www.publico.ptpublico@publico.pt - 27 jan. 19:22

Vamos falar sobre parentalidade?

Vamos falar sobre parentalidade?

Estamos à espera que os nossos filhos tenham um comportamento exemplar para lhes dizermos que gostamos deles. Mas eles precisam de saber que gostamos deles incondicionalmente.

Mais do que um guia orientador para pais ou do que uma lista de sugestões e de atividades, este texto é um conjunto de ideias soltas sobre a tarefa mais desafiante das nossas vidas: cuidar de alguém!

E precisam de ser ideias soltas porque a parentalidade é mesmo assim: uma viagem sem mapa, na qual estamos constantemente a experimentar, a errar, a aprender, a duvidar!

O que é ser um bom pai, uma boa mãe, ou um bom cuidador?

Quando falamos de parentalidade, esta é a primeira pergunta a que devemos tentar responder. Para mim, o que é ser um bom pai ou uma boa mãe? Que significado é que eu atribuo à parentalidade?

A evidência mais atual mostra-nos que, quando interagimos com os nossos filhos, as nossas práticas não são neutras e irrefletidas. Pelo contrário, têm por base as nossas teorias acerca do desenvolvimento e educação das crianças e do papel dos pais neste processo.

Se para mim o pai deve ser uma figura de poder e que deve impor obediência, então as minhas práticas educativas serão, naturalmente, mais autoritárias. Estas teorias baseiam-se nos conhecimentos que temos acerca do tema, mas são fortemente influenciadas pelas nossas vivências e interações sociais, e determinam a forma como nos relacionamos com as crianças.

Por isso mesmo, deve ser sempre este o nosso primeiro olhar quando nos relacionamos com os nossos filhos: sermos capazes de olhar para dentro de nós e de nos questionarmos! “Porque é que eu estou a agir assim?” “Porque é que este comportamento do meu filho me faz sentir desta maneira?” “Qual é o impacto que tem em mim?”

Na luta pela perfeição

Nas últimas décadas, o conhecimento sobre a infância e sobre a importância dos primeiros anos de vida tem vindo a aumentar. Temos mais informação disponível sobre as etapas de desenvolvimento, bem como sobre a importância da vinculação e da estimulação precoce.

Se por um lado, este aumento de conhecimento nos tem trazido novas ferramentas e novas abordagens, por outro acarreta com ele uma grande pressão para que sejamos melhores pais.

E é aqui que precisamos de estar alerta, porque nesta luta para sermos pais perfeitos, corremos o risco de deixarmos de ser apenas... PAIS! Pais que erram, que se chateiam, que se irritam. Famílias que têm conflitos, que se zangam, que têm momentos de rutura. Mas todos eles fazem parte... e é das ruturas que nascem as reconciliações; é das zangas que nascem aproximações, é dos conflitos que nascem aprendizagens. É ao sermos pais, apenas PAIS, que nos relacionamos com os nossos filhos!

Ele é que tem de mudar!?

Ouço muitas vezes em consulta “Agora, não tento mais nada. É ele que tem de mudar!”. Percebo e acolho estes desabafos... Habitualmente são exteriorizados por pais cansados, que se desdobram em 1000 tarefas diárias e que tentam desempenhar da melhor forma possível os seus vários papéis.

Carregam consigo este cansaço acumulado, mas também uma grande esperança em mim e na “magia” que esperam que faça com os filhos. É com carinho que lhes devolvo que são eles os adultos... e é sempre no adulto que a mudança tem de começar!

Estamos à espera que os nossos filhos tenham um comportamento exemplar para lhes dizermos que gostamos deles. Mas eles precisam de saber que gostamos deles incondicionalmente, para conseguirem regular-se e desenvolver-se saudavelmente. Porque é justamente aqui, na transmissão deste amor incondicional que começa a mudança. Porque é na segurança de que sou amado incondicionalmente que eu me desafio a crescer!

Deixei de ser a Maria para ser a mãe da Leonor

Assim que iniciamos esta viagem da parentalidade, há algo dentro de nós que se transforma. Não é só uma criança que nasce... nasce com ela um pai ou uma mãe e também é preciso cuidar desse cuidador.

Na escola, no hospital, no parque infantil, deixamos de ser tratados pelo nome próprio e passamos a ser referenciados como “o pai da Ana”, “a mãe do Manuel”. Muitas vezes nem nos damos conta destes pequenos sinais que vamos recebendo e que, sem intenção, nos vão empurrando apenas para o nosso papel de pais, afastando-nos de nós próprios. E este é um movimento que pode ser perigoso, como são perigosos todos os momentos que nos afastam de nós.

É preciso encontrar tempo e espaço para cada parte nossa, dar-lhe atenção, ouvi-la e acolhê-la. Relembrarmo-nos diariamente (e relembrar, se necessário, os que nos rodeiam) que eu continuo a ser A Maria, O Pedro, A Inês, antes de ser o pai ou a mãe de alguém.

Cresce e aparece!

Esta é, provavelmente, a expressão popular que mais me incomoda. A ideia de que é preciso crescer para ser visto e ouvido é desconfortável, assustadora e nociva. Quando nos dizem “cresce e aparece”, estão a retirar-nos valor e a desrespeitar-nos enquanto pessoas. Contudo, quantas vezes ouvimos esta expressão quando éramos crianças? E quantos de nós ainda a usam com os nossos filhos?

A participação é um direito consagrado na convenção sobre os direitos da criança. Todas as crianças têm o direito a ser ouvidas e a dar a sua opinião. Contudo, porque é que continua a ser tão difícil para os adultos ouvir as crianças?

Na maioria das vezes, é por medo! Têm medo que, ao ouvir a vontade da criança, esta tenha de ser cumprida. Têm medo de transformar a criança num “pequeno tirano”. Mas ouvir não significa fazer sempre a vontade. Ouvir significa escutar ativamente, acolher a criança e a sua necessidade e dar-lhe resposta. Uma resposta que seja adequada e respeitadora.

Assim, da próxima vez que se sentir perdido no seu papel de pai, pergunte ao seu filho: “De que é que precisas?” ou “o que é que eu posso fazer para te ajudar?”. Tenho a certeza de que a resposta dele o vai surpreender.

Eu também levei umas palmadas e estou aqui...

Normalmente esta frase vem acompanhada de expressões como “dói-me mais a mim do que a ti”, “uma palmada nunca fez mal a ninguém” ou “tem de levar para ver se aprende”.

É verdade que muitos de nós levámos palmadas. E também é verdade que muitas destas palmadas podem ter sido dadas com a melhor das intenções! Mas isso não faz com que elas tenham sido desejadas, adequadas ou mesmo merecidas. E, muito provavelmente, deixaram marcas em nós!

Cada vez mais são conhecidos (e reconhecidos) os impactos que os castigos físicos podem ter nas crianças. Atualmente, são várias as organizações nacionais e internacionais que, por isso mesmo, se opõem à utilização de castigos físicos e advogam por práticas educativas mais positivas. E em Portugal? Sabia que os castigos físicos são proibidos por lei desde 2007?

Se a lei os proíbe e a ciência tem provado que não funcionam e que podem ter impactos sérios e negativos no desenvolvimento da criança, porque continuamos a usá-los? Porque mudar é difícil, principalmente quando são comportamentos que estão presentes há tantos anos na nossa sociedade. E porque, muitas vezes, são desencadeados por impulsos e por dificuldades ao nível da nossa própria gestão emocional.

Mas qualquer mudança começa com um questionamento e com uma vontade... com um primeiro passo!

Que tal começá-la hoje?

A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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