visao.sapo.ptvisao.sapo.pt - 23 nov. 20:00

Visão | De presidente a sabotador? As decisões de Trump a semanas de deixar o cargo

Visão | De presidente a sabotador? As decisões de Trump a semanas de deixar o cargo

Ainda sem conceder a vitória, há quem acuse Trump de procurar o caos e de querer sabotar a futura presidência de Biden. Processos judiciais, despedimentos e decisões militares polémicas estão a marcar as últimas semanas do seu mandato

Antes das eleições norte-americanas de novembro, o mundo conhecia o empresário Trump, o milionário Trump, o apresentador Trump e, mais recentemente, o presidente Trump. Aparecia na televisão e no Twitter todos os dias, contrariava membros do executivo e mandava calar os jornalistas que discordavam de si. A nova faceta que surgiu no pós-eleições e que ainda ninguém tinha visto – o derrotado Trump – é aquela que vai dar que falar até janeiro. Na emelhor das hipóteses.

“Imaginem perder para ele (Biden)… Conseguem imaginar?”, perguntava o chefe de Estado antes do sufrágio realizado a 3 de novembro. Agora, já não precisa de imaginar a derrota, mas, entre o dito e o não dito, tem mostrado algum mau-perder e evitado a aparição pública. Há quem diga que já não procura a vitória, mas que tem sido estratega nas decisões que toma por duas razões: para descredibilizar as eleições junto dos seus eleitores e, assim, manter um possível apoio no futuro; e para sabotar a próxima presidência democrata – mesmo que isso possa pôr em causa a segurança nacional. Será a sabotagem a nova estratégia presidencial?

Não há descanso nos tribunais (e muito menos no Pentágono)

“As tentativas do presidente Trump em derrubar a eleição de 2020 são sem precedentes na história americana”, atira o The New York Times. Descontente com os resultados, os processos judiciais dão entrada e saída nos tribunais. Alguns especialistas norte-americanos, tal como Lindsay Cohn, perita em legislação de segurança nacional e professora no Naval War College, dizem que recorrer à justiça pode ser uma forma de atrasar a tomada de posse, mas outros, como Jennifer Rodgers, analista jurídica da CNN, afirmam que já não há muito a fazer para dar a volta aos resultados.

Trump tem tentado, mas, além de perder a presidência, já se contabilizam várias derrotas na justiça: perdeu seis casos nos condados de Montgomery e Filadélfia, na Pensilvânia; desistiu de contestar 700 mil votos no mesmo Estado; retirou um processo no Arizona; no Michigan, um juiz rejeitou as alegações de fraude. A lista continua contra e a favor do republicano. A Associated Press afirma mesmo que “o caos e a confusão resultantes (das eleições) não são o subproduto da estratégia de Trump após a sua derrota para o democrata Joe Biden. O caos e a confusão são a estratégia”.

E parece que a estratégia do “caos e confusão” não se limitou às urnas e já chegou ao executivo. “Mantém os amigos perto de ti e os inimigos ainda mais perto”, diz a sabedoria popular. Já Trump prefere colocar de lado quem lhe faz frente. Nas últimas duas semanas, o Pentágono viu cair duas importantes figuras que tomaram conhecimento do seu próprio afastamento através do Twitter, a rede social preferida do presidente cessante.

“Mark Esper está demitido. Gostaria de lhe agradecer pelo seu serviço”, escreveu. O agora ex-secretário da Defesa foi a primeira vítima depois da noite eleitoral. O anúncio não foi recebido com surpresa, uma vez que ambos os políticos já tinham discordado em público sobre várias matérias, nomeadamente na mobilização de militares para travar os protestos em várias cidades do país, em junho deste ano. Segundo a imprensa norte-americana, Esper já teria escrito a carta de demissão depois da derrota do atual presidente, mas Trump decidiu adiantar-se. Para o cargo, entrou Christopher C. Miller, até então diretor do Centro Nacional de Contraterrorismo. 

I am pleased to announce that Christopher C. Miller, the highly respected Director of the National Counterterrorism Center (unanimously confirmed by the Senate), will be Acting Secretary of Defense, effective immediately..

— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) November 9, 2020

Na altura, à cadeia CNBC, um funcionário da Administração Trump dizia que os despedimentos não iriam ficar por aqui e “que o FBI e a CIA” deveriam ser “os próximos”. Dias depois, foi a vez de Christopher Krebs ser afastado do cargo de diretor da Agência de Segurança de Infraestruturas e Cibersegurança (CISA, nas siglas em inglês), depois de ter contrariado Trump na tese de fraude eleitoral. Motivo: Krebs afirmou não haver evidências sobre irregularidades ou interferências estrangeiras no ato eleitoral ou no posterior escrutínio. “Independentemente do resultado, existe um vínculo comum que é mais forte do que a afiliação política: somos todos americanos”, disse, aceitando a demissão. Desde 2016, saíram da Casa Branca perto de 40 personalidades do círculo mais próximo do presidente.

A economia da Covid-19

Em matéria de economia, Trump fez questão de dificultar as relações com a China numa tentativa de “repressão de última hora”, apelida a CNN. Já depois das eleições, o presidente cessante emitiu uma ordem para proibir os norte-americanos de investirem em 31 empresas com ligações aos militares chineses. Tais parcerias poderiam comprometer a segurança nacional, disse o Pentágono.

