visao.sapo.ptsvicente - 19 mar. 17:43

Visão | Dia do Pai

Visão | Dia do Pai

A escritora Alice Vieira escreve, com Nelson Mateus, um diário sobre as suas recordações e sobre as memórias entre as diferentes gerações. O Diário de uma Avó e de um Neto, um projeto do site Retratos Contados
Querida avó,

Ao fim de dois anos tão complicados com a pandemia, quando finalmente julgávamos que íamos começar a viver os loucos anos 20, do século XXI, somos inundados com tristes notícias de guerra.

Passado um ano tudo continua na mesma, ou pior ainda. Sem fim à vista, infelizmente.

Que tristeza ver tantas famílias separadas, tantas mortes, tudo destruído…

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Em vez dos homens se juntarem para tentar salvar o Planeta, existem loucos que estão empenhados em acabar com tudo de uma vez por todas.

Que deprimente!

Bem, falando de coisas mais animadas, no próximo dia 19 celebra-se o Dia do Pai.

Em algumas terras, celebra-se São José o pai de coração de Jesus Cristo. “Jesus Cristo vem cá abaixo ver isto”.

É dia dos restaurantes esgotarem, das crianças oferecerem aos pais coisas que fizeram na escola e dos mais velhos oferecerem outras coisas que compram nas lojas, tudo isto para demonstrar o amor entre pais e filhos.

Mas será que grande parte das famílias sabe a origem desta data?

Para começar, tal como outras celebrações, esta não se comemora em todos os países no mesmo dia.

A ideia de comemorar o Dia do Pai surgiu nos Estados Unidos da América, no ano de 1909, quando Sonora Louise Smart Dood, filha de um veterano da Guerra Civil Americana, resolveu homenagear o seu pai, que cuidou dos seis filhos após a morte da esposa. Corajoso!

Aos poucos, a data começou a ser celebrada um pouco por todo o lado.

Tal como noutras datas, o princípio que dá origem à celebração é bonito, mas toda a vertente comercial estraga tudo!

Com isto, tudo não te falei do meu progenitor.

Que importância teve o teu pai na tua vida?

Tu, que apesar de teres saído de casa com apenas 15 dias, deves ter muito para partilhar sobre o teu pai, que viveu longos anos, foi empresário e um avô que os netos gostavam muito.

E o papel do Mário Castrim como pai? Conta-me tudo.

Amanhã é dia do teu aniversário.

Que excitação!

Bjs

Querido neto,

Recordo-me da Guerra da Coreia e do Vietnam.

Depois tivemos a nossa Guerra Colonial—mas isso era diferente. A ditadura queria fazer-nos crer que não havia guerra nenhuma e lembro-me que os caixões chegavam de noite para que ninguém os visse.

Mas falemos de outra coisa.

O meu pai sempre fez tudo o que a minha mãe mandava.

Quando eu cheguei de Paris para ir viver com o Mário, ele mandou-me ir a casa deles para lhes dizer. Eu disse que não, mas pronto, lá fui. Dei-lhes a notícia. À minha mãe entrou-lhe por um ouvido e saiu-lhe por outro. O meu pai olhou para mim e só disse “mas que raio é que ele terá visto em ti!!”

E aqui faz-se uma pausa muito grande.

Porque entretanto nasceram os meus filhos e, de repente, eles transformaram -se nos melhores avôs do mundo. Quando nós tínhamos de sair, os miúdos ficavam em casa deles, o meu pai lia-lhes histórias, era outra pessoa.

Na empresa de álcool que dirigia—e que agora é o meu filho que dirige—ainda hoje toda a gente fala dele. E tinha uma genica extraordinária. Todas as manhãs enfiava-se no comboio, em Lisboa, ia à fábrica, em Torres Novas, e voltava no comboio da noite.  E isto todos os dias até morrer, já com mais de 90 anos. (De resto, uma vez foi ao médico. O dele não estava e foi a outro. Mostrou análises, essas coisas, e o médico disse, “o senhor está muito bem, mas eu acho que devia fazer uma dietazita porque agora está bem mas, se calhar quando chegar aos 70, é preciso ter cuidado!”  E ele : “Sr. Doutor, eu tenho 85…” E claro que nunca fez dieta.)

O Mário foi um grande pai. Vivia no medo de não ver crescer os filhos (ele tinha mais 23 anos do que eu…), e dizia constantemente: “Eu só queria vê-los com 10 anos, porque assim já se lembram de mim!” Viu os filhos, viu os netos—e, curiosamente, dava-se muito bem com o meu pai, ele comunista e o meu pai o mais de direita possível.

E pronto, é tudo.

Bjs

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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