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Visão | Quase metade das mulheres em países em desenvolvimento não têm poder de decisão sobre o próprio corpo

Visão | Quase metade das mulheres em países em desenvolvimento não têm poder de decisão sobre o próprio corpo

Um relatório realizado em 57 países em desenvolvimento mostrou que cerca de 45% das mulheres não têm autodeterminação corporal. A falta desta leva a riscos como a violação, a esterilização e testes de virgindade forçados, ao casamento infantil e à mutilação genital feminina.

O Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA na sigla inglesa) divulga esta quarta-feira o seu relatório anual onde se demonstra que praticamente metade (45%) das mulheres que vivem em países pobres não dispõem do poder de decisão sobre o seu próprio corpo. Esta é a primeira vez que uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU) foca a sua atenção na autodeterminação corporal. Em causa estão direitos como o poder de decisão de ter ou não relações sexuais, usar meios contracetivos e ser possível recorrer a ajuda médica.

O relatório sobre o estado da população mundial (State of World Population), intitulado este ano “My body is my own”, analisou se as mulheres tinham o poder de tomar as próprias decisões sobre o seu corpo, mas também se as leis destes 57 países interferiam ou asseguravam esse direito. Os dados mostram ainda uma relação entre o nível de educação e o poder de decisão, sendo que 44% dos países estudados não têm leis e políticas que suportem uma educação sexual compreensiva.

“O facto de quase metade das mulheres ainda não poder tomar as suas próprias decisões sobre ter ou não relações sexuais, usar contracetivos, ou ter acesso a cuidados médicos devia indignar-nos a todos. No geral, centenas de milhões de mulheres e raparigas não têm controlo sobre o próprio corpo. A sua vida é governada por outros.”, diz Natalia Kanem, diretora executiva da UNFPA.

A autodeterminação corporal é o poder de decisão sobre o próprio corpo sem medo de represálias ou de ter alguém a tomar a decisão por nós. A falta de autodeterminação leva a riscos como a violação, a esterilização e testes de virgindade forçados, ao casamento infantil e à mutilação genital feminina. “A negação da autonomia corporal é uma violação dos direitos fundamentais das mulheres e raparigas que reforça a desigualdade e perpetua a violência que advém da discriminação de género. Não é nada mais do que a aniquilação do espírito, por isso precisa de parar”, defende Kanem.  Esta tem ainda consequências que ultrapassam as individuais, metendo em causa a produtividade económica, resultando num custo acrescido no sistema de saúde e judicial.

O organismo da ONU responsável pelas questões populacionais mostra um conjunto de leis que acentuam esta falta de autonomia corporal, tal como o facto de em mais de 30 países existirem restrições à livre circulação das mulheres – forçando-as muitas vezes a permanecer reclusas em casa. Também no que diz respeito à violação podemos ver que 20 dos estados e territórios estudados têm leis que obrigam a mulher a casar com o seu violador, ilibando-o de ser acusado criminalmente, e 43 não têm qualquer tipo de lei que proteja a esposa na violação dentro do casamento.

A UNFPA, como agência que age também sobre as temáticas da sexualidade e da saúde reprodutiva, apresenta no relatório soluções para os problemas enunciados. A mais importante prende-se com a educação sexual, uma vez que as mulheres informadas têm maior probabilidade de tomar decisões sobre o próprio corpo. Por outro lado, destaca-se também a necessidade de promover mudanças a nível jurídico e de saúde que permitam salvaguardar os direitos das mulheres e a igualdade de género.

“Uma mulher que tenha controlo no seu corpo é mais provável de ser empoderada noutras esferas da sua vida. Ela ganha não só em termos de autonomia, mas também nos avanços na saúde e educação, no rendimento e na segurança. É uma mulher com mais condições de ter uma família bem-sucedida”, explica Kanem.

Alguns países já começaram a realizar iniciativas nesse sentido. Em Angola, por exemplo, jovens com educação sobre o seu corpo, a sua saúde e os seus direitos, foram capazes de recorrer a ajuda médica, usufruir do planeamento familiar, recusar relações sexuais e desenvolver uma petição para que existisse justiça em casos de violência sexual.

O State of World Population é um relatório anual do UNFPA, publicado desde 1978, onde é analisado o desenvolvimento e as tendências da população mundial. Cada edição tem um foco diferente dentro do campo da sexualidade e bem-estar reprodutivo, centrando-se ainda em regiões específicas, países ou grupos demográficos e os desafios que estes enfrentam. Em 2020 o tema foi o casamento infantil e a mutilação genital feminina, com o título “Against my will: defying the practices that harm women and girls and undermine equality” (“Contra a minha vontade: desafiando as práticas que prejudicam as mulheres e as raparigas e minam a equidade). Acabar com estas práticas é um dos objetivos das Nações Unidas até 2030.

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