eco.sapo.ptRicardo Pinheiro Alves - 27 jan. 07:00

A riqueza da imprensa portuguesa

A riqueza da imprensa portuguesa

Ao transformarem as suas opiniões em certezas absolutas, os profissionais de comunicação social perdem a riqueza da diversidade de pontos de vista que têm obrigação de apresentar.

A riqueza da imprensa é proporcionar informação rigorosa, relevante e atempada a todos os membros da sociedade que a ela queiram aceder. O papel da imprensa como contrapoder é insubstituível nas sociedades livres, e essa é a base da sua grande riqueza.

A imprensa portuguesa tem um papel muito importante como em qualquer país democrático. A denúncia da actual sucessão de escândalos de membros do governo e da sua paralisia são o melhor exemplo da sua riqueza. Mesmo os jornalistas alinhados com o governo não tiveram alternativa se não mostrar o ar pouco respirável em que vivem os portugueses.

Infelizmente, também há situações em que a imprensa portuguesa não aproveita toda a riqueza que está à sua disposição, evidenciando três tipos de falhas:

1 – A primeira, e mais grave, é a desinformação que a imprensa veicula. A imprensa em Portugal, tal como em outros países, desinforma frequentemente o seu público. Acredito que não o faça com essa intenção, mas acontece demasiadas vezes e sempre no mesmo sentido, o que levanta dúvidas sobre as intenções de alguns profissionais da comunicação social.

Um simples exemplo serve para o mostrar: a suposta legislação anti-“LGBT” aprovada no parlamento húngaro há alguns meses. A notícia circulou por toda a Europa, tendo a imprensa internacional dita de “referência” apresentado em grandes parangonas o que seria um atentado aos direitos humanos na Hungria.

A vontade de criticar a Hungria é grande porque há relatos sobre tentativas de controlo do poder judicial pelo político e porque o chefe de governo nem sempre está alinhado com os restantes países ocidentais.

Mas as notícias continham uma contradição. Ao mesmo tempo que relatavam manifestações contra a lei em Budapeste referiam que a sua aprovação tinha sido com votos a favor de todos os deputados, excepto uma abstenção. Ou seja, na Hungria, que tem eleições democráticas, mesmo que o seu resultado não seja o que a imprensa de “referência” quer, não houve um único deputado da oposição no parlamento que tivesse votado contra a lei.

A vontade de criticar a Hungria é grande porque há relatos sobre tentativas de controlo do poder judicial pelo político e porque o chefe de governo nem sempre está alinhado com os restantes países ocidentais.

Isto era, no mínimo, estranho, e deveria ter levado os jornalistas a pensar na razão de tal incongruência. E não apenas os jornalistas. Uma académica e comentadora de assuntos internacionais com presença regular na comunicação social portuguesa manifestou-se indignada com a lei aprovada. Quando a questionei se conhecia a dita lei acabou por confessar que não e que estava a reproduzir o que tinha sido relatado pelos tais meios de “referência”.

A Hungria, como muitos outros países, tem uma língua que não é facilmente compreensível para a maioria. Felizmente, o Dr. Ribeiro e Castro conseguiu arranjar uma cópia da legislação aprovada em inglês e teve a gentileza de me a enviar. Da sua leitura torna-se evidente que a legislação não contém um ataque a qualquer grupo de pessoas, apenas protegendo os menores do contacto com pornografia, o que também acontece em Portugal.

Fica por saber se a comentadora académica mudou e passou a olhar criticamente a informação que recebe e porque é que a tal imprensa internacional de “referência”, que publicou notícias sobre um assunto que não conhecia suficientemente, nunca corrigiu a notícia falsa nem pediu desculpas por ter enganado o público.

O exemplo mostra como o comportamento “em rebanho” dos meios de “referência” gera um mecanismo de transmissão que leva a imprensa portuguesa a dar notícias falsas. Compete aos profissionais terem uma atitude critica perante a informação, mas nem sempre o fazem e quando isso acontece perde-se o rigor, que é a principal riqueza da imprensa.

2 – A segunda falha vem no seguimento da primeira e ocorre quando a desinformação ocorre por manipulação da informação, por vezes com o intuito de passar uma mensagem não isenta. Há casos em que a imprensa nacional não procura a verdade quando se defronta com informação em que não acredita ou que crê não ser verdadeira, tornando-se uma fonte de má informação ou mesma de desinformação. Os acontecimentos políticos no Brasil ou em Espanha são dois exemplos.

A tentativa de invasão do congresso brasileiro não deveria ser uma surpresa para quem é jornalista e está informado sobre o que se passou no país depois das eleições, quando parte da população organizou continuas manifestações a pedir às forças armadas para fazerem um golpe militar.

A tentativa de invasão do congresso brasileiro não deveria ser uma surpresa para quem é jornalista e está informado sobre o que se passou no país depois das eleições, quando parte da população organizou continuas manifestações a pedir às forças armadas para fazerem um golpe militar. Bolsonaro recusou-se a aceitar os resultados, uma parte da população desconfia dos juízes e recusa-se a ter como presidente um político corrupto condenado em tribunal que saiu da prisão para concorrer às eleições por uma falha processual e porque a vitória de Lula foi obtida por uma diferença enorme de votos numa só região, o Nordeste (69%-31%).

