www.sabado.ptleitores@sabado.cofina.pt (Sábado) - 18 set. 06:29

A percepção errada sobre a Justiça

A percepção errada sobre a Justiça

Se perguntarmos a alguém qual a percentagem dos processos criminais em Portugal certamente teremos respostas como 70, 80 ou 90%. De acordo com as estatísticas oficiais, o número de processos criminais pendentes representa apenas 5% do valor total. - Opinião , Sábado.

Em muitos aspectos da vida as percepções que temos não coincidem com a realidade. No que diz respeito à Justiça isso é bem evidente.

Se perguntarmos a alguém qual a percentagem dos processos criminais em Portugal certamente teremos respostas como 70, 80 ou 90%.

De acordo com as estatísticas oficiais, o número de processos criminais pendentes representa apenas 5% do valor total.

A esmagadora maioria dos processos pendentes tem natureza civil e dentro destes a maior parte destina-se a cobrar e executar dívidas.

Segunda a estatística oficial cerca de 90% dos processos são de natureza civil.

Como explicar uma divergência tão acentuada entre a realidade e a percepção?

As nossas percepções são muito formadas pela comunicação social. A cobrança de uma dívida por falta de pagamento da factura da internet ou do telemóvel não têm interesse jornalístico.

Os processos criminais, em especial os que envolvam criminalidade violenta ou personalidades bem colocadas socialmente, são muito atractivos para os leitores ou telespectadores.

A disputa acesa pelas audiências tem levado a que cada vez se noticiem mais os crimes.

O cidadão comum identifica a Justiça com os processos de natureza criminal.

A percepção que existe relativamente à justiça criminal não é formada pela totalidade dos processos dessa natureza, mas apenas por uma dúzia de megaprocessos mediáticos.

Esse número extremamente reduzido de processos molda a imagem da justiça, não se olvidando que representam uma percentagem ínfima dos cerca de 850 mil processos pendentes.

Novamente as estatísticas são claras, os processos com maior duração não são os processos de natureza criminal, mas sim os de natureza civil.

Como regra, os processos criminais têm uma decisão rápida.

Muitos dos processos criminais são julgados em processo sumário, ou seja, um número significativo de processos é julgado no prazo de 48 horas após os factos terem ocorrido.

A criminalidade rodoviária ( em que se incluem por exemplo a condução de veículo em estado de embriaguez ou condução sem habilitação legal) tem uma expressão estatística significativa e o seu julgamento é extremamente rápido.

Outros crimes muito frequentes como dano, ofensa à integridade física, ameaça ou violência doméstica também são julgados em poucos meses em grande parte dos tribunais.

Os crimes que demoram muito tempo a ser julgados dizem respeito a megaprocessos de extrema complexidade.
 

A expressão estatística destes processos é insignificante, mas a percepção do cidadão é que todos os processos são iguais àqueles, o que não corresponde à verdade.

Se perguntarmos a alguém qual o maior problema da justiça portuguesa, com grande probabilidade responderá, os megaprocessos.

Lanço um desafio ao leitor, pense em todos os processos de grande dimensão que conhece e some-os todos.

De seguida veja qual a percentagem que esse número representa relativamente à totalidade da pendência processual ( para simplificar 850.000 processos).

Ao contrário da percepção geral, as estatísticas dizem-nos que os processos criminais estão a ser resolvidos de forma mais rápida e os processos de natureza civil estão a demorar mais tempo.

A ideia que a resposta da Justiça em geral está cada vez pior também não corresponde à verdade.

Desde a reforma da organização judiciária operada pelo anterior Governo em Setembro de 2014, até ao final do ano de 2018, a pendência processual baixou cerca de 35%.

Para este decréscimo contribuiu de forma decisiva a criação de juízos de execução em todo o País, onde se concentraram todas as execuções de dívida.

A Justiça tem muitos problemas que tenho identificado em diversas ocasiões.

Porém, o julgamento da Justiça pela opinião pública acaba por ser redutor.

Quem poderia afirmar que Portugal é um dos países mais seguros do mundo se tivesse só em conta os crimes que são relatados todos os dias nas televisões e jornais?

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