24.sapo.ptGuilherme Duarte - 19 set. 08:29

RIP – A masturbação do ego

RIP – A masturbação do ego

“RIP”, “Descansa em Paz”, “Mais uma estrelinha que brilha no céu” são frases que invadem os nossos feeds sempre que alguém famoso bate as botas....

De há uns tempos para cá que temos assistido a um fenómeno interessante sempre que alguma celebridade cessa a sua actividade cerebral e vai ter com Deus Nosso Senhor. Só para esclarecer, quando refiro “celebridades sem actividade cerebral”, estou a referir-me às que morrem e não a quem participa em reality shows. Antigamente, uma celebridade morria e só se fosse mesmo muito famosa e/ou muito importante para a sociedade, é que a notícia da sua morte viria nos jornais, impressos ou televisionados. Hoje, a morte acontece primeiro na Internet e o luto é feito nas redes sociais. O conceito de celebridade e de VIP ficou muito mais abrangente e essa é uma das razões pelas quais nos parece que morre mais gente famosa nos últimos anos.

“RIP”, “Descansa em Paz”, “Mais uma estrelinha que brilha no céu” e ainda, no caso dos mais burros, um “RIP in Peace”, são frases que invadem os nossos feeds sempre que alguém famoso bate as botas. Nada contra em mostrar publicamente o afecto por alguém que partiu, mesmo que esse alguém seja um alguém que essas pessoas nunca conheceram pessoalmente, mas de quem gostam do trabalho que influenciou positivamente a sua vida. No entanto, vamos aqui admitir que apenas uma ínfima percentagem das pessoas que se manifesta realmente cai nessa categoria. Os outros, quase todos, querem, como dizia o “Chato”, é aparecer:

“Morreu o Roberto Leal? Então tomem lá aqui uma foto que tenho com ele, tirada em 2008, quando o vi no Chimarrão e lhe pedi para tirar uma selfie, ainda antes das selfies serem moda. Marcou imenso a minha vida.” – São sinais do mundo “Olha eu” e seria o equivalente a alguém no elogio fúnebre de um funeral apenas falar se si e do quão triste está.

Quando o Ângelo Rodrigues estava em coma vi um tweet que dizia “Ainda a semana passada estivemos a trabalhar juntos e estavas tão bem”. Ya, estava bem porque não tinha contraído a infecção ainda. As coisas são assim: antes de estarmos mal, estávamos bem, é um bocado assim que funciona a vida no geral. No entanto, do fundo da arrogância, esta pessoa achava que o facto de ter estado com o Ângelo, de alguma forma, devia ter impedido que ele ficasse em coma. Talvez se julgue uma pessoa antisséptica, não sei. De referir ainda que a forma como o tweet foi escrito, dirigindo-se ao Ângelo, mas sem o identificar nem ser um comentário nas redes dele, revela ainda mais o quadro de “Não se esqueçam de mim hoje”, como diria o comediante norte-americano Anthony Jeselnik.

Ninguém está interessado em ver reacts ao obituário do dia nas redes sociais. As pessoas que fazem isto são uma espécie de carpideiras 2.0 que usam a morte alheia para ter atenção ou serem pagos em moeda virtual, não de bitcoins, mas de ego digital. Transformámos a morte em monetização e masturbação egocêntrica. Na morte nada se perde, nada se cria, tudo se transforma em likes. Já dizia aquele senhor com nome de detergente para limpar vidros.

Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:

Para ouvir: Podcast Fumaça

Para ir: Espectáculo solidário de stand-up comedy no Coliseu do Porto, dia 3 de Outubro. Bilhetes neste link.

Para ver: Strange Times, de Joe Rogan

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