expresso.ptJoão Silvestre - 4 jun. 17:08

Já temos viagens privadas ao espaço. Para quando o comércio intergalático?

Já temos viagens privadas ao espaço. Para quando o comércio intergalático?

Opinião de João Silvestre

Em plena pandemia e com as ruas a ferro e fogo por causa da morte de George Floyd, muitos americanos não terão dado a devida atenção a um acontecimento que marcou a semana e vai fixar uma data histórica na conquista do espaço. Mais do que ser o primeiro vaivém espacial a sair dos EUA desde 2011, quando Obama cancelou o programa Space Shuttle, a chegada do SpaceX de Elon Musk à estação espacial internacional marca a entrada do setor privado na conquista do espaço.

Sempre houve, é claro, empresas envolvidas nos lançamentos espaciais americanos, com equipamentos e tecnologia, mas a empreitada esteve sempre a cargo da NASA, a agência espacial pública. Desta vez foi a SpaceX, uma empresa privada, uma entre muitas que estão na corrida espacial, que abre pela primeira vez o mercado das viagens espaciais. Serão, em primeiro lugar, as viagens de astronautas para a estação espacial internacional. Americanos e não só. Desde 2011, os EUA têm estado dependentes da boleia dos russos a pagar 90 milhões de dólares por cada viagem, segundo números do Financial Times. Um custo que, dizem os analistas, pode cair para um décimo nos próximos anos.

Na corrida espacial estão várias outros empresários, como Richard Branson da Virgin ou Jeff Bezos da Amazon, que pretendem apostar no turismo espacial. No limite do sonho, além de astronautas privados e viagens ‘regulares’ de passageiros, podem estar estações espaciais privadas e até missões privadas a destinos como a Lua ou Marte. É um filão que, embora só agora tenha tido a primeira viagem tripulada, está a ser explorado há bastante tempo.

Dados da Space Foundation, uma organização americana sem fins lucrativos dedicada ao estudo e à divulgação da exploração espacial, mostram que, desde 2016, as viagens espaciais de origem privada são já a maioria, à frente das missões governamentais (civis ou militares). Claro que a maior parte tem a ver com lançamento de satélites que são o negócio que mais receita gera para as empresas. Mas o interesse está lá desde sempre e, apesar das dificuldades e da crise que atualmente se vive, não parece que vá esmorecer tão depressa.

Há muito que o espaço fascina cientistas, escritores, empreendedores, praticamente toda a gente. Provavelmente, com um sentimento semelhante ao que levou os nossos antepassados portugueses (e não só) a dar novos mundos ao mundo. Até os economistas há muito se fascinam com as possibilidades que o espaço pode trazer à economia. No comércio principalmente. Existem vários exemplos mas há dois que se destacam na década de 70 que, curiosamente, foram colegas no Massachussets Institute of Technology e estiveram juntos (ainda estudantes) na equipa que a universidade americana enviou a Portugal no verão de 1976: Jeffrey Frankel e Paul Krugman.

Já havia algumas análises anteriores, de estudiosos do comércio internacional, mas Frankel voltou ao tema do comércio dentro do sistema solar em 1975 num artigo publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) intitulado “Is There Trade with Other Planets?”. Neste caso das trocas galáticas, os princípios básicos do comércio internaiconal que se aplicam a regiões ou países não se alteram. É a ideia de que a localização da produção depende de duas forças de atração distintas – os recursos produtivos e o mercado de destino – e que são os custos de transporte que depois fazem o equilibrio entre ambas.Tendo sempre em conta, claro, as restrições formais que possam existir em termos políticos nos paises.

Coisa diferente é quando se dá o salto para o comércio intergalático. Foi o que fez Paul Krugman, Nobel da Economia em 2008, no artigo “The Theory of Interstellar Trade” com data de 1978. (Curiosamente, ambos os economistas andavam com a 'cabeça no espaço' por volta da altura em que passaram por Portugal.) Qual é a grande diferença do comércio intergalático? É que, em viagens à velocidade da luz ou perto disso, o tempo varia em função do observador e isso levanta dúvidas sobre como avaliar os custos de transporte. Ou seja, o tempo da nave que transporta as mercadorias pode ser distinto dos pontos de partida e de chegada. Além disso, avisava Krugman logo no arranque do texto que se estende por meras 15 páginas, a própria arbitragem – a possibilidade de aproveitar preços diferentes do mesmo bem em mercados diferentes – está limitada pelo facto de o conceito de simultaneidade ser…relativo.

Diz Krugman que, para ser viável fazer expedições com distâncias intergaláticas, será necessário que as viagens se façam a “frações razoáveis da velocidade da luz” mas, mesmo assim, serão sempre projetos de muito longo prazo cuja avaliação do valor atual é complicada precisamente pelo facto de haver dúvidas sobre o período temporal considerado: o tempo da nave ou o tempo da Terra. As dúvidas são pertinentes e, mais do que respostas definitivas (embora haja conclusões e até dois teoremas), são as questões que ficam. Sobre uma realidade que não se espera para os tempos mais próximos.

Para já estamos apenas a dar os primeiros passos do turismo espacial. O comércio espacial, galático e intergalático, é algo muito mais distante. A anos-luz, provavelmente. Para quando? Não sabemos.

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