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Os ″doentes″ da raspadinha

Os ″doentes″ da raspadinha

Numa louvável e oportuna iniciativa, o Conselho Económico e Social, em parceria com os investigadores da Universidade do Minho Pedro Morgado e Luís Aguiar-Conraria, decidiu deitar no divã os portugueses viciados na raspadinha. O estudo, inédito, tem como missão aprofundar o conhecimento científico sobre uma maleita que grassa, há anos, na sociedade portuguesa.

O trabalho de investigação recorre a expedientes pouco usuais em jogos de azar: alguns dos "estudados" vão ser submetidos a ressonâncias magnéticas para entender como reage o seu cérebro aos estímulos associados à "tentação" do jogo. Por mais bizarra que possa parecer a metodologia clínica usada, essa será precisamente a maior virtude do projeto: assumir, sem rodeios, que estes cidadãos, na sua esmagadora maioria oriundos das classes média baixa e baixa, sofrem de uma dependência. E que há várias razões, para além do estafado argumento de que não têm força de vontade, que ajudam a explicar por que razão Portugal é o país da União Europeia onde mais dinheiro se gasta neste jogo social - cerca de quatro milhões de euros por dia.

Todos já fomos confrontados com histórias de gente que perdeu o controlo e que se deixou arrastar para um mar de dívidas e de conflitos familiares. O apelo do dinheiro fácil parece seduzir mais os economicamente débeis e exatamente por essa razão é que o Estado, que lucra com estas tragédias pessoais, tem de desempenhar um papel que não se limite ao do mero beneficiário líquido. Certamente que não ajuda que esse mesmo Estado tenha, de forma natural, recorrido à mesmíssima prática para acautelar recursos. A Raspadinha do Património angariou, no primeiro ano de vigência, seis milhões de euros para o Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, um milhão acima do que estimara inicialmente o Ministério da Cultura. Por tudo isto, será interessante perceber, daqui a uns meses, o que vai concluir este trabalho de caracterização social. E sobretudo o que vão querer fazer as entidades competentes com essas conclusões. O dinheiro da raspadinha serve causas sociais e engorda os cofres públicos, mas a pegada sombria que tem deixado na vida de tantos portugueses não deve ser encarada como um mero dano colateral.

*Diretor-adjunto

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