ionline.sapo.ptCarlos Pinto - 25 out. 10:22

Lisboa e a política nacional

Lisboa e a política nacional

Lisboa pode ser posto de observação. Será talvez exagero falar-se em apagamento dos Estados, mas facto é que as comunidades locais ganharam estatuto na cidadania europeia.

A recente mudança política em Lisboa, não deixa de trazer à colação outras circunstâncias eleitorais que, mais tarde, abriram caminho a uma repercussão nacional deste resultado.

Foi assim com Jorge Sampaio e António Costa, está a ser assim com a chegada de Carlos Moedas. Está no ar aquele anúncio difuso de que com esta eleição, nada será como dantes com ou sem Orçamento do Estado aprovado, com ou sem eleições para um novo parlamento.

Lisboa é assim uma espécie de plataforma sinalética onde se deteta um pré-anúncio da viragem nacional quanto à situação a que chegou o país.

Desta vez, o protagonista da mudança em Lisboa sublinha por um lado a importância de alguém que chega a autarca de uma grande Cidade, com um grande lastro de experiência em instituições de outra e diversa natureza política executiva.

Por outro lado, do que acontecer em Lisboa depois de mais de um decénio de poder socialista, caído de exaustão ao nível da rua, ficará ou não a construção de uma matriz capaz de se assumir como novo guião, para finalmente termos uma consolidada política de cidades que se constitua como alavanca para uma competitividade própria das polis europeias.

É neste sentido que Lisboa pode ser posto de observação nos próximos tempos sob vários planos angulares. Em primeiro lugar, no plano da conceção de um lugar na política para o Poder Local, Carlos Moedas no dia original da sua entrada na Câmara de Lisboa produziu um dos discursos mais impressivos e substanciais quanto a uma política de cidades verdadeiramente adequada ao nosso tempo. Escreveu e disse na tomada de posse talvez do melhor que me foi dado ouvir sobre a conceção moderna de municipalismo e a visão de uma comunidade como fonte de progresso e bem-estar.

Talvez o discurso que todos os autarcas gostariam de ter escrito e que eu gostaria de ter pensado, escrito e dito nos muitos mandatos que a vontade popular também me prescreveu.

As pessoas como centro e destino da ação política; o impulso municipal à criação de emprego, elemento base da fixação das famílias nas cidades; a gestão do espaço público, como extensão do próprio espaço físico pessoal; o sentimento de pertença a uma comunidade formadora de cidadãos, no quadro do provérbio africano tão elucidativo “é preciso uma aldeia para formar uma criança”.

É difícil antecipar os resultados práticos de um mandato, mas ou muito me engano ou Lisboa será apenas o registo intermédio de uma caminhada formidável de pensamento politico, conceção e feitura de uma obra a caminho de outros voos.

Donde será curioso observar se as forças que desde 2015 viabilizaram o Governo do país, agora se colocam em obstrução sistemática tentando negar a possibilidade de quem ganhou, ainda que minoria, possa aplicar o programa e governar Lisboa.

É que as Cidades atingiram relevo surpreendente como destino primordial na comparação com o passado: do “vou a França” ou “vou a Itália”, hoje o habitual é o “vou a Roubaix ou a Roma”, a Paris e não a França, a Bruxelas e não à Bélgica, numa mudança da relação cidadão-espaço europeu onde a reafirmação das cidades é dado inquestionável.

Será talvez exagero falar-se em apagamento dos Estados, mas facto é que as comunidades locais ganharam estatuto na cidadania europeia e, do investimento ao lazer, passando pelo assegurar em complementaridade ou substantivamente, a saúde ou a educação, o poder local progride cada vez mais naquilo que é uma tradução prática do Principio da Subsidiariedade. 

Voltando ao início, a democracia tem destas saídas em que, de um aparente bloqueio e alguma contestação em Lisboa, que se mantém no país, se alteraram por via pacífica as condições políticas, através da consulta eletiva, e se abriram novas portadas de esperança na regeneração do ambiente político.

Mais cedo que tarde, mesmo que os apelos à continuidade do impasse presente como opção nas palavras do Presidente da República acabem por resultar na consolidação desse impasse, a sageza dos portugueses ditará a mudança necessária.

Jurista 

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