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Visão | Provas plantadas para criar uma "nova" cena do crime. O que diz a acusação que vai levar a ex-advogada de Rosa Grilo e ex-inspetor da PJ a julgamento

Visão | Provas plantadas para criar uma "nova" cena do crime. O que diz a acusação que vai levar a ex-advogada de Rosa Grilo e ex-inspetor da PJ a julgamento

Começa no próximo dia 6 o julgamento de Tânia Reis e de João de Sousa, pronunciados por, como equipa de defesa de Rosa Grilo, alegadamente terem forjado provas para organizarem uma nova “cena do crime” no assassínio de Luís Grilo

A 26 de março de 2021, a advogada Tânia Reis e o assessor forense com quem trabalha, João de Sousa, consultaram os autos de uma acusação que o Ministério Público (MP) lhes dirigia. Se, no dia anterior, Tânia Reis havia estado no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a defender os fundamentos de um recurso que tinha apresentado em nome da sua constituinte Rosa Grilo, invocando falhas na apreciação das provas e pedindo a nulidade das decisões da 1.ª instância e da Relação de Lisboa, quando consultou os autos da acusação que o MP lhe atribuía a advogada renunciou à defesa da cliente. Noticiou-se na altura que Tânia Reis se sentiu enganada por Rosa Grilo. O STJ, esse, manteve a pena máxima, 25 anos de cadeia, a que Rosa Grilo tinha sido condenada (assim como o seu amante, António Joaquim) pelo assassínio do seu marido, o engenheiro informático e triatleta Luís Grilo, ocorrido em julho de 2018, no quarto do casal, que residia nas Cachoeiras, Vila Franca de Xira.  

Agora, a advogada Tânia Reis e o assessor forense João de Sousa são arguidos, pronunciados pelo crime de favorecimento pessoal na defesa de Rosa Grilo, e cujo julgamento começa no próximo dia 6, no Tribunal de Vila Franca de Xira. O Código Penal enquadra assim aquele crime: “Quem, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir atividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”

Diz a acusação que Tânia Reis e João de Sousa “criaram e/ou provocaram um orifício na banheira da suite do quarto do casal (…), e colocaram (…) dois fragmentos de projétil de arma de fogo por debaixo da mesma”

A decisão de pronunciar Tânia Reis e João de Sousa foi tomada, a 26 de outubro de 2021, por Dora Dinis, juíza de instrução do Tribunal de Loures, que considerou mais provável a condenação em julgamento dos arguidos pelo crime referido do que a sua absolvição. No seu despacho, a que a VISÃO teve acesso, a magistrada dá como verosímil a tese da acusação, segundo a qual entre os dias 6 de dezembro de 2019 e 14 de fevereiro de 2020, Tânia Reis e João de Sousa “plantaram provas” na moradia das Cachoeiras, para organizarem uma nova “cena do crime”, com o objetivo de prolongar o julgamento e de alterar “a perceção dos factos em análise, permitindo, assim, atingir-se o prazo máximo de prisão preventiva e a consequente libertação da cliente dos arguidos, Rosa Grilo, bem como a sua posterior absolvição”. 

De acordo com o MP, “de forma não concretamente apurada”, Tânia Reis e João de Sousa tomaram “posse de dois invólucros já deflagrados de calibre 7,65 mm (…) e ainda de dois fragmentos de projétil de arma de fogo”. Uma perícia posterior apurou que aqueles dois invólucros tinham resultado de disparos da pistola que está apreendida, desde setembro de 2018, nos autos do processo que condenou Rosa Grilo e António Joaquim, que pertencia a este e que foi dada como aquela da qual saiu o tiro que matou Luís Grilo (detentor de seguros de vida no valor de cerca de meio milhão de euros). 

