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Criança vítima de violência doméstica viu mãe ser morta, mas nunca foi protegida

Criança vítima de violência doméstica viu mãe ser morta, mas nunca foi protegida

Criança de nove anos presenciou várias agressões à mãe por parte do pai. Violência culminou com o homicídio da mãe, tentativa de homicídio da criança e posterior suicídio do pai.

Uma criança vítima de violência doméstica viu a mãe ser morta e o pai suicidar-se, mas nunca foi considerada como vítima nem protegida e não foi avaliado o risco de sofrer novos maus tratos, denuncia um relatório divulgado esta sexta-feira.

O relatório é da autoria da Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD) e diz respeito ao caso de uma criança de nove anos que presenciou vários episódios de agressões à mãe por parte do pai e que culminou com o homicídio da mãe, tentativa de homicídio da criança e posterior suicídio do pai.

O caso aconteceu em 2020 e da análise feita pela EARHVD há falhas em vários pontos do processo, desde a análise de risco feita pela Guarda Nacional Republicana (GNR), aos cuidados de saúde, mas também no que diz respeito ao acompanhamento feito pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens competente.

A EARHVD diz mesmo que, relativamente a esta criança, houve “desconsideração no decurso do processo criminal”, apontando que, apesar de estar com a mãe num momento em que a mulher foi violentamente agredida pelo marido e de, por isso, ter ficado “assustada e transtornada”, a criança não foi considerada vítima de violência doméstica.

“Esta criança, com nove anos de idade, não foi identificada como vítima do crime de violência doméstica, não foi avaliado o risco que corria de poder vir a sofrer novos maus tratos, não foi tomada qualquer medida para a proteger no decurso do processo criminal”, lê-se no relatório.

Relativamente à actuação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), a equipa refere que todos os contactos foram feitos na presença de mãe, pai e filho, “ignorando-se o contexto de violência doméstica que determinara a necessidade de intervenção protectiva”, nunca tendo sido nenhum deles ouvido individualmente, nomeadamente a criança.

Na análise da EARHVD, esta actuação foi “claramente desadequada”, criou maior fragilidade para a mãe e voltou a expor a criança ao conflito entre os pais.

“A Comissão de Protecção não conseguiu identificar e caracterizar a situação grave de perigo em que esta criança se encontrava, não percepcionou a agudização do conflito familiar em que estava envolvida, não a tratou realmente como um autónomo sujeito de direitos e não se mostrou habilitada a definir uma linha de rumo capaz de garantir a sua protecção e promoção do desenvolvimento”, refere a equipa.

Acrescenta que, até ao dia do assassinato da mãe, não houve qualquer contacto entre a CPCJ e o Ministério Público, nem sequer para a necessidade de regulação dos poderes parentais, o que leva a EARHVD a afirmar que “a acção protectiva foi insuficiente e inadequada para alcançar o objectivo de promover os direitos da criança e pôr termo à situação que estava a afectar a sua saúde, educação e desenvolvimento”.

No que diz respeito à actuação da GNR e respectiva elaboração da avaliação de risco - foram feitas quatro, três das quais de risco baixo -, a EARHVD refere que “foi cumprido um procedimento burocrático, mas não efectuada uma avaliação de risco com o comprometimento na procura activa de informação”.

“Na avaliação do risco não foi tomada em consideração toda a informação existente em cada momento, mesmo aquela que já constava das avaliações de risco anteriores, os factores assinalados foram-se alterando de acordo com as oscilações na estabilidade e na percepção do risco pela vítima, única fonte de informação”, lê-se no relatório, acrescentando que nas últimas duas avaliações devia-se ter concluído pelo nível elevado de risco.

Relativamente à assistência às vítimas, “apesar do apelo para uma vigilância muito próxima da vítima pela GNR, de afirmar que havia um perigo efectivo de que ele [o agressor] pudesse continuar a ofender física e psicologicamente”, o Ministério Público “paradoxalmente, manteve sempre a posição, não suportada nos elementos constantes do inquérito, de que era suficiente o termo de identidade e residência”.

No que diz respeito à área da saúde, apesar de haver registo de necessidade de assistência por lesões em 2018, não foi feita qualquer comunicação à Equipa para a Prevenção da Violência em Adultos (EPVA), resposta estruturada e formalizada nos serviços de saúde.

“A acção desenvolvida limitou-se ao tratamento sintomático, ao tratamento de lesões físicas e à medicação para a registada “perturbação depressiva”, apesar de a informação existente, pelo menos desde 12 de Setembro de 2019, indiciar a também registada “situação complicada” nas relações” entre vítima e agressor.

O relatório acrescenta ainda que a equipa de saúde familiar, apesar de ter feito consultas individuais a todos os membros da família, “não efectuou uma avaliação global e das relações existentes”, nem encaminhou a criança para o Núcleo de Apoio às Crianças e Jovens em Risco ou a mãe para a EPVA do centro de saúde.

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