Ana Maria Pimentel - 31 mar. 16:27
O sapo e o escorpião: Os powerpoints envenenam o Governo, mesmo que Costa entre em modo sapo
O sapo e o escorpião: Os powerpoints envenenam o Governo, mesmo que Costa entre em modo sapo
Esta semana o Governo é vítima dos seus próprios powerpoint, e António Costa tenta chegar à outra margem do lago em segurança....
Esta semana houve mais um momento em que o Governo se reuniu, para depois falar em frente a um Powerpoint, cuidadosamente criado para ser apresentado aos portugueses. O que nos traz aqui, ao escorpião desta semana. Que pela primeira vez não tem forma humana, mas cujo veneno continua a ser letal. É com os Powerpoint do governo que, desta vez, começa esta rubrica.
Sabe-se que no início do mês, preocupada com um descontentamento crescente e com uma série de erros de comunicação, a maioria socialista terá contratado o guru da Comunicação Política, Luís Paixão Martins, para assessorar a política de comunicação do partido. A notícia, avançada pela Visão, nunca foi confirmada. Mas todos assistimos de imediato aos membros do Governo levantarem-se das cadeiras, para fazer as apresentações em pé. O objetivo será transmitir dinamismo e energia, quando isso lhes começa a faltar na realidade. E, assistimos também, ao Primeiro Ministro a largar a persona de animal feroz nas entrevistas, mas isso é matéria para discutir num nenúfar, já lá vamos.
Era uma vez um escorpião que pediu a um sapo que o ajudasse a atravessar um rio. O sapo recusou, pois o risco de ser picado pelo escorpião e de morrer na travessia era grande. O escorpião, todavia, garantiu-lhe que isso não iria acontecer — ou não fosse fatal para o próprio, que não sabia nadar. O sapo acedeu, o escorpião apanhou a boleia e... finaram-se os dois a meio do caminho. Moral? Por vezes é mesmo difícil escapar à nossa natureza.
Depois de um ano de conversas entre Isabel Tavares e uma série de políticos, analistas e especialistas da nossa praça sobre os temas que marcaram a atualidade em 2022, a fábula serve agora de mote para uma rubrica onde se olha para a atualidade procurando saber quem foi sapo e quem foi escorpião da semana que passou.
Quer em pé, ou sentado, o país continua a ser o mesmo, e se há coisa de que carece este território é de dinamização e energia. E essas nem os Powerpoint estudados ao pormenor conseguem esconder. Na apresentação da segunda tranche de medidas do pacote Mais Habitação, nos diapositivos podia ler-se “confiança”. Mas para recuperar a confiança António Costa vai precisar mais do que um Powerpoint. É que o pacote Mais Habitação, mesmo com as alterações apresentadas, criou mossa nos mercados, nos investidores e promotores, nos proprietários e inquilinos, e até nas relações do Governo com os Municípios e com a Presidência da República. Mas mesmo que o Primeiro Ministro se diga “perplexo” com a reação à medida do arrendamento forçado, não poderá dizer-se perplexo quando perceber que vai ter que apresentar resultados para recuperar a confiança que perdeu ao longo deste mês. Como dizia André Coelho dos Santos ao SAPO24, no início da discussão da habitação, “ganhar confiança demora décadas. A reputação é tudo, perdê-la é fácil, recuperá-la é difícil”.
Já na apresentação dos apoios à alimentação, o Governo parece ter aprendido com os erros, evitou polémicas e foi incisivo nas ajudas. Mas o Powerpoint voltou a usar as pinças para uma picada à traição. Ali, aos olhos de toda a gente, a vergonha escondida do país, agora exposta: há três milhões beneficiários dos apoios sociais. Que é como quem diz que, no país, três milhões de pessoas que vivem entre a miséria e a capacidade de respirar com ajuda de balões de oxigénio. Ora, bem sabemos que o Primeiro Ministro é avesso a reformas, mas não será altura de resolver a vida desta terça parte do país? É que assim e sem alterações de fundo, quaisquer pacotes de ajuda, por melhores intenções que tenham, são facilmente confundidos com caridade. E não há estratégia de comunicação que salve este país.
créditos: MadreMediaO Primeiro Ministro voltou a dar uma entrevista, na semana que lhe corria de feição. O pacote de ajuda à alimentação passou com maioria de elogios, as relações com o Presidente da República pareciam ter re-aquecido debaixo do sol da República Dominicana. E mesmo a sondagem SIC/Expresso tornada pública, minutos antes de entrar em estúdio, não seria o motivo para estragar as celebrações do dia em que o Governo de maioria fazia um ano. Mas António Costa parece ter aprendido com os erros, e o peito cheio e o tom “habituem-se”, são coisas do passado.
Em modo sapo cauteloso, mas sem pôr o otimismo de parte, à entrada dos estúdios da SIC, quando questionado se era um dia para celebrar, retorquiu que festejos só no fim. À saída, já um pouco mais inchado, disse que o seu otimismo só era irritante para quem se deixava irritar. Emendou a mão quando, de seguida, teve hipótese de responder que não acreditava ter capacidade para irritar o Presidente da República. Embora o sorriso nos quisesse dizer o contrário.
E durante a entrevista, como se saiu? Um sapo a deslizar no lago, agarrado à esperança de chegar vivo à outra margem. O tom moderado e o compasso sereno. Tranquilizou os telespectadores quanto à relação com Belém. “Eu e o Presidente da República temos em comum quase oito anos de exercício de funções. Tem sido um período de boa convivência institucional, entre duas pessoas de famílias políticas diferentes, com funções próprias. Não estamos sempre de acordo e ninguém pressupõe isso. Não me recordo que tenha havido um relacionamento tão fluído e normal entre um governo e um Presidente da República”. E salutou a divergência de opiniões em democracia, "não temos de andar sempre a concordar, nem sempre a discordar. Aquilo que os portugueses esperam é que exista um relacionamento leal.”
Não sem lembrar discretamente Marcelo Rebelo de Sousa, a propósito do arrendamento coercivo, que nas contas com o Tribunal Constitucional está Costa 2 - Marcelo 0. Ainda no que concerne a essa lei, à do Alojamento Local, e ao IVA zero aproveitou o momento para tentar fazer as pazes com os privados. Dizendo acerca do acordo deste último, que reconhece haver risco, “mas acredito que estamos todos de boa-fé. Não posso estar sempre num juízo de suspeição”. Acrescentando que o “Estado abdica de 400 milhões de receita. Os retalhistas têm de acomodar as margens de lucro. Os produtores têm de fazer um esforço para conter a subida dos seus preços. Todos temos de fazer a nossa parte do sacrifício”.
O conteúdo e a forma iam sempre alternando entre exercícios de “mea culpa” e de lições dadas por quem sabe mais e sofre com o facto de ter razão antes do tempo. Depois de ter deixado a batata quente da habitação nas mãos dos municípios, que nem Pôncio Pilatos lembrou que os que escolhessem seguir uma política diferente seriam “julgados por isso”.
Contudo, segundo as sondagens, a Via Sacra começou. Mas para o Primeiro Ministro, que não se pode dar ao luxo de aguardar pelo julgamento dos portugueses no fim da festa. Vai ter que manter o modo sapo, e passar a fazer um esforço por governar para ter aplausos.