expresso.ptJosé Miguel Júdice - 21 nov. 21:00

As Causas. Atribulações do PS em Portugal

As Causas. Atribulações do PS em Portugal

O inquérito do Ministério Público, a hostilidade a Marcelo, as suspeitas que estão lançadas, tudo isso confirma que o PS vai a jogo num ambiente que lhe é manifestamente desfavorável, sejam quais for as voltas que der

Não vai ser fácil satisfazer o desejo do PS de que nos próximos meses se não fale das causas do pedido de demissão de António Costa e do inquérito do MP.

Uma hipótese seria rezar para que miraculosamente ocorra por intervenção divina. Mas o PS é um partido laico e, por isso, penso que não vai incluir essa hipótese na sua estratégia.

Mas há outras hipóteses e disso talvez acabe por depender o resultado das eleições legislativas de março.

O PS NÃO É COSTA NEM O GOVERNO?

A principal hipótese serve a estratégia de PNS para ganhar a José Luís Carneiro (JLC): o problema tem a ver com António Costa e o Governo (pelo menos devido ao “melhor amigo”, ao chefe de gabinete e a Galamba) e não com o PS. Se o país [for manipulado para] perceber que vêm aí novos tempos, não penalizará os socialistas.

A tese é aliciante, até porque não é totalmente falsa e PNS tem direito a usá-la: nunca compactuou com o “melhor amigo”, saiu há um ano do Governo, (quase) nada tem a agradecer ao ainda Primeiro-Ministro, e ninguém tem dúvidas que quer enterrar António Costa no panteão das fotografias dos líderes passados.

E serve bem contra JLC, que está no Governo, tem muito a agradecer ao PM, não quer enterrar Costa.

Tudo isto é muito relevante, pois JLC se está a revelar mais poderoso do que eu admitia, pois é já claro que representa muitas coisas: a moderação, a herança de António Costa e até do “soarismo”, as elites do PS, os que se opõem a que a geringonça seja reatada (agora mais nas condições do BE e do PCP, como Sanchez sobre Espanha pode explicar), e os que temem que o esquerdismo se torne com PNS a doença senil do socialismo.

Mas essa estratégia tem um enorme problema: Costa – como demonstrou no ataque (e na forma como o fez) a Marcelo e também à PGR, na Comissão Nacional do PS - não irá a pé, resignado, para o matadouro. E o seu prestígio no PS continua a ser forte, também ajudado pela incompetência dos procuradores que tratam do caso e da Procuradora-Geral.

O PS EM MAUS LENÇÓIS PARA A ELEIÇÃO

Mas imaginemos que PNS consegue o que deseja, que impere na campanha interna durante quase um mês o silêncio sobre o tema, e que a isso assistam resignados Costa, os seus ministros e o “costismo”.

Mesmo assim o problema mantém-se e em três possíveis vertentes: em primeiro lugar, não é possível calar espíritos livres e desalinhados, como Vital Moreira, a gritar que a PGR fez um “Golpe de Estado”.

Com isso, o tema será irresistível para que os “media” continuem a falar disso, o que aliás se mistura com a vontade dos amigos da PJ, que são muitos, e que não perdoam que tenha sido marginalizada pelo MP.

Em segundo lugar, a estratégia da Direita (que erradamente teme mais PNS, ainda que diga o contrário) será evidentemente tentar colar o líder da esquerda do PS ao Governo, de que foi aliás um lídimo expoente nas trapalhadas que foram causais da crise, mesmo tendo saído há uns meses.

E em terceiro lugar, mesmo o PS de PNS não pode dar-se ao luxo de não usar António Costa e os seus governos para realçar o que se fez, e muito foi feito que merece encómios.

Foi o que aconteceu, de modo encomiástico, no “Expresso” com Isabel Moreira, uma apoiante de PNS. Mas ao fazer-se isso, não se consegue nem o silêncio nem “libertar” o PS (leia-se PNS) das trapalhadas do Governo, e ainda menos de subliminarmente estar sempre a lembrar o inquérito criminal.

