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″Ter salário decente significa ser capaz de ter casa decente″

″Ter salário decente significa ser capaz de ter casa decente″

Comissário europeu para o Emprego e Direitos Sociais defende políticas de educação e trabalho para a classe média. Mudança pode passar pela tributação e oferta de serviços públicos.

Nicolas Schmit, homem-forte da Comissão Europeia para o trabalho e assuntos sociais, está em Portugal até hoje para participar no Fórum Social do Porto. Prestes a completar 70 anos, quatro deles com a pasta do emprego, o luxemburguês mostra-se preocupado com a classe média, com o potencial de agravamento das desigualdades que as transições climática e digital acarretam e pede paciência para a recuperação dos salários.

Quais são as principais perturbações à prossecução das metas da Cimeira do Porto de 2021?

Vejo três. A primeira é a pressão proveniente ainda da covid, mas principalmente da guerra e da mudança no ambiente internacional devido à guerra e à pressão inflacionária que surgiu. A segunda é a evolução geral no mundo do trabalho. Todos falam do ChatGPT e a cada semana temos novas informações. A terceira é a pressão crescente decorrente das mudanças climáticas. Acho que todos estamos cientes de que as mudanças climáticas estão aí e isso é bastante preocupante.

A transição climática, sendo cara, não agrava desigualdades?

É por isso que temos de adaptar as nossas economias e afastarmo-nos mais rapidamente dos combustíveis fósseis. Isso significa considerar o custo, o preço e, especialmente, o impacto social. E unir essa transição e a dimensão social dela. Caso contrário, vamos dividir as sociedades. Porque essa transição, por definição, não está a promover a igualdade. Alguns grupos, regiões e empregos são mais afetados do que outros.

Como é que conjuga essa dimensão social com a transição?

Temos que construir políticas sociais sólidas em torno desta transição climática para torná-la aceitável para os cidadãos. Deve ser uma resposta política socialmente justa e equitativa. E temos que ajudar as pessoas que são afetadas por essa mudança.

As alterações tecnológicas como o ChatGPT são boas ou más para o mercado laboral?

A tecnologia tem muito potencial positivo, mas também precisamos de criar estruturas e regulamentos adequados para essa mudança tecnológica, a fim de garantir que seja uma tecnologia a serviço dos seres humanos e não que os seres humanos se tornem escravos das novas tecnologias.

Os governos devem olhar para as classes médias para evitar que se tornem classes pobres?

Sim, acho que há esse medo de que aqueles a quem chamamos de classe média possam estar numa situação de desclassificação social. E isso vale para eles próprios, mas vale ainda mais para os seus filhos. Mais, isso é algo que vai ao cerne das nossas democracias, porque esse grupo de pessoas é um grupo central. Não podemos simplesmente deixá-los de lado e dizer: "Agora vocês têm que se cuidar". Temos que ver como é que eles podem ser apoiados, especialmente os seus filhos, com educação e empregos. Bons empregos. A falta de habitação é outra questão que afeta muitos estados-membros. Eu diria quase todos. Todos precisam de um lugar para morar. Portanto, se as classes médias começam a não poder pagar por uma casa decente, isso é algo que afeta profundamente o modo de vida do país.

Como é que se pode ajudar?

Temos que incluir as classes médias nestas políticas sociais. A tributação é uma possibilidade, mas também os bons serviços sociais, que devem ser acessíveis a todos na educação e saúde.

O que é um "bom emprego"?

Várias coisas. Eu diria que um emprego decente, bom ou de qualidade deveria permitir uma vida decente. Ter um salário decente pelo seu trabalho. Esse é o objetivo da diretiva do salário mínimo, que também inclui uma disposição de negociação coletiva. Portanto, deve ser pago de forma decente pelo trabalho que faz. Significa que deve ser capaz de ter casa decente, serviços sociais e uma vida decente. Mas é mais do que isso. Também significa que as pessoas, onde elas trabalham, sejam levadas a sério. No sentido do seu trabalho e no respeito que recebem.

O salário mínimo na Bulgária é de 400 euros e no Luxemburgo é de 2400. Como pretende reduzir essa disparidade?

Não é realmente realista dizer que os trabalhadores do Luxemburgo são seis vezes mais produtivos que os búlgaros. O que precisamos é de uma convergência positiva nos países onde os salários mínimos são baixos, mas isso não pode ser feito de um dia para o outro. Se disséssemos que os búlgaros - ou mesmo os portugueses - todos, passariam agora receber o salário mínimo luxemburguês, isso seria uma catástrofe económica.

Há países, como Portugal, onde por vezes se critica a excessiva dependência dos fundos europeus na política de qualificações. Concorda com isso?

É uma ideia muito boa e uma boa política investir parte dos fundos europeus em investimento social, especialmente em capacitação, educação, reconversão e melhoria de qualificações. Acho que isso é bom e aqui tenho que dizer que o Governo português está a investir uma grande parte do dinheiro europeu - o dinheiro da coesão mas também o dinheiro do PRR -, nesses campos da educação. Em última linha, isto traduz-se numa melhor economia, melhor emprego e em trabalhos mais bem pagos.

E se os fundos acabarem?

Ninguém está à espera do fim desses fundos. Sei que este é um debate e que há quem receie, em Portugal, que o dinheiro possa diminuir, mas há muitas regiões que precisam deste dinheiro. Não devemos assumir que, depois de 2027, os fundos de coesão vão acabar. No fim, é um benefício para todos. Porque, como sempre diz a minha amiga comissária Elisa Ferreira, "uma corrente é tão forte quanto a sua parte mais fraca". v

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