eco.sapo.ptDaniel Arsénio - 5 jun. 15:03

Greenwashing: A sombra da desinformação

Greenwashing: A sombra da desinformação

É fundamental que as empresas adotem uma abordagem proactiva para a mitigação do risco de greenwashing.

A evolução do contexto nacional e internacional em matéria de sustentabilidade tem vindo a ser marcado pelo desenvolvimento de um quadro regulatório complexo, pela definição de compromissos globais ambiciosos e por uma mudança nos padrões de produção e consumo, os quais reforçam a importância das empresas incorporarem ao longo da sua cadeia de valor uma abordagem estratégica centrada em princípios de desenvolvimento sustentável. No entanto, o aumento da procura de produtos ambientalmente mais responsáveis conjugado com a proliferação de alegações neste âmbito por parte das empresas tornou ainda mais visível o risco de greenwashing.

Nos últimos anos a sustentabilidade tornou-se um fator crítico para os consumidores, influenciando de uma forma direta as suas decisões de compra e a forma como se relacionam com as marcas. Mais do que um gesto de boa vontade, os consumidores estão cada vez mais conscientes do seu papel enquanto agentes de mudança na transição para uma economia mais sustentável, exigindo às empresas a adoção de práticas de negócio que estejam alinhadas com as suas expectativas e valores.

De acordo com o gfkconsult regional outlook 2023, 40% dos consumidores têm em consideração a dimensão ambiental quando compram um produto. Um estudo desenvolvido pela Mckinsey e a NielsenIQ, concluiu também que entre 2018 e 2022 as vendas de produtos que mencionam características de sustentabilidade aumentaram 6,4% por cento, enquanto os produtos que não efetuam qualquer tipo de referência neste âmbito aumentaram 4,7% no mesmo período.

O que era percecionado por muitas empresas como uma abordagem de atuação direcionada para um nicho de mercado é agora encarada como uma fonte de vantagem competitiva, cuja principal estratégia tem vindo a incidir no desenvolvimento de produtos ambientalmente responsáveis e na respetiva comunicação desses atributos ao mercado.

Esta tendência motivou a utilização por parte das empresas de palavras e expressões como “amigo do ambiente”, “verde”, “biodegradável” ou “neutro em carbono”, muitas vezes de forma pouco fundamentada e abusiva. Essa prática, denominada por greenwashing, é responsável por criar uma ilusão de informação no mercado que potencia tomadas de decisões de consumo pouco fundamentadas ou baseadas em pressupostos falsos.

A mais recente edição do Corporate Climate Responsibility Monitor da NewClimate Institute avaliou a transparência e a integridade dos compromissos e estratégias climáticas de 24 das principais empresas mundiais. Este relatório concluiu que as estratégias da maioria das empresas avaliadas estão envoltas em compromissos ambíguos, planos de compensação de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) pouco credíveis e inventários de GEE com âmbito limitado. Atualmente são vários os exemplos de empresas dos mais diversos setores de atividade, que têm vindo a ser envolvidas em acusações de greenwashing com impactos reputacionais e financeiros bastante significativos.

Com o objetivo de combater a existência de práticas comerciais desleais e de promover a existência de decisões de consumo mais informadas e que contribuam de uma forma efetiva para acelerar a transição climática, a Comissão Europeia apresentou em março de 2023 a sua proposta de Green Claims Directive. Entre os aspetos mais relevantes na proposta de diretiva destaca-se a possibilidade de aplicação de sanções às empresas de, pelo menos, 4% do seu volume de negócios anual, a perda das receitas obtidas com produtos relacionados, a proibição de acesso a financiamento público e a exclusão dos processos de adjudicação de contratos públicos por um período até 12 meses.

Tendo em consideração a significância dos impactes associados é fundamental que as empresas adotem uma abordagem proativa para a mitigação do risco de greenwashing, com especial foco nas seguintes dimensões:

  1. Sensibilização e formação: Muitas das práticas de greenwashing não são intencionais. A falta de literacia neste âmbito conjugada com o aumento do nível de tecnicidade decorrente da evolução do contexto regulatório em matéria de sustentabilidade tem vindo a potenciar o risco de práticas acidentais de greenwashing. As empresas devem investir no desenvolvimento de programas internos de sensibilização e de formação especializada de forma transversal.
  2. Cultura de transparência: As partes interessadas devem ter acesso a informação que lhes permitam compreender de uma forma clara e objetiva o desempenho das empresas nas dimensões ESG e as suas ações concretas face aos compromissos de sustentabilidade subscritos. Nesse sentido, é imperativo que as empresas não adotem uma abordagem de comunicação seletiva, destacando apenas os resultados positivos e ignorando aqueles em que estão aquém das expectativas.
  3. Avaliação dos impactes: As empresas devem priorizar esforços onde o seu impacte ambiental é mais significativo. Isso implica que possuam ferramentas e conhecimento técnico que lhes permitam avaliar e medir, com o máximo de rigor, os danos ambientais associados às suas operações assim como suas as respetivas interdependências. Esses resultados devem ser divulgados publicamente de forma regular e alinhados com frameworks reconhecidas internacionalmente, como a Global Reporting Initiative (GRI) ou a Partnership for Carbon Accounting Financials (PCAF) de forma a permitir a comparabilidade entre empresas e setores.
  4. Governação e controlo interno: A ambiguidade de conceitos e processos é uma forte aliada do greenwashing. As empresas que possuam um modelo de governo dedicado aos temas de sustentabilidade promovem uma avaliação mais ampla do desempenho ESG por parte dos elementos da gestão de topo. É importante salientar também a importância do desenvolvimento de políticas internas específicas neste âmbito, assim como a realização de auditorias regulares para avaliar a conformidade com os procedimentos existentes enquanto um importante mecanismo para a mitigação do risco de greenwashing.

Em suma, as empresas devem assumir a responsabilidade de adotar práticas genuinamente sustentáveis e comunicar de forma transparente os seus esforços nesse sentido. Somente assim podemos fazer a diferença na construção de um futuro mais sustentável e responsável.

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