expresso.ptPedro Gomes Sanches - 12 fev. 06:46

Anticiclone dos Açores, tempo de boas abertas

Anticiclone dos Açores, tempo de boas abertas

O tempo passa com o tempo; por mais tempestuoso que o tempo (do clima) esteja, o tempo (do relógio) acabará por resolver isso. Certo, certo, é que é tempo de boas abertas. Para já, o PS perdeu nos Açores. Agora, já só falta perderem no continente. Erigiram muros? Abriguem-se atrás deles. A AD, essa, é que não deverá sujeitar o país a mais nenhuma tempestade socialista

Tenho saudades do Anthímio de Azevedo. Dele, e do tempo que e em que ele nos anunciava, com voz sóbria e sem histeria, o anticiclone dos Açores e os seus efeitos no continente. Por tempo que, refiro-me ao clima; na altura não havia “alterações climáticas”, e também não havia impostos, taxas ou taxinhas adicionais com o pretexto de as combater. Por tempo em que, quero dizer anos 80 e 90 do século passado; quando, por exemplo, o fenómeno PRD se revelou um “vai ser tão marcante não foi?”, ou quando António Guterres conduziu o país ao pântano partindo de uma posição sem maioria no Parlamento. Oh, those were the days!

Agora, graças à libido dominandi do PS, ao instinto de sobrevivência de António Costa e ao sectarismo ideológico de Pedro Nuno Santos, tudo mudou. António Costa derrubou – e gabou-se disso – o muro que separava o PS dos partidos de extrema-esquerda, amantes de ditaduras, amigos de terroristas e inimigos convictos da União Europeia, da NATO, dos Estados Unidos e de Israel e erigiu um muro que separa o PS de todas as forças democráticas à sua direita (“o Governo [do PS] cai no dia em que precisar dos votos do PSD para aprovar um Orçamento"). Pedro Nuno confirmou a demolição do velho muro e a construção do novo. E estes são os muros, as linhas vermelhas, que o país deveria verdadeiramente discutir, com as perguntas devidamente encaminhadas para o Largo do Rato.

Vem isto a propósito do que se passa, hoje, no Açores. Abundam vozes a dramatizar o cenário, e análises a extrapolar as consequências. Umas, que afirmam que a AD não tem uma maioria na Assembleia e isso torna a governação inviável; outras, que o PS tem que viabilizar o governo minoritário da AD se não quiser que o Chega lá chegue; outras ainda, que essa responsabilidade é do Chega se não quiser fazer o jogo do PS. Quiçá por ver nisto excesso de comédia, não vejo bem onde é que está o drama.

Em primeiro lugar, não é garantido que PS, Chega, IL e PAN se entendam num mesmo texto e num mesmo propósito de censura a um governo da AD; e se, como em 2015 no país, os perdedores todos somados não se entenderem num projecto negativo (foi o que aconteceu em 2015, importa não esquecer), a AD é maioritária. Em segundo lugar, nem o PS nem o Chega estão obrigados a nada que não seja votar de acordo com a sua linha estratégica satisfazendo o seu propósito político e disso tirarem as devidas consequências, e não cabe aos outros partidos dizer-lhes o que devem fazer. Em terceiro lugar, viabilizar um governo de uma coligação que venceu as eleições no primeiro acto após a sua tomada de posse e aprovar um primeiro orçamento, nem que seja com a abstenção, não compromete ninguém de forma trágica até ao fim do mandato. Em quarto lugar, nada impede, assim as forças políticas eleitas o desejem, que se negoceiem medidas com todos os partidos com representação na Assembleia, sem que isso signifique participação no governo e sem que isso altere necessariamente a natureza dos partidos negociantes.

Tudo isto é próprio da democracia; e o seu contrário, como a generalidade das coisas que por aí se ouvem, próprio do tribalismo. É verdade que a política portuguesa rumou nessa direcção em 2015, com o reposicionamento estratégico do PS, e com as opções do PSD e do CDS que conduziram à fragmentação do eleitorado de direita, mas os equilíbrios de poder – e as tácticas para o alcançar e conservar – sempre existiram. E sempre existirão. E, repito, isso é próprio da democracia.

Exemplos? Guterres, sem maioria absoluta, aprovou um orçamento graças a uma negociação feita com um deputado do CDS de Ponte de Lima, no que ficou conhecido como o “orçamento limiano”. Sócrates, sem maioria absoluta, governou mercê das suas oposições serem, ab initio, incompatíveis entre si; e caiu, depois, por sua escandalosa incompetência, conseguindo unir o PCP, o Bloco, o PSD e o CDS. Costa perdeu as eleições e governou graças a uma frente de perdedores ressentidos mas maioritários, e à custa da degradação dos serviços públicos. É obra! Mas, também, é o que se chama democracia parlamentar.

Eu sei que num caso o país acabou num pântano, noutro numa bancarrota, e no último numa “indecente e má figura”, mas aí os créditos são todos do PS e não tanto os deméritos da democracia.

Mas voltemos ao anticiclone dos Açores. Anticiclones são “regiões de alta pressão atmosférica em torno dos quais o vento sopra no sentido do movimento dos ponteiros do relógio no hemisfério norte”, lê-se no site do IPMA. Eis a poesia: alta pressão nos Açores e o vento a soprar no sentido dos ponteiros do relógio rumo ao continente. Eis o aforismo: o tempo passa com o tempo; por mais tempestuoso que o tempo (do clima) esteja, o tempo (do relógio) acabará por resolver isso. Certo, certo, é que é tempo de boas abertas. Para já, o PS perdeu nos Açores. Agora, já só falta perderem no continente. Erigiram muros? Abriguem-se atrás deles. A AD, essa, é que não deverá sujeitar o país a mais nenhuma tempestade socialista.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia

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