jornaleconomico.ptAna Pina - 20 mai. 00:15

Aumentos salariais e inflação

Aumentos salariais e inflação

Não se percebe porque é que o Governo não actualizou os escalões de IRS com a sua – muito optimista – previsão de inflação.

As perspectivas de inflação têm vindo a ser sucessivamente revistas em alta. Ainda esta semana, a Comissão Europeia reviu a inflação portuguesa para 2022, de 2,3% para 4,4%, enquanto o FMI espera agora um valor de 6%. Relembremos que o Banco de Portugal estima que seja de 4,0% (o governador já avisou que será superior), com o governo a apresentar o número mais optimista, de apenas 3,7%.

Na versão inicial do Orçamento para este ano, o governo previa uma taxa de inflação de 0,9% e aumentos salariais também de 0,9%, a que corresponderia uma manutenção do poder de compra dos funcionários públicos. Ainda que o novo ministro das Finanças reconheça que teremos aumentos muito maiores dos preços, não fez qualquer actualização nos aumentos do sector público.

Na verdade, os salários não podem acompanhar inflação em 2022, por três razões. Em primeiro lugar porque estamos perante, sobretudo, uma inflação por parte dos custos e não da procura, o que tem esmagado a margem das empresas para pagar aos seus funcionários. Em segundo lugar, porque esta subida dos preços da energia enriquece os países exportadores destes produtos e empobrece os importadores, como é o caso de Portugal, numa posição pior do que a média da União Europeia (UE), já que importamos 65% da energia que consumimos. Em terceiro, porque é essencial não alimentar uma espiral inflacionista, que poderia gerar a necessidade de provocar deliberadamente uma recessão e desemprego para a travar.

Em resumo, se o Governo faz bem em não propor aumentos de 3,7%, não se compreende que não tenha feito qualquer revisão na subida salarial. Dado que a meta de inflação do Banco Central Europeu (BCE) é de 2%, um aumento em torno deste referencial não correria o risco de contribuir para a temida espiral inflacionista.

Mas o que não se entende, de todo, é que o Executivo não tenha actualizado os escalões de IRS com a sua – muito optimista – previsão de inflação. As famílias já estão a sofrer significativas perdas de poder de compra com a inflação. A que propósito é o que o ministro das Finanças quer juntar um aumento dos impostos numa conjuntura destas, em que a guerra e a pandemia são tão penalizadoras?

A propósito, o “brilharete” que a economia portuguesa poderá ter em 2022 tem a ver sobretudo com o atraso na recuperação da pandemia. Em termos acumulados, entre 2019 e 2023, a Comissão Europeia espera que Portugal cresça 4,4% e a UE 4,2%. Ou seja, o nosso PIB vai aumentar meia décima por ano acima da média europeia, o que dificilmente pode ser encarado como razão para lançar foguetes.

Em relação ao sector privado, os aumentos salariais vão depender, de forma muito acentuada, das condições sectoriais, que são especialmente adversas nos sectores transaccionáveis e nos que são intensivos em energia. Mas, no geral, aplicam-se as restrições referidas acima. Não se pode esquecer que há uma genérica falta de mão-de-obra e que haverá sectores em que esta questão será decisiva.

Se, como se espera, a inflação abrandar em 2023, haverá então oportunidade para repor as perdas salariais, em termos reais, que ocorreram este ano, num processo que talvez tenha que durar mais de um ano.

O autor escreve de acordo com a antiga orotografia.

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