svicente - 20 nov. 11:42
Visão | O grande erro do Ministério Público
Visão | O grande erro do Ministério Público
Todo este vendaval por um único grande erro cometido pelo Ministério Público – ter cumprido a função que constitucionalmente e legalmente lhe está atribuída, isto é, ter determinado que se instaurasse um inquérito perante a suspeita da prática de um crime
Os últimos dias têm sido marcados por uma orquestrada campanha de desinformação que tem como único objetivo condicionar a ação da justiça.
Aqueles que pelas suas responsabilidades políticas deviam contribuir para o respeito e reforço da confiança dos cidadãos no sistema de justiça, perderam por completo a vergonha e lançaram-se num ataque ao Ministério Público, onde vale tudo.
Pedem a demissão da Procuradora-Geral da República; pedem que seja levantada inspeção extraordinária aos titulares do inquérito; andam de lupa à procura de erros num despacho de mera indiciação para efeito de aplicação de medidas de coação; querem condicionar os tempos do inquérito exigindo que seja encerrado em determinado prazo, se não mesmo arquivado de imediato.
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E o inquérito é apenas a primeira fase de um processo penal que tal como resulta do código de processo penal compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.
A decisão de instaurar o inquérito é uma decorrência da lei e não supõem qualquer avaliação de hipotéticos cenários ou desfechos políticos, por isso querer imputar a demissão de um Primeiro Ministro ou uma qualquer crise política ao início de um inquérito, é atirar areia para os olhos dos cidadãos, é simplesmente ridículo.
Tal como é totalmente disparatado tentar extrair de uma decisão de um juiz de instrução criminal em sede de aplicação de medidas de coação qualquer consequência definitiva para o processo. A decisão não só não é definitiva, porque suscetível de recurso, como o seu âmago é a aplicação de medidas restritivas de liberdade em função de um conjunto de exigências cautelares evidenciadas e não um conhecimento sobre o objeto do processo, que apenas terá lugar nas fases processuais seguintes.
É igualmente falsa a ideia de que o Ministério Público anda em roda livre e a sua atividade não é sindicável.
Toda a atividade desenvolvida pelo MP no processo penal é sindicada pelos sujeitos processuais e está sujeita a controlo judicial.
Interceções telefónicas, buscas em residência, detenções, aplicação de medidas de coação, estão sempre dependentes de autorização ou validação por um juiz. A decisão de acusar é controlada judicialmente em sede de instrução e de julgamento.
Por outro lado, todos os magistrados do Ministério Público estão sujeitos a inspeções de mérito regulares e a responsabilidade disciplinar quando violem os seus deveres, por um órgão de que fazem parte representantes da Assembleia da República e do Ministério da Justiça.
O que não se pode admitir é que a propósito de pretensos erros num despacho meramente indiciário para efeito de aplicação de medidas de coação, sem que tenham a mínima relevância no processo ou, pelo menos, sem a relevância que lhe querem atribuir, pretendam condicionar a atuação desses magistrados através da exigência de uma inspeção.
Infelizmente já não é novidade.
Sempre que uma investigação tem como visadas determinadas pessoas, logo assistimos a uma espécie de terrorismo judiciário contra os magistrados do Ministério Público que conduzem o inquérito, o que constitui uma intolerável forma de os condicionarem e amedrontarem.
Não posso deixar de terminar o artigo com uma frase de Edwin Sutherland, num texto publicado em 1945, na Revista Americana de Sociologia, intitulado “Criminalidade de Colarinho Branco”: «Law is like a cobweb; it’s made for flies and the smaller kinds of insects, so to speak, but lets the big bumblebees break through. When technicalities of the law stood in my way, I have always been able to brush them aside easy as anything». Não nos deixemos enganar pelas grandes abelhas, nem permitamos que elas arranjem sempre forma de penetrar a teia.
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