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Visão | O abismo. Editorial de Mafalda Anjos

Visão | O abismo. Editorial de Mafalda Anjos

Pedir tolerância com a degradação desta maioria absoluta não é exigível nem é solução. Mas fingir que o abismo não está aqui tão perto também não

“Portugal precisa de estabilidade, os portugueses merecem tranquilidade.” Por isso, é necessário uma “maioria do PS que garanta serenidade e progresso”. Era esta uma das cinco mensagens principais na narrativa desenhada para a campanha do PS nas legislativas de 2022.

O Partido Socialista conseguiu-a, com um bónus: 120 deputados no hemiciclo que permitiriam governar nas calmas sozinho. Chegado aqui, ainda na noite eleitoral da grande surpresa, António Costa traçou para si próprio uma meta e anunciou-a ao País. “Um dos meus grandes desafios é reconciliar os portugueses com a ideia das maiorias absolutas”, disse a 31 de janeiro de 2022, sublinhando que “a estabilidade é boa e não má para a democracia”.

Passado um ano desde as eleições, é seguro dizer que o Governo falhou nos dois objetivos. Não só a maioria absoluta não trouxe a desejada estabilidade, como a ideia que os portugueses têm sobre a maioria absoluta não melhorou nada. Muito pelo contrário.

As semanas horribiles do Governo, com uma vertiginosa sucessão de episódios, polémicas e contradições que levaram já a 13 saídas do executivo, trouxeram o País por uma estrada com várias etapas: surpresa, choque, indignação. E, de repente, depois de um escrutínio apertado dos média, erros sucessivos e histórias mal contadas por parte de vários membros do executivo, vive-se a banalização dos “casos e casinhos”, com o Governo enleado, por culpas próprias e ajuda alheia, num alvoroço que parece imparável.

Uma banalização perigosa que salta por cima da presunção de inocência e que mete todos os políticos em funções dentro do mesmo saco da suspeição permanente, e que etiqueta todos, sem distinção, injusta e igualmente mal.

Um agastamento geral que se nota não só na vozearia dos comentadores permanentemente indignados da famosa bolha político-mediática, que só assim conseguem o seu lugar ao sol, mas que vai para além disso. Chegou nas últimas semanas às pessoas comuns, e mesmo ao clássico eleitor do centro e aos socialistas.

As sondagens recentes, lidas com as devidas cautelas, revelam tendências claras: uma desilusão com o Partido Socialista, que cai e está longe de conseguir hoje a mesma maioria absoluta que alcançou em janeiro, mas também a falta de alternativa governativa que representa o PSD, com uma liderança que não convence. Estamos perante o que na Europa acontece há muito: um desalento crescente com o centrão, que encolhe a olhos vistos dando espaço às margens. Hoje, PS e PSD juntos representam pouco mais de 50% nas intenções de voto. E por tabela leva também o Presidente da República, com um nível de popularidade e aprovação a atingir o ponto mais baixo de sempre dos seus mandatos. É preciso ler estes sinais, que são sintomáticos.

Tudo isto seria apenas a democracia a funcionar, não fosse a democracia essa entidade frágil com a capacidade contraditória de se autoinfligir golpes irremediáveis. Como assumia o próprio Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha nazi, a democracia forneceu aos seus inimigos mortais os meios pelos quais poderia ser destruída.

A desconfiança relativamente às elites e aos políticos é o mais poderoso combustível para os populistas e os radicais. E eles estão hoje, em Portugal, com a vida facilitada. Nem precisam de inventar ou “berrar” muito alto – a indignação e o ressentimento crescem sozinhos, com a ajuda dolorosa de uma inflação que pesa muito ao final do mês no bolso dos portugueses. Não tenhamos dúvidas: neste período, o Governo de António Costa foi um grande contribuinte líquido para o crescimento dos extremos em Portugal.  

Na semana passada, o explicador-geral do reino Marcelo Rebelo de Sousa usou as palavras certas, que passaram algo despercebidas: estamos a caminhar para “o abismo”. “Às vezes há um vórtice, uma coisa, um apelo da corrida para o abismo que não faz sentido, com o quanto pior, melhor”, afirmou. É preciso concordar com a análise do Presidente da República: este vórtice não serve a ninguém ‒ nem ao Governo nem à oposição.

Como sair disto agora, eis a questão. .

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