Ou seja, o inquérito do MP, a hostilidade a Marcelo, as suspeitas que estão lançadas, tudo isso confirma que o PS vai a jogo num ambiente que lhe é manifestamente desfavorável, sejam quais for as voltas que der.

PS: GANHAR E… IR PARA A OPOSIÇÃO

Mas isso não significa que o PS parta derrotado. E também por várias razões:

a) O Governo tem sucessos de que falar para que o PS os possa transformar em propaganda;

b) O PS tem a única máquina profissional de comunicação política em Portugal;

c) Montenegro não é a última coca-cola do deserto e a rivalidade à Direita tende a ser elevada;

d) O papão do Chega sempre influenciará algumas almas mais assustadiças.

Ou seja, admito que seja possível que o PS tenha mais deputados do que o PSD e, por isso, seja chamado a formar governo.

Mas isso não é o fim dos seus problemas porque, apesar do PSD, IL e CDS não irem em coligação às urnas:

A Esquerda no seu conjunto não terá maioria na Assembleia da República;

a) O Chega votará contra o Programa de Governo do PS, que será rejeitado;

b) A seguir o PSD será chamado a formar Governo e o Chega não poderá político-sociologicamente votar de novo contra um segundo Programa de Governo, pelo que a mera abstenção impedirá a rejeição (artigo 217º, nº 5 da Constituição); e

c) Na revisão do Orçamento que se seguirá, assim como no Orçamento para 2025 a votar daqui a um ano, também não acredito que o Chega possa deixar de apoiar para evitar que lhe aconteça o que em 2021/2022 aconteceu ao BE e ao PCP.

Ou seja, tudo indica que o PS de PNS passará à oposição.

Poderia não ser assim, se JLC – que se propusera viabilizar um governo minoritário do PSD se este tivesse mais deputados – exigisse em campanha que o PSD faça o mesmo, argumento eleitoral que agrada aos moderados, aos que no fim do dia dão a vitória ou impõem a derrota… e que tornaria o PS menos dependente do BE e do PCP.

Mas JLC desistiu disso e agora passou a ter colado na testa uma frase: também eu quero uma nova geringonça.

Ou seja, o PS pode vir a ter de beber o veneno que deu a beber em 2015 ao PSD…

O POPULISMO VENCEU NA ARGENTINA

O que se passou nas presidenciais na Argentina merece reflexão a vários títulos: Javier Milei, um líder populista, ultra-radical e “trumpista” (aliás mais apalhaçado do que o original), a quem chamam “El Loco”, venceu folgadamente na 2ª volta o candidato do peronismo, deixando os moderados a decidir qual seria para eles o mal menor.

Este é mais um exemplo da “tragédia das tribos”, que assola a América Latina, embora até agora tenham sido sobretudo os radicais de esquerda a vencer nas presidenciais em 2ª volta.

O que está a acontecer em Espanha vai no mesmo sentido, não é impossível que venha a ocorrer em França, e há quem tema que Portugal possa não ficar imune.

A tragédia das tribos é também o drama da “fraqueza dos moderados”, da sua incapacidade em atrair maiorias. Temo que em Portugal isso possa acontecer, se no PS prevalecer PNS e a sua inevitável tentação de polarizar com o CHEGA.

O ELOGIO

À Procuradora-Geral Adjunta, Dra Maria José Fernandes, pelo seu artigo no “Público”, ontem, “Ministério Público: Como chegámos aqui”?

Nada do que ela disse é desconhecido. Quando fui Bastonário da Ordem dos Advogados, e antes e depois disso na irrelevância de um simples cidadão e advogado, sempre o disse.

Mas, e mais importante: muitos procuradores da República, e não dos menos competentes e experientes, sempre os ouvi com palavras semelhantes criticando a evolução do MP para uma espécie de associação de advogados, em roda livre e sem respeitarem afinal o modelo constitucional de autonomia do MP, que não é de independência de cada procurador fora de uma hierarquia.

