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O Leão e a Raposa

O Leão e a Raposa

O trabalho do MNE era relativamente simples: passava por explicar ao Reino Unido que o Algarve apresentava apenas 1,5% dos casos nacionais de Covid-19 e que a Comissão Europeia catalogou a região como um dos destinos mais seguros do mundo. - Opinião , Sábado.

A propósito da recente notícia que colocou Portugal, e o Algarve, em particular, fora do corredor aéreo vindo do Reino Unido, a Teoria das Relações Internacionais é-nos de extrema importância para explicar o debate que tem percorrido a sociedade portuguesa.

Sobretudo, enquadra a suposta incompetência diplomática revelada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) na condução deste processo. Dois autores do paradigma realista clássico, Tucídides e Nicolau Maquiavel, são fundamentais para que o leitor da SÁBADO ganhe uma outra clarividência política sobre o que realmente se está a passar.

Tucídides relata na sua grande obra, História da Guerra do Peloponeso, o contexto da invasão ateniense da Ilha de Melos (416 ac). Nela, apresenta o famoso Diálogo Meliano que retrata o encontro entre duas representações (ateniense e meliana) que argumentam acerca da conveniência da invasão.

Enquanto os atenienses, fortes e pujantes, colocam as coisas de forma direta, simples e concreta, os melianos, confinados em sua fraqueza, apelam para abstracções genéricas em torno de ideais de justiça, de moral e de ética.

Face a essas alegações, os atenienses adotam a postura mais rigorosa que se encontra no realismo : o justo, nas discussões entre os homens, só prevalece quando os interesses de ambos os lados são compatíveis, e que os fortes exercem o poder e os fracos se submetem. Ou, numa versão mais sintética : os fortes fazem o que podem e os fracos sofrem o que devem.

O realismo político patente em Tucídides é definido pela lógica da luta permanente pelo poder, o primeiro objetivo interno e externo de cada Estado. A política é amoral e baseia-se no jogo de interesses (mutuamente exclusivos).

Ou seja, é importante reconhecer que não obstante o sentimentalismo nacional decorrente do Tratado de Windsor, Portugal – pela sua condição de pequena potência periférica – quando iniciou negociações com Reino Unido partiu de uma posição fragilizada.

Todavia, no que concerne ao Algarve o trabalho do MNE era relativamente simples. A principal tarefa passava por explicar ao The Foreign  Office  que a região apresentava apenas 1,5% dos casos nacionais; que era um destino seguro e considerado um exemplo internacional; que foram implementadas boas práticas em termos de protocolos sanitários de uma maneira transversal por toda a região; que centenas de empresas foram certificadas com o selo "clean & safe"; que os municípios desenvolveram um enorme esforço ao nível da higienização, segurança, informação e limpeza das praias; que os residentes britânicos têm sido os nossos embaixadores e transmissores destas boas práticas; que a Comissão Europeia catalogou o Algarve como um dos destinos mais seguros do mundo. Etc.Etc.Etc.

Este objectivo não foi conseguido. A questão é porquê?

Desde logo, é importante não circunscrever o MNE como um todo.

Importa recordar as vitórias diplomáticas alcançadas ao longo dos anos para aferirmos da competência que o MNE tem revelado no seu posicionamento. Basta recordar  alguns feitos, como os contributos fundamentais para o alcance de cargos tão relevantes como o de Freitas do Amaral, Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas; Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia; António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas; ou outros, como a participaç��o de Portugal no Conselho de Segurança das Nações Unidas, como membro não permanente, ou a organização da Cimeira da Nato, em Lisboa.

Fomos, e bem, apelidados por esse mundo fora como um dos países com maior capacidade diplomática, honrando o legado de homens como o embaixador Calvet de Magalhães.

Portanto, a razão principal pela qual ficámos aquém do nosso objectivo principal resulta de uma certa incapacidade política emanada daquele Ministério que não soube "vender" o Algarve como um destino seguro. Dir-se-á, Augusto Santos Silva trabalhou em circunstâncias difíceis face aos inúmeros erros cometidos na gestão da pandemia na Área Metropolitana de Lisboa? Sim, não deixa de ser verdade. Mas, o Governo é o mesmo e há que retirar ilações.

Em 1513, Maquiavel escreveu a sua obra mais importante e famosa, O Príncipe. Numa passagem refere o seguinte:  Precisando um príncipe de saber usar bem o animal, deve tomar como exemplo a raposa e o leão; pois o leão não é capaz de se defender das armadilhas, assim como a raposa não se sabe defender dos lobos. Deve, portanto, ser raposa para conhecer as armadilhas e leão para espantar os lobos».

Em suma, Augusto Santos Silva, o MNE e o Governo precisam de ser mais "Leão" mas também mais "Raposa", para ultrapassar esta situação o mais rapidamente possível.

Estamos num ponto em que não importa olhar para trás. É preciso capacidade positiva para desbloquear o processo colocando em cima da mesa a velha habilidade diplomática portuguesa.

Agradecem todos aqueles que vivem e têm os seus negócios e empresas no Algarve.

Agradece o interesse nacional português. 

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