www.dinheirovivo.ptdinheirovivo.pt - 28 jan. 00:00

O que há por trás do palco da Jornada Mundial da Juventude

O que há por trás do palco da Jornada Mundial da Juventude

A gritaria sobre o altar do Papa para a Jornada Mundial de Juventude mostra bem o estado a que chegámos. Quando tudo é suspeito e todos merecem desconfiança, a verdadeira culpa morre solteira, mas a lama suja todos aqueles que estão na esfera pública e o medo tolhe qualquer sujeito que se preste a tomar uma decisão. Haverá sempre quem lhe aponte o dedo, quem torça o nariz e questione a verdadeira motivação da escolha assumida. E a alternativa a ficar com essa sombra colada à pele é fugir a cargos públicos ou, assumindo-os, nunca deliberar, nunca apontar caminhos, nunca apresentar soluções.

A Câmara de Lisboa tem um orçamento aprovado de 35 milhões de euros para a Jornada Mundial da Juventude, a que se somam as parcelas que Loures, a Igreja e o governo vão despender, e que incluem uma ponte ciclo-pedonal sobre o Rio Trancão (3 milhões), a requalificação de um aterro sanitário (7 milhões) e demais infraestruturas, num custo total avaliado em 80 milhões de euros.

"Lisboa nunca teve um evento como a Jornada Mundial da Juventude. Nenhum desta dimensão e com esta importância", frisava Fernando Medina em janeiro de 2019, ao anunciar que Lisboa fora o palco escolhido para a celebração que trará ao país 1,5 milhões de pessoas. Não era uma questão de fé. Ainda que afirmasse que o impacto era "sobretudo simbólico" e não tinha "contabilização financeira possível", o então presidente da Câmara de Lisboa sabia fazer as contas a uma faturação estimada em 350 milhões de euros. Já as fizera ao aceitar pagar 11 milhões por ano para ter em Lisboa a Web Summit, com um retorno sete vezes superior ao gasto. Ou quando decidiu gastar 5 milhões para assegurar o Festival Eurovisão da Canção, recebendo cinco vezes mais.

Voltando à Jornada, é legítimo questionar se é preciso gastar 4 milhões num palco, mas isso pressupõe que se esteja disponível para escutar a resposta, com argumentos políticos e técnicos (é suposto que a estrutura aguente a presença de 2 mil pessoas em simultâneo, convém que garanta segurança a todos os níveis e deseja-se que haja alguma ponderação estética, mesmo porque se pretende que ela tenha uma vida para além do seu propósito original). Como aconteceu com a Expo98, por exemplo.

Por outro lado, pode discutir-se o recurso a ajustes diretos para a maioria das obras da Jornada Mundial da Juventude, mas talvez fosse avisado perguntar antes por que razão essas empreitadas, para um evento que devia ter acontecido em 2022, não tinham ainda sido adjudicadas ou mesmo arrancado. E era bom recordar, aliás, que mesmo antes de o prazo apertar, António Costa já inscrevia nos Orçamentos do Estado (desde 2020) regras específicas para a realização dos esforços necessários à realização do evento. Incluindo a dispensa de fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas e a luz verde para dispensar concursos públicos em obras com custo inferior a 5 milhões de euros e na contratação de serviços até quase meio milhão. O governo oferece até benefícios fiscais em IRS e IRC a quem faça donativos à Fundação JMJ.

Quanto ao ex-vereador José Sá Fernandes, há dois anos nomeado por António Costa coordenador do grupo de projeto da JMJ e que se tem batido pela necessidade de conhecer a forma como Loures e Lisboa pretendem gastar os seus orçamentos, resta esperar que seja igualmente transparente com a fatia do bolo que está sob sua gestão: 37 milhões mais IVA, sem contar com despesas de segurança, mobilidade, saúde e o que mais se entender necessário para o sucesso do evento.

SOBE & DESCE:

DESCE: António Costa, primeiro-ministro

O metro em Alcântara tem de estar concluído até ao último dia de 2026 para evitar "um sério problema", avisou o primeiro-ministro, como se não tivesse nada com o assunto, invocando os prazos de um PRR que o seu governo tem aplicado com a destreza de um caracol. E sacudindo toda a água do seu capote político, conseguiu ainda António Costa enaltecer a visão que levou à decisão recente do seu executivo, de forma a permitir lançar agora (ontem mesmo) o concurso para uma obra que foi posta na gaveta nos oito anos em que esteve aos comandos de Lisboa e nunca mereceu condição prioritária em mais sete que leva a liderar o governo. Mas enfim, no que respeita ao atraso no PRR, Costa sabe do que fala: a verdade é que ainda só entregou um terço do dinheiro que já chegou de Bruxelas. E a Comissão não tem sido sensível aos seus esforços para empurrar datas-limite... No fim de contas, não temam: Costa há de usar o dinheiro até ao último cêntimo. Nem que seja em rotundas.

DESCE: Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura

A Secretaria de Estado da Agricultura acabou, mas não acabou. Agora não vai existir, mas nada diz que não venha a voltar. Mas enquanto não existe, passa-se as competências da pasta para as Pescas. O mais recente malabarismo do governo para matar dois coelhos de uma cajadada só: acaba com o embaraço gerado pela nomeação de uma governante envolvida num processo por corrupção e pelo caminho esvazia definitivamente o gabinete de Maria do Céu Antunes. Que importa que, pelo caminho, os assuntos dos agricultores sejam afogados se este governo nunca deu qualquer relevância à atividade agrícola? Afinal, os agricultores só contam quando há pandemias ou risco de falta de abastecimento de comida aos portugueses. O desprezo de Costa pela Agricultura é tal que só resta uma dúvida: o que é que a ministra ainda ali faz?

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