www.dinheirovivo.ptdinheirovivo.pt - 30 set. 01:00

Saúde mental no desenvolvimento local

Saúde mental no desenvolvimento local

Muito se tem debatido, nas últimas décadas, acerca da regionalização e acerca daquilo que se designa de municipalização.

Sou um fervoroso adepto da descentralização de competências para os municípios, pelo próprio princípio de que termina com as entropias criadas pela tendência da centralização de poder e decisão em matérias vitais do estado social que defendo, nomeadamente, em matéria de saúde, educação, ação social e cultura.

No entanto, o processo de transferência de competências do poder central (governo) para o poder local (autarquias) no nosso país - municipalização - está longe de ser consensual e, na minha opinião, carece, considere-se, de forma muito significativa, de muito desenvolvimento e amadurecimento, especialmente no que concerne ao acompanhamento do envelope financeiro às competências e responsabilidades que estão a ser delegadas nos municípios.

Volto a frisar, sou um fervoroso defensor da municipalização. Qualquer serviço público que seja gerido de forma livre, com autonomia financeira e de decisão pelo organismo competente local, ficará sempre a ganhar ao nível da eficiência, proximidade e celeridade na resposta às necessidades das populações muitas delas diferentes entre si e com realidades e necessidades muito particulares.

No entanto, o processo de transferência de competências na área da Saúde para as autarquias e entidades intermunicipais, concretizado pelo Decreto-Lei n.º 23/2019, determinava a transferência, até 31 de março de 2022, de responsabilidades no que diz respeito à construção, gestão, manutenção e conservação das infraestruturas, serviços de apoio logístico e de uma parte dos recursos humanos (assistentes operacionais) nos Cuidados de Saúde Primários (CSP).

Muitas câmaras municipais não aderiram a este processo, sendo que, no final de março, apenas 28% dos municípios tinham aceitado estas competências.

Ora, não há Saúde sem Saúde Mental e vice-versa. A saúde mental é uma componente fundamental do bem-estar dos indivíduos e as perturbações mentais são, de entre as doenças crónicas, a primeira causa de incapacidade em Portugal, justificando cerca de um terço dos anos potenciais de vida perdidos.

As perturbações psiquiátricas têm uma prevalência de 22,9 %, colocando Portugal num preocupante segundo lugar entre os países europeus, com 60 % destes doentes sem terem acesso a cuidados de saúde mental. Especificamente, a depressão afeta 10 % dos portugueses e, em 2017, o suicídio foi responsável por quase 15 000 anos potenciais de vida perdidos.

Obviamente que se o processo de municipalização e/ou transferência de competências do poder central para o poder local for efetuado de forma equitativa e justa, muitos serão os programas específicos ao nível da prevenção, deteção de necessidades e intervenção que poderão nascer na comunidade (paradigma cientifico atual nos países desenvolvidos) que potenciarão, sem margem para dúvidas, a recuperação, reabilitação, qualidade de vida e bem estar das pessoas portadoras de doença mental grave e seus familiares/cuidadores. Não teremos que estar sempre a aguardar por decisões em escada até ao nível central, para colocar em prática respostas que as populações precisam hoje e não daqui a 10 ou 20 anos.

No entanto, atualmente, no nosso país, o que está a ser promovido é uma descentralização e, não, uma municipalização, o que, ao invés de promover a melhoria continua da prestação de serviços de um estado social moderno, pode desembocar em assimetrias regionais com total desresponsabilização do Estado em funções essenciais e estruturais como a Educação, a Saúde, a Ação Social ou a Cultura.

Sem as devidas condições financeiras a acompanhar a delegação de competências, os municípios podem deparar-se com a inexistência de recursos humanos e de capacidade de contratação dos mesmos. Este facto tem, como consequência óbvia, outro perigo: as competências descentralizadas poderão ser concessionadas a entidades privadas ou empresas municipalizadas, que, por falta de fiscalização, poderão promover a degradação do serviço prestado.

Ora, é indiscutível que o poder local pode, e deve, assumir o desenvolvimento integral das reais necessidades das suas populações. Urge, inclusive, que se dê esse importante passo para a modernidade, comprovada que está a eficácia da proximidade na prestação de cuidados às populações. No entanto, é necessária a devida discussão pública entre o poder central e o local para que o equilíbrio necessário não caia numa reforma com morte anunciada, em prejuízo do superior interesse das regiões, municípios e, mais importante, dos cidadãos que precisam, inexoravelmente, de maior e melhor acesso à Saúde!

Miguel Durães (Psicólogo e Presidente da Direção da RECOVERY IPSS)

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