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Visão | Mandingas voltam a arrastar multidões em São Vicente para anunciar o Carnaval

Visão | Mandingas voltam a arrastar multidões em São Vicente para anunciar o Carnaval

Na Ribeira Bote, a batucada ouve-se ao longe, todos dançam, os olhos brilham, há sorrisos largos e muitas mãos a 'vestir' os mandingas, para mais um desfile que arrasta multidões e anuncia o Carnaval em São Vicente

“Procuramos alegria, estar bem, para nós é uma forma de diversão, porque, no meu caso, já o tenho no coração”, descreveu à Lusa Nilton Rodrigues, conhecido como Tau, de 45 anos, e há cinco presidente do grupo de Mandingas de Ribeira Bote, na ilha cabo-verdiana de São Vivente.

Uma manifestação que se acredita chegou ao país nos anos 1940, das ilhas do arquipélago dos Bijagós, na Guiné-Bissau, e também de São Tomé e Príncipe, os mandingas resistiram até hoje, com altos e baixos, e na Ribeira Bote ressurgiram há alguns anos, conquistando sempre novos membros, e até já com alguns desfiles em outras ilhas, organizados por são-vicentinos.

Figuras obrigatórias do Carnaval cabo-verdiano, saem sempre aos domingos, iniciando pouco antes de um mês do dia dos desfiles oficiais, arrastando multidões, que vão crescendo até ao denominado “enterro” dos mandingas, que acontece no domingo logo a seguir ao Carnaval, e que junta todos os outros grupos do género em São Vicente, numa manifestação ainda maior.

Vestindo uma saia feita com cordas de sisal e espalhando carvão misturado com óleo pelo corpo, que dá à pele um tom negro uniforme e brilhante, os mandingas usam nos desfiles diversos acessórios, por vezes lanças, mas também brincos, colares e chifres de animais pela cabeça, contagiando com a animação e dança quem assiste, numa demonstração de tradição africana e festa de Carnaval, mas que antigamente servia para assustar as crianças.

A multidão é tanta, e vai engrossando a cada rua, tornando difícil para o presidente quantificar o número de pessoas que acompanham uma marcha, mas de uma coisa tem certeza: “Os Mandingas de Ribeira Bote estão num patamar elevado”, frisou Rodrigues, ainda no estaleiro, onde os membros do grupo ajudam uns aos outros a ‘vestir” a pele de cada mandinga.

Um dos que já está pronto para entrar na estrada é Anderson Lima, 38 anos, que também já fez parte do corpo diretivo, e não consegue explicar o que lhe vai na alma a cada ano que pinta o corpo todo de negro para desfilar nas ruas da segunda maior cidade de Cabo Verde.

“É uma sensação inexplicável, muita alegria, é tipo amor a um clube”, descreveu à Lusa o simpatizante, que sentiu a “tristeza enorme” pelos dois anos sem brincar por causa da pandemia da covid-19, mas garantiu que este ano a energia vai ser a triplicar.

“É uma energia física e psíquica, é para crianças, adultos, mandinga não tem idade”, afirmou.

Depois da sirene de partida, os foliões entram num círculo criado com uma corda pelos seguranças, num palco improvisado, onde a vibração é tanta que os espetadores procuram um ponto elevado para não perder nada, desde os passeios, mas também nas varandas, janelas e terraços das casas.

Se os seguidores e a multidão vão crescendo, os mandingas também evoluíram ao longo destes anos, conforme contou o presidente. Antes, por exemplo, untavam o corpo com pólvora de pilha e carvão, que tiravam até das panelas, mas hoje usam um pó importado da Europa que é menos prejudicial à pele e que sai do corpo com mais facilidade.

Outra melhoria constatada ao logo dos desfiles foi fazer com que os próprios mandingas não exagerem no consumo de bebidas alcoólicas e não abordem pessoas para pedir dinheiro.

“Sempre aparece algum para pedir, mas já é em menor número”, afirmou Nilton Rodrigues, indicando que não há essa necessidade porque o grupo sustenta um desfile graças às ajudas de amigos, no país e na diáspora, e de empresas públicas e privadas.

“O nosso objetivo é tornar a tradição mais forte, e como se vê a cada dia vai ganhando o patamar mais elevado”, avaliou o dirigente, também um dos muitos mandingas que inundam as ruas do Mindelo a cada domingo nas vésperas daquele que é considerado o melhor Carnaval de Cabo Verde.

Também já é considerado um produto turístico, que atrai muitos curiosos nacionais, mas também estrangeiros de passagem pela ilha de São Vicente. “Inclusive já devem estar muitos lá fora à nossa espera”, previu Tau, destacando igualmente a união e a entreajuda que o desfile fomenta no bairro também conhecido como Ilha de Madeira.

É também, prosseguiu, uma fonte de rendimento para pais e mães de famílias neste que é um dos bairros tidos como mais pobres e problemáticos de São Vicente, ainda com as suas casas de lata, ruas estreitas, mas com uma enorme vontade de fazer e mostrar as suas tradições.

“Gera uma economia fora de série, muitos dizem que vendem muita coisa graças aos mandingas”, referiu o presidente do grupo, que regressa às ruas do Mindelo depois de dois anos impossibilitado, por causa da pandemia da covid-19.

“Ficámos com muita saudade, não poderíamos fazer nada, mas estávamos com muita ansiedade para chegar este momento para voltarmos a desfilar”, recordou a mesma fonte, dizendo que este ano os desfiles vão ser sempre a aumentar de intensidade.

“Este ano vamos bombar. Pedimos muito civismo às pessoas, porque é o mais importante”, apelou o mesmo responsável, sublinhando também o facto de os desfiles atenuarem as diferenças, contagiando todo o tipo de pessoas, de todas as idades, profissões e camadas sociais.

“Nos mandingas não há nem preto nem branco, é de toda a gente”, frisou, garantindo que o grupo de Ribeira Bote aceita pessoas de qualquer bairro de São Vicente, mas com uma condição: “Desde que venham com respeito e bom comportamento”.

RIPE // VM

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