De acordo com a Administração, a China está “a explorar cada vez mais o capital dos Estados Unidos para obter recursos e permitir o desenvolvimento e a modernização da inteligência militar”. Estes esforços “ameaçam diretamente os EUA e as suas forças no exterior”. Entre as empresas discriminadas, destacam-se a China Mobile Communications Group, China Telecommunications Corporation e a Huawei.

Mas não é só a economia externa que sofre. Com a pandemia de Covid-19, um conjunto de benefícios dados aos norte-americanos terminam em dezembro e Trump ainda não mostrou vontade de os prolongar. Reforço do subsídio de desemprego, adiamento do pagamento de empréstimos estudantis, licença familiar paga, financiamento do auxílio ao coronavírus para Estados cuja base tributária foi muito afetada e uma moratória sobre despejos são algumas das medidas que acabam em dezembro e que vão influenciar o primeiro dia de mandato de Biden e a vida dos contribuintes.

Além disto, a CNN diz que a Administração está a “sabotar o FED” – o banco central norte-americano. Este fim de semana, o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, exigiu que o conselho de governadores do FED aprovasse a devolução de cerca de 455 mil milhões de dólares em fundos que faziam parte de um programa de empréstimos para ajudar as empresas. Apesar das dificuldades económicas causadas pela pandemia, o dirigente – um incondicional de Trump – entende que o objetivo da iniciativa foi cumprido. “A ação de Mnuchin atraiu uma rara reprovação do FED, que geralmente se esforça muito para ser apolítico”, avança o mesmo jornal. Se Biden desejar reativar o programa, terá de iniciar novas negociações.

A um passo da guerra

Ao longo de décadas, os líderes dos EUA têm mantido uma significativa presença militar no Médio Oriente, mas parece que Trump quer ver acelerado o processo para fazer regressar a casa quanto antes os soldados do país. A Administração confirmou este mês que vai diminuir em quase metade o contingente do Pentágono no Afeganistão e no Iraque – algo que o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, descreveu como um “erro”.

Apesar das reações negativas por parte das chefias ligadas à defesa, a medida visa retirar cerca de 2.500 militares de cada um dos dois países até dia 15 de janeiro, cinco dias antes de Joe Biden tomar posse. O número é visto pelos oficiais como insuficiente para manter o processo de pacificação regional e criar as condições para que a Al Qaeda e o Estado Islâmico recuperem terreno e influência. O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, também se posicionou contra a tomada de decisão do presidente: “Estamos no Afeganistão, lado a lado, há quase 20 anos e nenhum aliado quer ficar mais tempo do que o necessário. Mas, ao mesmo tempo, o preço de sair muito cedo ou de forma descoordenada pode ser muito alto”.

Na Sala Oval, os conselheiros desmotivaram o presidente a fazer aquilo que conseguiu evitar durante os quatro anos de mandato: abrir um novo conflito no Médio Oriente. Já depois das eleições, o chefe de Estado equacionou intervir militarmente no Irão antes de abandonar o cargo, mas o risco de iniciar uma guerra em grande escala dissuadiu a decisão. Na mesa de negociações reuniram-se, com ele, o vice-presidente Mike Pence, o secretário de Estado Mike Pompeo, o novo secretário da Defesa Christopher Miller e o chefe do Estado-Maior, o general Mark Milley. O Irão respondeu que, caso os EUA avançassem, a resposta seria esmagadora. 

Sabe-se que se o ataque tivesse acontecido, Trump abandonava o cargo logo após o “lançar da bomba”, mas seria Joe Biden quem teria de limpar os destroços. Pela imprensa norte-americana, desde a CNN ao The Washignton Post, fala-se em sabotagem de um presidente que não sabe perder. A dois meses da tomada de posse, ninguém consegue garantir qual é o futuro dos EUA.

As baixas de 2020

Quem saiu ou foi afastado da Casa Branca este ano?

Christopher Krebs, diretor da agência de cibersegurança (17 de novembro)

Contrariou o presidente afirmando que as eleições foram das mais seguras da história.

Mark Esper, secretário de Defesa (9 de novembro)

Discordou do presidente em várias questões, principalmente no uso das forças militares para reprimir protestos.

Kellyanne Conway, conselheira do presidente (23 de agosto)

Afastou-se do cargo para se focar nos filhos depois de um tweet da filha se tornar viral, afirmando que o trabalho da mãe tinha “arruinado (a sua) vida”. 

Brad Parscale, gerente de campanha (15 de julho)

Foi responsabilizado pela pouca adesão do público num comício no Oklahoma. Esperava meio milhão de pessoas, mas só apareceram seis mil. 

Mick Mulvaney, chefe de gabinete (6 de março)

Foi afastado depois de um comentário sobre o polémico acordo entre a Ucrânia e os EUA, destinado a prejudicar Joe Biden: “Nós fazemos isso a todo a hora”. 

Gordon Sondland, embaixador dos EUA para a UE (7 de fevereiro)

Testemunhou contra Trump no processo de impeachment

Alexander Vindman, diretor de Assuntos Europeus no Conselho de Segurança nacional (7 de fevereiro)

Para saber mais

Acusou Trump de ter mantido uma conversa telefónica “imprópria” com o Presidente da Ucrânia, testemunhou no processo de destituição e foi depois sumariamente afastado do cargo.

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