Exumação de Luís Grilo

Diz a acusação que os invólucros foram colocados numa gaveta de uma cómoda e num guarda-jóias, ambos no quarto do casal. E que Tânia Reis e João de Sousa, outra vez “de forma não concretamente apurada, criaram e/ou provocaram um orifício na banheira da suite do quarto do casal (…), e colocaram os dois fragmentos de projétil de arma de fogo por debaixo da mesma”. O local do assassínio de Luís Grilo passava, assim, do quarto, conforme estava a ser julgado desde 10 de setembro de 2019, para a casa de banho, levantando-se a suspeita de o homicídio ter sido cometido por terceiros. Recorde-se que Rosa Grilo insistia em que o marido tinha morrido às mãos de três homens (dois angolanos e um “branco”) que lhe invadiram a casa em busca de diamantes. Antes, em julho de 2018, apenas alertara para o desaparecimento de Luís Grilo, após este ter “saído para um treino”, vindo o corpo do triatleta a ser encontrado a 24 de agosto, em avançado estado de decomposição, sem roupa, com um saco na cabeça e a 130 quilómetros da residência do casal.

Num telefonema gravado, Rosa Grilo confessou a João de Sousa ter sido ela a matar o marido, Luís Grilo

Após a “descoberta dos novos vestígios” na moradia das Cachoeiras, diz o MP, Tânia Reis telefonou, “às 13H00” de 14 de fevereiro de 2020, à GNR local, que “recolheu os elementos ali previamente colocados pelos arguidos, elaborando auto de notícia, descrevendo ainda as apreensões realizadas e procedendo à preservação probatória de tais vestígios”. Nota a acusação que, logo a 18 de fevereiro, no julgamento da 1.ª instância, Tânia Reis, como advogada de Rosa Grilo, requereu ao tribunal de júri que, “em face dos novos elementos obtidos (…), se procedesse à inquirição” de João de Sousa, enquanto testemunha, e “à exumação do corpo de Luís Grilo, para que fossem realizadas novas análises forenses (…)”. O requerimento seria indeferido pela juíza-presidente, Ana Clara Batista. Tânia Reis insistiria no requerimento daquelas diligências, após a juíza marcar a data da leitura da sentença. Em vão.

No seu despacho, a juíza de instrução criminal (JIC) Dora Dinis observa que, entre 20 de julho de 2018 e 22 de novembro de 2018, inspetores da PJ e técnicos do Laboratório da Polícia Científica fizeram cinco buscas para recolha de provas por toda a habitação do casal Grilo, incluindo o quarto (suite) e a casa de banho. “Não existia qualquer cápsula, munição ou invólucro debaixo da banheira, nem nas gavetas da cómoda, nem no guarda-jóias, nem existia qualquer orifício na banheira”, escreve. “Sem grande esforço, se concluirá que apenas à defesa de Rosa Grilo, encabeçada pelos arguidos, interessavam as novas provas ‘plantadas’, (…) para pôr em causa a versão dos factos constante da acusação” contra a viúva, acrescenta. Por isso, a JIC justifica a pronúncia de Tânia Reis e de João de Sousa com um “juízo de prognose altamente favorável à existência de uma condenação” em julgamento, pelo crime de favorecimento pessoal. 

“Vou tranquila para o julgamento”

À VISÃO, a advogada alega que ela e João de Sousa, com uma chave entregue por Américo Pina, pai de Rosa Grilo, e com o consentimento desta, foram observar a casa das Cachoeiras a 14 de fevereiro de 2020, para o assessor forense “averiguar e ver a situação e o local, para poder falar em tribunal como testemunha que indiquei”. Quando chegaram a uma “determinada divisão”, continua, João de Sousa “verificou que estava lá qualquer coisa”. Diz que saíram de imediato da habitação e que chamaram “as autoridades”. 

Tânia Reis afirma-se surpreendida com o processo pelo qual vai ser julgada. “No meu dever de patrocínio, tenho de fazer tudo ao meu alcance para exercer um bom mandato”, argumenta. “Vou tranquila para esse julgamento, enquanto arguida”, garante, embora enfrente em paralelo um processo disciplinar da Ordem, que aguarda o desfecho do caso, para eventuais sanções. 