Perante isto, os portugueses só ficaram espantados com o que se passou no Brasil porque a comunicação social portuguesa resolveu censurar as notícias sobre as manifestações a partir de certa altura, desinformando o público (os brasileiros que por cá vivem têm acesso a fontes de informação alternativas). Esta opção seguiu-se a uma cobertura das eleições nos canais de televisão nacionais que até alguns jornalistas reconhecem ter sido facciosa.

O que se passou há alguns dias em Espanha, quando centenas de milhares de pessoas se reuniram na Praça Cibeles, em Madrid, para protestar contra o governo socialista, mostra o mesmo fenómeno. A imprensa portuguesa referiu sempre o número oficial de 31 mil participantes ou escudou-se em “mais de 31 mil pessoas”, que vai desde 32 mil a muitos milhões. Quem viu as imagens na televisão sabe que estavam presentes muito mais do que 100 mil pessoas. O problema para a comunicação social nacional é que o Vox era um dos organizadores da manifestação e, por isso, e ao contrário do que fazem em outras situações como as manifestações sindicais, optam por não proferir nenhum juízo sobre o número oficial apresentado, induzindo o público em erro.

Há hoje mais pluralismo na imprensa do que houve no pós-25 de Abril e na altura dos saneamentos de Saramago, quando praticamente todos os órgãos de comunicação social com abrangência nacional eram controlados por quem detinha o poder político. As privatizações dos anos 1980 garantiram que esse pluralismo crescesse, pelo menos para os capitalistas que detinham os meios.

Mas isso nunca evitou que a censura de informação em Portugal existisse, tendo entretanto sido facilitada pela “Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital” aprovada em 2022. A “carta” é um incentivo a que os órgãos de comunicação social transmitam sempre as “verdades” que a esquerda valoriza em detrimento de visões alternativas. A consequência é a perda da riqueza da imprensa que é informar de ima forma isenta.

3 – A terceira falha decorre das outras duas e resulta da ambição da imprensa em ser a guardiã da verdade. Esta pretensão é extremamente perigosa pela ilusão que pode criar de falsa superioridade, mas é ainda mais preocupante quando assumida por profissionais da informação que dizem lutar contra a desinformação. A censura institucionalizada pelo Facebook e pelo Twitter mostram porquê.

Em Portugal isto está presente em rubricas como o “Polígrafo” da SIC. O exemplo da Hungria, do Brasil ou de Espanha demonstram que órgãos de comunicação que desinformam não são credíveis como detentores da verdade absoluta. Mas há outros exemplos mais marcantes.

O mais comum é sobre o ambiente e a “catástrofe global” que se aproxima rapidamente, em que várias calamidades vão ocorrer com toda a certeza se não for feito aquilo que os seus anunciantes querem. Só ainda não se sabe é quando.

Em Portugal isto está presente em rubricas como o “Polígrafo” da SIC. O exemplo da Hungria, do Brasil ou de Espanha demonstram que órgãos de comunicação que desinformam não são credíveis como detentores da verdade absoluta. Mas há outros exemplos mais marcantes.

A ideia de que o planeta Terra vai ou pode acabar nunca é dita explicitamente, mas está presente diariamente na comunicação social. Chegou a Portugal a partir dos tais meios de “referência” – “não há planeta B” – e nunca mais saiu de cá. Um dos seus grandes promotores é o ex-Vice-Presidente dos EUA Al Gore, que é um excelente vendedor, tão bom que conseguiria vender sabão azul num encontro de marcas de detergente.

Esta ideia encontra-se de tal maneira inculcada na sua cabeça que os jornalistas portugueses não se preocupam em perceber até que ponto é verdadeira e esqueceram a atitude critica que deve nortear a sua função. Não há notícia sobre cheias e as chuvas que caíram ou sobre os fogos e o excesso de calor que não inclua uma referência às alterações climáticas, muitas vezes através de uma afirmação peremptória do próprio jornalista. Para a ilustrar, a opção é sempre chamar um comentador que sabem que irá confirmar a sua ideia pré-concebida.

O facto de os cientistas não concordarem todos com esta visão não incomoda os jornalistas. Não me refiro a negacionistas ou a extremistas que se auto-intitulam ambientalistas para aparecer na televisão. Refiro-me, por exemplo, a Steven Koonin, autor do livro “Unsettled” e ex-Subsecretário de Estado para a Ciência na Administração Obama, que afirma não existir qualquer evidência que ligue a ocorrência de eventos climáticos extremos à intervenção humana ou que o seu número tenha aumentado nos últimos 100 anos. Esta frase, escrita por um cientista do clima que participou em muitos estudos sobre o tema, é ignorada pela comunicação social porque coloca em causa uma crença dos seus profissionais.

Ao transformarem as suas opiniões em certezas absolutas, os profissionais de comunicação social perdem a riqueza da diversidade de pontos de vista que têm obrigação de apresentar e falham na sua função de informar o público. A questão climática é especialmente grave pelas decisões erradas que já foram tomadas em seu nome.

As três falhas apresentadas diminuem a riqueza da imprensa nacional. Para a recuperar é necessário que maior capacidade critica e humildade dos profissionais levem à sua correcção. A sociedade portuguesa só tem a ganhar com isso.

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