expresso.ptAntónio Filipe - 18 set. 15:24

Não é porreiro, pá?

Não é porreiro, pá?

Quem aceitou entusiasticamente amarrar o país a esta União Europeia em que uma Sr.ª Lagarde sem nenhuma legitimidade democrática tem poder para decidir ditatorialmente sobre as nossas vidas, não tem autoridade política para lamentar as consequências dessa opção

Quando em 1992, PS, PSD e CDS impediram o povo português de se pronunciar em referendo sobre se pretendiam aderir à moeda única e, sob a consigna de integrar o “pelotão da frente”, decidiram fazer embarcar o nosso país numa nau concebida para navegar sob o comando da Alemanha, onde Portugal perderia qualquer poder de autodeterminação quando ao rumo da sua política económica e monetária, tinham obrigação de saber, e sabiam, as consequências do que poderia acontecer no futuro quando os ventos da economia europeia soprassem em sentido adverso.

Não foi por falta de aviso. Se alguém se der ao trabalho de ler a declaração de voto feita por Carlos Carvalhas, em nome do PCP, quando foi ratificado na Assembleia da República o Tratado da União Europeia, obtém uma previsão dramaticamente real do que poderia vir a acontecer à economia portuguesa. Não que os comunistas portugueses tivessem dotes divinatórios, mas tão simplesmente porque tinham já nessa altura uma visão realista das consequências da integração na zona Euro que não estava toldada por uma barragem propagandística esmagadora quanto às enormes virtudes da integração no pelotão da frente, como se o facto de Portugal integrar o clube dos ricos nos tornasse ricos como eles.

Aquando da crise de 2008 provocada pelos desmandos bancários, a União Europeia, o BCE e o FMI inventaram a lengalenga de que tínhamos andado a viver acima das nossas possibilidades e, com o acordo do PS e da direita que havia (PSD e CDS), impuseram-nos a troika que nos obrigou a privações de péssima memória para salvar os bancos, executadas custasse o que custasse por um Governo PSD/CDS apostado em ir além da troika.

Agora, perante uma crise inflacionista provocada pelos lucros obscenos dos interesse económicos que se movem por detrás das absurdas sanções impostas pela União Europeia a si própria, o Banco Central Europeu que, segundo as regras da União Europeia quer, pode e manda, unicamente às ordens do cartel da banca e sem qualquer resquício de controlo democrático, impõe aumentos das taxas de juro dos empréstimos bancários que esmagam a capacidade económica de milhares e milhares de famílias portuguesas que ficam sem dinheiro para pagar as prestações das casas ou para ter direito a uma alimentação condigna.

A integração da União Económica e Monetária tal como foi concebida em Maastricht e reafirmada no Tratado de Lisboa e cuja aprovação foi celebrada com o famoso “porreiro, pá!” do abraço entre Sócrates e Durão Barroso, fez com que Portugal abdicasse da soberania económica e monetária e submeteu-nos a decisões alheias, tomadas na Alemanha, ou em Bruxelas às ordens da Alemanha, por mais lesivas que sejam para a economia nacional ou para as condições de vida dos portugueses.

A decisão tomada pelo BCE de aumentar selvaticamente as taxas de juro e o facto do Governo e o Presidente da República se terem limitado a umas considerações críticas piedosas com o conformismo de quem acha que na União Europeia manda quem pode e obedece quem deve, é bem o retrato da situação a que nos levou o europeísmo entusiasta da direita portuguesa que não difere do europeísmo dito de esquerda, como se um projeto supranacional, intrinsecamente neoliberal, e imposto aos povos pela goela abaixo, pudesse ter alguma coisa de esquerda.

Quem conduziu o país por este caminho, vendendo a ilusão do sonho europeu e apoucando como retrógradas as posições críticas a esta marcha para o abismo, não pode deixar de assumir as suas responsabilidades pelo estado a que deixou o país chegar, por ação ou por omissão. Quem apoiou as causas do estado a que chegámos, e continua a dizer que não há alternativa a isto, não tem autoridade política para lamentar as consequências.

Desde a integração na Moeda Única a economia portuguesa nunca mais cresceu significativamente. Só entre 2015 e 2019, o facto do PSD e CDS terem perdido a maioria absoluta e do PS não a ter obtido, permitiram, muito por influência do PCP, alguma reposição do poder de compra perdido nos anos anteriores, apesar das ameaças quanto ao regresso do diabo.

Uma União Europeia economicamente colonizada pela Alemanha, colonizada por sua vez política e economicamente pelos Estados Unidos, vegeta ao sabor das crises provocadas pelas suas próprias decisões. E enquanto por todo o mundo sopram ventos de multilateralismo e de cooperação para o desenvolvimento, os países da NATO e da União Europeia isolam-se na sua arrogância de império decadente, a economia europeia regride e acentuam-se as desigualdades na UE entre os Estados que a integram.

Quase 50 anos passados sobre a Revolução libertadora do 25 de Abril, o povo português não pode conformar-se com este estado de coisas. A integração na União Europeia e a forma como os Governos do PS, do PSD e do CDS a conduziram debilitou dramaticamente a economia portuguesa. Liquidou indústrias e explorações agrícolas, abateu a frota de pesca, forçou privatizações ruinosas, impôs perdas salariais e redução de direitos laborais e sociais, fez com que os jovens de hoje tenham condições de vida inferiores às que tiveram os seus pais.

Os jovens portugueses não podem conformar-se com um país que os obrigue a emigrar ou a ficar por cá para servir à mesa os nómadas digitais que ocupam as nossas cidades, vivendo nas casas que os portugueses tiveram de abandonar e beneficiando de privilégios fiscais inaceitáveis.

A luta por uma alternativa a este estado de coisas não pode deixar de pôr em cima da mesa a discussão dos caminhos para a recuperação da nossa soberania económica e monetária e a libertação das amarras que nos são impostas por uma União Europeia que se debate com uma crise, porventura irreversível.

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