O que tem de notável o texto é ser de uma procuradora geral adjunta no ativo: a coragem que – se não pudesse ser, injustamente, mal interpretado – eu diria ser de quebrar a “omertá”. Claro que nada no MP é mafioso, mas o silêncio das críticas, o domínio de SMMP, o receio de consequências calou muitos.

Creio que ontem se quebrou um teto de vidro. Espero, pois, que a Assembleia da República que aí vem esteja à altura da coragem de Maria José Fernandes e volte e meter o sistema nos eixos constitucionais de onde nunca deveria ter saído.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Por muito que pareça estranho à primeira vista, há algo em comum entre os livros cuja leitura hoje recomendo vivamente.

“Antes que me Esqueça – a Diplomacia e a Vida” (D. Quixote), são as memórias do Embaixador Francisco Seixas da Costa em relação à sua longa, brilhante e exemplar vida profissional a representar Portugal.

“Entre o Céu e o Inferno – Vida e Morte nos Navios da Expansão Portuguesa (1497-1655)” (Crítica), de Marco Oliveira Borges (doutorado em História), são afinal também as memórias da vida coletiva dos que criaram as condições para que Portugal seja hoje mais do que um pequeno enclave ibérico e que a língua portuguesa seja um idioma universal.

Já li o livro de Seixas da Costa quase todo e – além de ser muito bem escrito e divertido - é essencial para se compreender a nossa história contemporânea. E vou meter em breve o dente no outro, pois trata de tema que sempre me fascinou.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

O MP, de forma deliberada, excluiu a PJ das buscas na operação “Influencer” que deitou abaixo o Governo. Também já excluíra a PJ das buscas em julho deste ano a Rui Rio e ao PSD a ele ligado, o que levou o ex-líder laranja a dizer uma frase que cada vez parece mais premonitória: “se o Presidente da República, a Assembleia e os partidos não tiverem coragem de dizer basta haverá um dia em que alguém vai dizer chega".

Foi arranjada uma desculpa esfarrapada (a PJ tem falta de verbas), mas o facto é que de acordo com o sistema legal sobre investigação da criminalidade económico-financeira, a PJ deveria estar envolvida.

Sendo assim, esta opção afeta os cimentos da luta contra a criminalidade e tem de ser explicada aos cidadãos numa sociedade democrática.

Por isso algumas perguntas: qual a razão deste comportamento do MP? A óbvia desconfiança deve-se a que motivos? Foi uma opção de um grupo de procuradores do MP em roda livre ou uma decisão da hierarquia e em última análise da PGR?

E, já agora, não nos tomem por tontos referindo – quais anjos ofendidos – que a PJ fala com jornalistas e viola o segredo da investigação e de justiça, como se no caso “Influencer” e com Rui Rio isso não tivesse acontecido…

A LOUCURA MANSA

O Primeiro-Ministro pediu ao Presidente da República que falasse com a Procuradora-Geral da República no dia 7 de novembro, na sequência das buscas iniciadas essa madrugada. Já era loucura que chegue, pois há pedidos que se não podem fazer.

Pior loucura, o Presidente acedeu ao pedido, convocou a PGR e com ela falou no auge de tais buscas.

Como é sempre possível subir na escala da loucura, dias depois, o Presidente revelou a todos nós – acredito que tenha a atenuante de não conseguir controlar o Marcelo que há dentro dele – esse pedido, violando uma sagrada regra do relacionamento institucional.

O Primeiro-Ministro também não conseguiu controlar o Costa que há dentro dele e afirmou: “nunca revelei, por mim ou por heterónimos nos jornais, as conversas com o Presidente da República” o que significa afinal que ao longo de quase oito anos de relação, o Presidente da República foi uma espécie de Fernando Pessoa (com menor qualidade poética…) e que de forma sistemática violou as regras que deveriam ser invioladas.

Costa até é capaz de ter razão na sua fúria, mas o PS seguramente dispensava que os portugueses assim percebam que o adorado Presidente das “selfies” anda a tentar lixar o Governo e o PS…

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