www.publico.ptnarciso.machado@gmail.com - 12 dez. 03:06

A Grã-Ordem Afonsina recorda a morte do Rei Fundador

A Grã-Ordem Afonsina recorda a morte do Rei Fundador

A vida militar de D. Afonso Henriques terminou com o desastre de Badajoz, em Abril de 1169, quando ao tentar sair da cidade a cavalo bateu com a perna no ferrolho da porta da cidade, ficando gravemente ferido e fisicamente inválido.

No passado dia 6 de dezembro, a Grã-Ordem Afonsina recordou o falecimento do Rei Fundador, com algumas iniciativas culturais: inauguração da sede da associação, uma conferência sobre a sua vida e obra, bem como uma missa de sufrágio.

Recorde-se que no passado mês de fevereiro, foi constituída, em Guimarães, a Associação, sem fins lucrativos, denominada “Grã-Ordem Afonsina-Vida e Obra do Rei Fundador”, a qual, de acordo com os seus estatutos, tem por fim principal “o estudo, investigação e divulgação dos mais variados aspetos históricos da Vida e Obra do Primeiro Rei de Portugal, em especial, daqueles que constituem um património imaterial da cidade de Guimarães”, bem como a figura de D. Afonso Henriques como símbolo identitário de Guimarães que lhe serviu de berço em 1106 ou 1109 (datas mais prováveis segundo a historiografia moderna).

Desconhecendo-se o dia do seu nascimento, a Associação deliberou, no respetivo regulamento, festejar essa data no dia 25 de julho de cada ano.

A vida militar de D. Afonso Henriques terminou com o desastre de Badajoz, ocorrido em Abril de 1169, quando ao tentar sair da cidade a cavalo, apressadamente, bateu com a perna no ferrolho da porta da cidade, caiu ao chão, ficando gravemente ferido e fisicamente inválido. A partir daí apenas se limitou a acompanhar a vida política e a preparar a sucessão para o seu filho D. Sancho I. O monarca veio a falecer em Coimbra, no dia 6 de dezembro de 1185, sendo sepultado na igreja de Santa Cruz, conhecida como o Panteão Nacional, em 2003, após aprovação na Assembleia da República. O túmulo inicial, de estrutura simples, foi substituído por um mausoléu, mandado construir por D. Manuel I e os restos mortais trasladados solenemente, a 16 de julho de 1520. Trata-se de um sumptuoso monumento fúnebre colocado na capela do lado do evangelho tendo sobre a tampa a estátua de D. Afonso Henriques, revestida de armas, mãos postas e na cabeça a coroa real.

A face miraculada de D. Afonso Henriques, de que fala a historiografia ao longo dos tempos encontra-se também registada neste monumento funerário, patente em Santa Cruz de Coimbra, cujos alicerces foram patrocinados pelo Rei Fundador, em 28 de Julho de 1131. O monumento funerário tornou-se parte lógica maravilhosa, associada ao lendário do Fundador.

Uma narrativa da memória do monarca, escrita por João Homem, cavaleiro fidalgo da casa de D. Manuel I, conta-nos o que “aconteceu” no momento da deposição do cadáver real, no novo túmulo, narrativa transcrita por frei Timóteo dos Mártires na sua Crónica de Santa Cruz: “O corpo do devoto Rei Afonso Henriques achou-se inteiro, incorrupto, a carne seca, a cor pálida e macilenta, mas de aspecto severo, que parecia estar vivo, do qual sahia cheiro suavíssimo. Tinha vestida uma garnacha comprida de pano de lam branca, e huma sobrepeliz de pano de linho. Isto tão inteiro e são como se naquela hora lhas vestissem. Era El-Rei de estatura de dês palmos em comprido (cerca de dois metros de altura) e dous e meio de largura pellos peitos (cerca de meio metro) e a perna que quebrou nas portas de Badajós era mais curta que a outra três dedos”.

Por sua vez, Frei Nicolau de Santa Maria carrega ainda mais nos tons dramáticos, relativamente à cena de trasladação, dizendo que “D. Manuel sentou o corpo de D. Afonso Henriques num trono, com a espada na mão e as pessoas beijavam a mão do cadáver”.

Mais tarde, em 1832, D. Miguel decidiu abrir o túmulo pela terceira vez, relato feito pela Gazeta de Lisboa, repetindo que o cadáver real tinha dez palmos de altura, confirmando o relato de Frei Timóteo dos Mártires, sendo que desta vez apenas foram encontrados os ossos. A descrição refere ainda que na proporção dos ossos e das pernas comparados com os da figura superior do túmulo “se achou perfeitamente coincidente com as dimensões respetivas, tendo esta figura 10 palmos de comprido” (cerca de 2m).

Em 2007, foi requerida nova abertura do túmulo, para um pretenso estudo genético, mas tal solicitação foi inviabilizada pelo Ministério da Cultura, sob a alegação de existir perigo em causar danos irreparáveis na estrutura tumular.

Os textos acima mencionados refletem a mutação da memória do Rei Fundador ao longo dos tempos, evoluindo de uma imagem de Rei santo, associada ao corpo incorrupto, para uma visão mais racional ao substituir a santidade pela dimensão humana. Por sua vez, a grandeza do corpo representa a parte do mito em que através dos tempos assumiu a descrição da estatura do monarca, como símbolo de força e valentia.   

A fantasia do tamanho do cadáver, segundo José Mattoso, significa que “um grande homem deveria corresponder um homem grande”. O seu corpo devia representar a grandeza do Fundador de Portugal que havia sido protegido por Deus. Com Alexandre Herculano a história nacional abandonou o plano transcendente e sobrenatural para se fixar na sua inteira dimensão humana.

Nos dois testamentos que deixou, em 1179, bem como nas suas últimas doações contemplou generosamente os grandes centros religiosos e cultuais da época: Santa Cruz de Coimbra, Alcobaça e São Vicente de Fora e muitas igrejas e mosteiros e deixava Portugal com um território que se estendia desde o rio Minho até Beja. Mais do que duplicara o território em dimensão.

Nesta recordação do falecimento do Rei Fundador, é oportuno registar aqui as palavras do grande Historiador, Alexandre Herculano, referidas no fim do tomo I da sua História de Portugal: “O afeto nacional chegou a atribuir a Afonso Henriques a auréola dos santos e a pretender que Roma desse ao fero conquistador a coroa que pertence à resignação do mártir. Se uma crença de paz e de humildade não consente que Roma lhe conceda essa coroa, outra religião também venerada, a da pátria, nos ensina que, ao passarmos pelo pálido e carcomido portal da Igreja de Santa Cruz, vamos saudar as cinzas daquele homem, sem o qual não existiria hoje a nação portuguesa e, porventura, nem sequer o nome de Portugal”.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico                                                     

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