplicas, fomo-nos concentrando no recuo da classe média, no chamado “desemburguesamento” do povo (como lhe chamou em tempos Alain Greenspan), na falta de esperança das novas gerações, transformadas em novos párias sociais (nem-nem), mas esquecemo-nos que nos ricos também se criou uma clivagem: os poderosos de entre os poderosos, a classe dos super-ricos.

Foi David Rothkopf quem designou, pela primeira vez, de “superclasse” este novo grupo social dos super-ricos, para o distinguir da elite tradicional, cujo destaque e poder resultava essencialmente da herança e do nome de família. De facto, o novo grupo assenta na pretensa meritocracia adquirida à escala global, na banca, nas grandes universidades, nos grandes media internacionais, na criação de patentes, no exercício de cargos em organizações internacionais ou em grandes empresas multinacionais (reúnem-se, por exemplo, uma vez por ano em Davos na Suíça no Fórum Económico Mundial).

No fundo, a novidade e o sucesso desta superclasse assenta, não na tradição ou num território específico, mas na mobilidade. Esta superclasse ou nova elite apenas passa por “casa” em trânsito, a caminho de um novo “evento”, uma qualquer conferência de alto-nível ou uma qualquer estadia num resort mais ou menos exótico.

A sua perspetiva sobre o mundo é essencialmente económica ou turística e não uma visão comprometida com a pátria ou o seu Estado-nação. Trata-se, assim, de uma classe pós-nacional que nos transmite a ilusão do seu mundo e desconsidera os problemas das pessoas comuns com que se constrói o chão da verdadeira democracia.

Mas governar sempre significou pilotar, seguir um rumo, navegar de acordo com sinais, informações, para evitar e ultrapassar o previsível e o imprevisível num determinado território o que leva muitos, cada vez mais, a falar em pós-democracia.

Pós-democracia essa que corresponde, precisamente, a uma clara transferência do poder de decidir da esfera da política para as outras esferas da vida, como a economia, os media, a tecnologia, a ciência ou até a justiça.

Esta não é mais uma teoria da conspiração contra o famigerado capitalismo, mas apenas a crua factualidade, considerando que o novo poder assenta na perda de centralidade da política e da sua capacidade para tomar decisões. No fundo, estamos perante o regresso da oligarquia, antecâmara da tirania, na clássica definição aristotélica.

Para concluir, se o poder de definir as regras é o mais importante e estas, pelo menos no Ocidente, são, cada vez mais, impostas pela nova classe dos super-ricos, então podemos estar mesmo a caminhar para uma pós-democracia.

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