www.jornaldenegocios.ptjng@negocios.pt (Jornal de Negócios) - 2 out. 21:02

O Governo vai ter de aplicar austeridade, ao contrário do que sempre prometeu

O Governo vai ter de aplicar austeridade, ao contrário do que sempre prometeu

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre os seis meses de Governo, o TGV e as eleições no Brasil, entre outros temas.

SEIS MESES DE GOVERNO

  1. Seis meses de Governo completados esta semana. Segundo duas sondagens, a da SIC/Expresso e a da TSF/DN/JN, a maioria dos portugueses acha que o Governo tem sido mau ou muito má. Este balanço negativo não surpreende:
  • Em toda a democracia nunca se viu um governo começar tão mal o seu mandato. De um governo de maioria absoluta, esperava-se: unidade, coesão, iniciativa, energia e espírito reformista. Foi o contrário: divisões, demissões, descoordenações, desautorizações e polémicas. Formalmente é um governo novo. Politicamente é um governo velho, cansado e esgotado.
  • Claro que ainda estamos no início e esta falsa partida pode ser corrigida nos próximos meses. Mas o desgaste vai continuar: primeiro, por causa da crise social; depois, porque o Governo vai ter de aplicar austeridade, ao contrário do que sempre prometeu; finalmente, porque o PM já não tem a energia, a paciência e a autoridade que tinha.
  1. Entre os ministros, há, a meu ver, três tipos de destaques:
  • Três ministros em destaque pela positiva: primeiro, José Luís Carneiro, que exibiu sempre serenidade e confiança, em particular na época dos fogos; depois, Duarte Cordeiro, tutelando o delicado sector da energia, mostrou iniciativa e competência; finalmente, Fernando Medina. Esteve mal na gestão política (caso Sérgio Figueiredo), mas tem sido eficiente na gestão financeira e orçamental (défice e dívida).
  • Três ministros em destaque pela negativa: primeiro, Costa Silva, um ministro com ideias, mas sem poder. Ou recupera autoridade ou sai. O país precisa de um ministro da Economia forte. Depois, Maria do Céu Antunes, uma ministra desastrada. Insinuou que para o Governo há filhos (os que votam PS) e enteados (os que não votam PS). Uma atitude grave. Finalmente, Pedro Nuno Santos. Criou a primeira crise no Governo e foi desautorizado. Com o TGV, começa a recuperar.
  • Três ministros sob expectativa: Elvira Fortunato, na Ciência: é competente, mas precisa de mostrar iniciativa; João Costa, na Educação, parece querer reformar em questão de contratação e estabilidade de professores; Manuel Pizarro, na Saúde, com baixas expectativas à partida, pode surpreender, como se viu na escolha do novo CEO do SNS.
  1. Caso Ana Abrunhosa. São casos sempre sensíveis. A ética não se esgota na lei. Mesmo assim, a ministra tem 3 pontos a seu favor: agiu com boa-fé, ao pedir parecer ao CC da PGR; não há suspeitas de ter tido intervenção no processo; a entidade que deu parecer favorável à decisão não é tutelada pela ministra. Mas não ajuda o facto de o marido ter um sócio condenado por corrupção.

PSD ESTÁ A RECUPERAR?

  1. De acordo com as duas sondagens já referidas, o desgaste do Governo é grande, o PS cai nas intenções de voto, mas o PSD ainda recupera pouco. É compreensível. A mudança de líder é muito recente. É preciso tempo, paciência e persistência. E também muita inteligência.
  1. Inteligência, desde logo, a lidar com o Chega. O PSD tem grandes condições para ganhar as eleições de 2026. Sobretudo por duas razões: primeira, porque o PS, nessa altura, com 11 anos de poder, estará muito desgastado. Segunda, porque, em 2026, já não haverá António Costa a liderar o partido. O PS perde, assim, a sua mais-valia. É a grande oportunidade do PSD.

Mas, se o partido começar a falar do Chega e deixar criar, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, a perceção pública de um entendimento futuro com o Chega, dá um tiro no pé e não chega lá. Gera divisões internas no partido; desvia as atenções dos erros da governação; assusta os eleitores moderados do centro que são essenciais para ganhar; e dá um trunfo inesperado ao adversário.

  1. Luís Montenegro, quando partiu para a sua eleição, disse categoricamente que não voltaria a falar do Chega. Eu acho que seria inteligente retomar esse compromisso, inexplicavelmente interrompido nos últimos dias. É bom pensar nisso, antes que seja tarde de mais.

TGV – AGORA É A SÉRIO?