Mas se Tânia Reis renunciou à defesa de Rosa Grilo, João de Sousa manteve o contacto com a viúva. A 2 de maio de 2021, aquele ex-inspetor da PJ, condenado por corrupção (ver caixa), colocou no seu canal no YouTube a gravação de um telefonema que fez a Rosa Grilo, a cumprir pena na cadeia de Tires, no qual a viúva assume a autoria do homicídio do marido. 

Sem que até hoje haja qualquer contestação quanto ao consentimento de Rosa Grilo para que o telefonema fosse gravado e divulgado, e à autenticidade da sua voz, ouve-se a viúva dizer: “Sim, fui eu, doutor, fui eu que matei o Luís.” Rosa Grilo também confessa que inventou o assalto dos “angolanos” à residência do casal, aos quais atribuía o homicídio de Luís Grilo, e diz que matou o marido com a pistola do então amante, António Joaquim. 

Ver-se-á que consequências legais esta confissão poderá ter, tanto no julgamento de Tânia Reis e de João de Sousa, como num recurso extraordinário de revisão de sentença, que Ricardo Serrano Vieira, advogado de António Joaquim, diz à VISÃO que irá interpor no Supremo. No trânsito em julgado do processo, António Joaquim acabou como o autor do disparo que matou Luís Grilo…

O “omnipresente”

Tânia Reis com João de Sousa (de óculos)

Ex-inspetor da PJ condenado por corrupção, João de Sousa criou um blogue em que desvendou segredos de Sócrates na cadeia de Évora e tornou-se confidente de Rosa Grilo

Fatos de griffe, pose altiva, ego assumido. Era assim o inspetor da PJ de Setúbal João de Sousa. Conhecido como inspetor CSI, impressionava os estagiários da PJ com quem lidava: apostava forte nas perícias técnicas e forenses – em casos de homicídio, por exemplo, a sua especialidade. Também revelava uma habilidade psicológica acima da média, arrancando confissões impossíveis, apenas com recurso a artifícios mentais. Até que, em 2014, foi preso preventivamente, por suspeitas de envolvimento com uma rede que se dedicava à venda fraudulenta de ouro. Acabou condenado a cinco anos e seis meses de prisão, por corrupção passiva, recebimento ilícito de vantagem e violação de segredo de funcionário. E expulso da PJ, onde trabalhou cerca de 18 anos.

A partir da cadeia de Évora criou um blogue de popularidade crescente, a que chamou Dos Dois Lados das Grades, sobretudo quando ali coincidiu com José Sócrates, colocado em prisão preventiva pelo juiz Carlos Alexandre. Foi pelo blogue de João de Sousa que se soube, por exemplo, do problema das pulgas na cela de Sócrates e da teimosia do ex-primeiro-ministro em usar umas botas que infringiam os regulamentos da prisão. Chegaram a ser amigos, partilhando livros e confidências, até se zangarem, por causa das críticas que João de Sousa fazia ao comportamento de Sócrates.

Libertado em 2018, João de Sousa surgiria no ano seguinte como “assessor forense” da advogada Tânia Reis, defensora de Rosa Grilo. “Todas as pessoas têm direito a uma segunda oportunidade”, diz Tânia Reis à VISÃO, ao mesmo tempo que elogia as “competências forenses” de João de Sousa. Tanto assim, que continuou a contratá-lo para a defesa em casos de homicídio mais complexos.

Entretanto, João de Sousa tornou-se uma espécie de confidente da viúva condenada pelo homicídio do marido, o triatleta Luís Grilo. A 2 de maio de 2021 colocou no seu canal no YouTube a gravação áudio de um telefonema que fez a Rosa Grilo, para a cadeia de Tires, no qual a viúva assume que matou o marido. A seguir, comenta: “Não creiam que há aqui qualquer bola de cristal; há apenas tecnicidade – mas, quando não é percebida pelos outros, até parece uma coisa do outro mundo.”

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