www.dinheirovivo.ptdinheirovivo.pt - 28 jan. 07:59

A alquimia do conhecimento

A alquimia do conhecimento

Portugal investe cerca de 3,6 mil milhões de euros em investigação e desenvolvimento, o que corresponde a 1,7% do Produto Interno Bruto. Tratando-se de uma percentagem que fica aquém da média da Europa comunitária, não deixa de representar um esforço significativo. Basta, aliás, referir que países como Espanha e Itália investem em I&D uma proporção menor do respetivo PIB.

Portugal investe cerca de 3,6 mil milhões de euros em investigação e desenvolvimento, o que corresponde a 1,7% do Produto Interno Bruto. Tratando-se de uma percentagem que fica aquém da média da Europa comunitária, não deixa de representar um esforço significativo. Basta, aliás, referir que países como Espanha e Itália investem em I&D uma proporção menor do respetivo PIB.

A parte que é realizada pelo ensino superior, correspondente a 1,2 mil milhões de euros, tem como deliverables os artigos científicos publicados, as teses de doutoramento e mestrado produzidas bem como outros documentos de natureza científica sujeitos a avaliação pelos pares. Estamos a falar de dezenas de milhares de publicações anuais, muitas a refletirem a enorme qualidade da investigação realizada em Portugal em áreas de excelência.

A questão prende-se com a utilidade de toda essa produção científica. De uma forma imediata ela é determinante para o posicionamento das universidades nos rankings internacionais. O que não é de somenos importância, na medida em que contribui em larga escala para a atração de talento - tanto ao nível dos estudantes que conseguem captar como dos professores e investigadores que contratam - e para a obtenção de financiamento público e privado.

Mas espera-se que a produção científica contribua também para o desenvolvimento de produtos, processos e modelos de negócio inovadores que sejam competitivos na economia global em que vivemos. O desafio que se coloca é como transformar o conhecimento científico em soluções úteis para as empresas. Porque aquilo que sai do pipeline das universidades são papers e teses - mas é de soluções concretas que as empresas necessitam e não de documentos e relatórios académicos.

Há essencialmente três vias para transformar - e não "transferir", como muitas vezes se afirma - conhecimento em soluções. A primeira passa pela proteção e comercialização da propriedade intelectual, essencialmente ao nível de patentes, mas também de outras formas de proteção. Neste domínio, Portugal não apresenta um posicionamento idêntico ao do investimento em I&D acima referido. A nossa situação é pouco mais do que vergonhosa, com tudo aquilo que se perde pelo facto de não protegermos devidamente o conhecimento que por cá se produz.

A segunda via prende-se com a realização de projetos conjuntos entre universidades e empresas. Projetos, não de consultoria, mas de investigação aplicada à resolução de desafios concretos. O papel dos laboratórios associados e dos centros tecnológicos é extremamente relevante na medida em que atuam como interfaces entre o sistema científico e o tecido empresarial, dando origem a soluções capazes de potenciar a competitividade da economia. A reestruturação do setor do calçado português, que lhe permitiu tornar-se numa referência mundial, assentou em larga escala nessa colaboração entre empresas e a sua associação, por um lado, e o meio científico e tecnológico, por outro.

A terceira via envolve a criação de spin-offs. Parques científicos e tecnológicos e estruturas de incubação dentro dos ecossistemas universitários têm dado origem a startups de enorme sucesso, algumas das quais são hoje unicórnios. Não sendo uma panaceia - apesar de, por vezes, parecer uma moda - o apoio à criação deste tipo de empresas é essencial não só para o rejuvenescimento do tecido empresarial mas também para a atração talento.

Em suma, no âmbito da investigação e inovação, Portugal realiza um esforço apreciável a produzir conhecimento, mas os resultados desse investimento medidos pela criação de riqueza ficam ainda muito aquém do que seria expectável. Colocar empresas e universidades a trabalhar em conjunto não é fácil pois têm estruturas, processos e, principalmente, culturas organizacionais muito distintas. Mas essa dificuldade tanto se aplica a Portugal como à Coreia do Sul, a Israel ou aos EUA. Não é mais difícil cá do que lá. A única diferença é que estamos mais atrasados nesse processo. Por isso, o melhor é começar já hoje a trabalhar nesse sentido, até porque "matéria-prima" não falta.

Carlos Brito, professor da Universidade do Porto - Faculdade de Economia e Porto Business School

NewsItem [
pubDate=2023-01-28 08:59:00.0
, url=https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/a-alquimia-do-conhecimento-15735174.html
, host=www.dinheirovivo.pt
, wordCount=644
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2023_01_28_1415780536_a-alquimia-do-conhecimento
, topics=[opinião, economia, opinião: carlos brito]
, sections=[opiniao, economia]
, score=0.000000]