  1. A ideia do TGV é muito parecida com a do novo Aeroporto: muitas promessas, muitos estudos, muitos anúncios. Nenhuma concretização. António Guterres prometeu e não cumpriu. Durão Barroso prometeu e falhou. José Sócrates prometeu e recuou.
  1. Será que agora é mesmo a sério? Mesmo com cautela, porque estamos ainda a falar de um anúncio e não da abertura de um concurso, admito que sim.
  • Primeiro: até há poucos anos esta obra era altamente polémica. Agora, é bastante consensual. A sua concretização foi aprovada na AR por uma maioria superior a 2/3 dos deputados.
  • Segundo: para cumprir as metas de descarbonização até 2050 a que o Governo se comprometeu com Bruxelas, o TGV é indispensável.
  • Terceiro: esta obra (nas fases 1 e 2, que são as maiores e mais custosas) vai ser concretizada em regime de PPP. Assim, a maior fatia do financiamento (cerca de 2/3) será privado. O terço restante virá de fundos comunitários. Tudo isto facilita muito a vida do Estado. Para a concretização do essencial da obra não haverá necessidade de recorrer nesta década ao Orçamento de Estado.
  1. O que se espera agora é que as regras desta PPP sejam claras e rigorosas. É que há PPP e PPP. As PPP da Saúde foram vantajosas para o Estado e para o erário público. As PPP rodoviárias, ao contrário, foram um desastre financeiro que ainda hoje andamos a suportar.

A ESCALADA DE PUTIN

  1. O discurso de Putin mudou alguma coisa na evolução da guerra? Não. O que tivemos foi dose colossal de propaganda russa na melhor tradição estalinista e nazi.
  • As anexações de quatro regiões ucranianas, depois de referendos fantoches, são apenas propaganda. Nada muda de substancial: essas regiões continuam a ser território ucraniano; a comunidade internacional não as reconhece como russas, nem sequer a China e a Índia; e até a própria Turquia, que tem tido alguma moderação com a Rússia, não deixou de condenar veementemente a decisão.
  • A questão é esta: Putin está a perder militarmente a guerra. E passou a ter tensão e descontentamento na Rússia por causa da mobilização civil. Vai daí, precisa de disfarçar a derrota e o descontentamento. Precisa de desviar as atenções da encruzilhada em que se meteu, simulando um ganho que não tem.
  • Mas será que Putin passa a ter um pretexto para usar armas nucleares, invocando que a Ucrânia está a atacar território russo? Até nesse plano nada muda. Ele, quando quer atacar, com armas convencionais ou nucleares, ataca. Com ou sem pretexto. Com mais ou menos territórios anexados. Já foi assim com a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro.
  1. A esta dose maciça de propaganda a Ucrânia respondeu na mesma moeda: pediu a adesão do país à NATO.
  • Esta pretensão não tem qualquer viabilidade, pelo menos enquanto a Ucrânia estiver em guerra. Mas é uma forma de Zelensky responder política e mediaticamente às decisões políticas de Putin. O que tudo nos leva a concluir: no plano político e retorico a retórica está em alta.

ELEIÇÕES NO BRASIL

  1. Lula da Silva vai ser Presidente do Brasil. Só falta saber quando: hoje ou daqui a um mês. Não é impossível a vitória na 1ª volta, mas é bastante difícil.
  • Recorde-se que Lula, na sua reeleição em 2006, mesmo estando no poder e com a economia em alta, só conseguiu a reeleição à 2ª volta.
  • É certo que as circunstâncias de hoje são diferentes. Há mais de 70% dos inquiridos a desejarem a eleição na 1ª volta. Mas também é verdade que, para que tal suceda, Lula precisa que a abstenção seja muito reduzida, o que não é líquido, apesar de o voto ser obrigatório.
  1. A outra dúvida desta eleição é o comportamento de Bolsonaro, no momento em que a sua derrota esteja consumada. O normal seria assumir a derrota. Mas não é provável que o faça.
  • Bolsonaro, apesar de ser ainda mais desqualificado que Trump, é um seu seguidor. Se Trump não reconheceu a vitória de Biden, também Bolsonaro não o fará em relação a Lula.
  • Há soluções extremas que não sucederão, tipo golpe de estado. Mas há riscos de violência nas ruas que não podem ser afastados. São ameaças sérias e credíveis.
  • No final, tudo se resolverá. O Brasil tem instituições democráticas fortes. E esta eleição é talvez a mais marcante do Brasil em democracia. Até lá, o ambiente será de tensão e preocupação.
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