ionline.sapo.ptAntónio Galamba - 24 jan. 08:00

UI, o recrudescer tardio dos críticos com lágrimas de crocodilo

UI, o recrudescer tardio dos críticos com lágrimas de crocodilo

Os que há uma décadas desconsideraram os sinais e os riscos da solução têm nomes e rostos, sendo demasiado tristes os exercícios de demarcação, de desculpabilização e as lágrimas de crocodilo vertidas pelo estado a que chegámos.

De vez em quando, a nação sobressalta-se. Descobre realidades, condói-se com as consequências e as realidades resultantes da falta de atenção, como se o alheamento estrutural em relação aos sinais e às tendências não fosse uma tragédia que leva sistematicamente à perda de recursos, de tempo e de oportunidades, numa estranha espiral de incapacidade de separação entre o trigo e o joio. Essa reiterada falta de critério e de discernimento, esse encarreirar na multidão vigente, por conveniência de interesses ou amorfismo, é um traço estrutural de muitos cidadãos, de comunidades e de estruturas políticas, económicas e sociais pouco habituadas a pensar, a questionar e a exigir.

Há mais de uma década que há um modus operandi acarinhado por muitos, condescendido ainda por mais, alavancado no exercitar do poder das redes de influência e experimentado no plano local como antecâmera da República.

Há mais de uma década que são evidenciados os sinais e as perigosas derivas de desfoque da salvaguarda do interesse geral, de opacidade das opções, de fragilização das fronteiras entre a política e os negócios, de ligeireza na gestão pública e de ausência de limites éticos, de valores e de princípios.

Há mais de uma década que a vista grossa dos ungidos pelo modus operandi desvalorizaram os impactos perniciosos e acalentaram o exercício da política sem limites, sem regras e sem noção dos equilíbrios que se impunham para que não se minassem os pilares da Democracia, já sujeita a desgastes de diversas vivências da atualidade.

A proliferação de casos, de constrangimentos do exercício do poder político e de disfunções de funcionamento do sistema democrático, em tempos de generalizadas adversidades individuais e comunitárias, fez emergir um conjunto de despudorados críticos da conjuntura vigente, combalidos pelas expressões do estado da arte e condoídos pelo exercício da habilidade política, boa parte deles vindos de mais de uma década de suporte ao caminho que nos conduziu até aqui.

Sem necessidade de recorrer a nenhum questionário, com uma simples pesquisa no google, tropeçam-se em sustentadas incoerências dos atuais críticos, enfunados na onda de afirmação do modus operandi político pelo qual vertem agora lágrimas de crocodilos ou ensaiam despudoradas demarcações. 

Sem direito ao esquecimento ou à tradicional falta de memória dos portugueses, é tempo de relembrar a sua entusiasmada adesão à empreitada, ao protagonista e ao caminho que se vislumbrava ser o que se pretendida percorrer, que no final, foi muito além das regras e limites vigentes, a começar por uma governação sem vitória eleitoral.

O dano à República pelo exercício, o único que verdadeiramente importa, por ser o acervo onde os cidadãos se integram, com a totalidade do território que escolhemos para viver, no continente e nas regiões autónomas, terá sempre a assinatura de todos os que construíram a cortina de fumo, a onda pública e mediática e a convergência de interesses instalados. É, foi e será uma empresa com muitos acionistas e com frágeis resultados para serem distribuídos, além do óbvio das reposições de rendimentos e de esperança; da gestão imediatista das conjunturas sem acudir aos problemas estruturais e de opções ideológicas sem nexo com a necessidade de gerar respostas com critérios, inteligíveis e sustentadas.

O dano à Democracia é evidente pela degradação da função política e pela erupção de disfuncionamento das instituições, com inevitáveis oportunidades para a afirmação dos populismos, dos extremismos e de nichos alheados da prossecução do bem comum.

O dano ao partido é lapidar, correndo o risco de materializar rotulagens indesejadas, contraditórias com as matrizes históricas, os valores e os seus princípios, e de provocar ruturas de confiança com os cidadãos além do universo abrangido pelas prestações de proteção social do Estado. Este será o que menos importará ao comum dos cidadãos, mas deveria ser preocupação da liderança vigente, efémera pela matriz republicana, que permitiu a geração de um quadro de divergência com o interesse geral, de supremacia das agendas pessoais e de ligeireza das funções públicas lesiva do acervo patrimonial do partido na sua relação com os cidadãos e o país. O deslaço alcançado e o desperdício de condições únicas de estabilidade política e de recursos financeiros, apesar do quadro de incertezas da guerra e da inflação, podem ser danos estruturais irreparáveis, para várias gerações e os próximos ciclos políticos.

A convergência dos três danos deveria ser razão maior de senso, ajuste e sentido do exercício político pelos protagonistas e motivo de contrição dos críticos que estiveram na génese da onda do atual modus operandi. Ao invés de outras circunstâncias, ainda no anonimato, como as dos jornalistas avençados pelo famoso saco azul do GES, neste caso, os mediáticos promotores do vale tudo, do modus operandi e das suas expressões, os que há uma década desconsideraram os sinais e os riscos da solução têm nomes e rostos, sendo demasiado tristes os exercícios de demarcação, de desculpabilização e as lágrimas de crocodilo vertidas pelo estado a que chegámos. Basta, terem vergonha na cara, que há quem tenha memória.

NOTAS FINAIS

OPACIDADE DA FEDERAÇÃO. O estatuto de utilidade pública da Federação Portuguesa de Futebol implica responsabilidades de transparência com os portugueses. Não querer clarificar o regime legal da contratação do novo selecionar é incompatível com o estatuto e gerador de dúvidas desnecessárias de risco de persistência em práticas do passado.

INCAPACIDADE PARA GERAR COMPROMISSO. Com maioria absoluta e recursos financeiros, ainda que limitados, é um desperdício não chamar setor a setor os representantes para um compromisso para a legislatura. Deixar a rua e as fragilidades marcarem o compasso da governação, além dos casos, é uma tragédia para os quotidianos e para as questões estruturais.

O PROTESTO SEM LIMITES É INACEITÁVEL. A interrupção de um espetáculo cultural por as personagens não serem assumidas por cidadãos reais com determinado perfil é miserável. É coisa de quem não tem noção de que a expressão da sua esfera de liberdade tem de respeitar as outras esferas de liberdade, onde se inclui a liberdade criativa. São impreparações democráticas.

A REPÚBLICA A DORMIR SOBRE AS AUTONOMIAS. As declarações do ex-deputado do PSD Sérgio Marques sobre a governação do PSD na Madeira como algumas das modelações da solução governativa do PSD de José Manuel Bolieiro nos Açores não têm a devida relevância mediática na República. São notas de rodapé, mas não deviam porque coroem o exercício autonómico e, por essa via, a República. 

PORTUGAL ENTRE OS MELHORES EM ANDEBOL. Fruto do trabalho liderado pelo presidente da Federação Portuguesa de Andebol, Miguel Laranjeiro, a seleção voltou a brilhar no plano internacional, agora no Mundial na Suécia. Jogar de igual com os melhores é o patamar em que já estamos, só falta um pouco mais de equilíbrio em determinados momentos e os campos da arbitragem não inclinarem o normal curso dos jogos. 

Escreve à terça-feira

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