expresso.ptexpresso.pt - 22 jul. 15:31

Vagueza de Pedro Sánchez desiludiu putativos aliados de Governo

Vagueza de Pedro Sánchez desiludiu putativos aliados de Governo

Negociações para formar um Governo de coligação com o Podemos continuam estancadas, a três dias da votação definitiva

Pedro Sánchez, aspirante à primeiro-ministro de Espanha, propôs às forças políticas representadas no Parlamento um ambicioso plano de “transformação” do país, semelhante ao que foi levado a cabo a partir de 1975, com a morte do ditador Francisco Franco e o advento da democracia.

Num discurso de cerca de duas horas de duração, visando obter o apoio do Congresso dos Deputados para ser empossado como chefe do Executivo para os próximos quatro anos, o socialista enumerou uma longa série de atuações centradas em seis grandes eixos programáticos relacionados com o que considera deverem ser os grandes desígnios nacionais: desemprego, desigualdade, revolução tecnológica, feminismo, mudanças climáticas e educação. Sánchez fez grandes promessas, como a de elevar para 5% do PIB os investimentos em matéria educativa ou destinar pelo menos 2% do orçamento de Estado à investigação, desenvolvimento e inovação.

Enquanto o candidato detalhava os seus planos diante dos deputados, permanecia a incerteza sobre a possibilidade de conseguir os apoios necessários para levar à prática o seu programa de Governo. O pacto entre o seu Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e a aliança Unidas Podemos (UP, esquerda populista) para formar um Executivo de coligação não está fechado.

Os negociadores das duas formações prosseguiam, na madrugada desta terça-feira, com contactos para desbloquear um acordo que, admitem as duas partes, está de momento “estagnado”. “O pacto não é fácil, mas une-nos a promessa da esquerda”, disse Sánchez na única referência concreta à UP, perto do fim da sua intervenção.

Que ministérios para o Podemos?

Um dos principais obstáculos continua a ser a distribuição de cargos nesse futuro Governo. O líder da UP, Pablo Iglesias, quer que militantes do seu partido estejam no Conselho de Ministros, em postos de “relevância” e com representação proporcional aos votos obtidos nas legislativas de 28 de abril (14,3%, face aos 28,7% do PSOE). Iglesias prescindiu, ainda assim, da exigência inicial de se tornar vice-primeiro-ministro. Sánchez resiste a entregar à esquerda radical áreas vitais (Finanças, Economia, Trabalho) e, segundo porta-vozes da UP, apenas lhes ofereces pastas de “segundo nível”.

A situação terá de desbloquear-se nas próximas horas, porque o programa da sessão de investidura prevê que a votação definitiva se realize na próxima quinta-feira, o mais tardar. Esta tarde decorrem as intervenções dos representantes dos partidos com representação parlamentar e as réplicas do aspirante a primeiro-ministro. Amanhã haverá uma primeira votação, que Sánchez deve perderá, pois nada indica que possa obter uma maioria absoluta de votos (176 dos 350 deputados).

A lei estipula que haja uma segunda votação, passadas 48 horas, na qual Sánchez necessitaria apenas de ter mais votos afirmativos do que negativos. É nessa ocasião que é plausível que o atual primeiro-ministro em gestão obtenha os apoios do seu partido, da UP, de partidos regionalistas e do Partido Nacionalista Basco (PNV), podendo beneficiar da abstenção ativa de grupos independentistas como a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC).

Nem uma palavra sobre separatismo

Esta situação de bloqueio conduziu a um dos poucos anúncios concretos que Sánchez fez no seu denso discurso, cheio de grandes enunciados programáticos mas vazio de medidas específicas. Prometeu uma revisão do artigo 99 da Constituição, que rege os mecanismos de formação de Governo, destinada a evitar situações de bloqueio político como a que o país vive atualmente.

Os analistas políticos e representantes das bancadas parlamentares chamaram a atenção para a ausência de referências a problemas cruciais do país. Sánchez nada disse sobre o desafio separatista catalão e do que planeia fazer para resolver essa crise, que se agudiza a cada dia que passa. Eis outro ponto de fricção nas conversações entre os socialistas e a UP: os primeiros defendem um tratamento puramente constitucional das aspirações independentistas de parte da sociedade catalã, ao passo que Iglesias defende a celebração de um referendo de autodeterminação e chama “presos políticos” aos acusados pela tentativa de secessão de 2017.

O primeiro-ministro também não explicou onde irá buscar os fundos para financiar o seu ambicioso programa de reformas. O discurso de investidura foi considerado “bem intencionado” e “aceitável” mesmo por partidos do centro-direita, mas desprovido de ambições claramente políticas. Um dos partidos mais desagradados pelo conteúdo da intervenção de Sánchez foi, precisamente, o que sonha ser seu sócio no poder. Iglesias não ocultado a sua desilusão por não ter ouvido ao socialista posicionamentos que definam com clareza um “programa de esquerda”. Os porta-vozes da UP abstiveram-se, porém, de fazer declarações críticas, para não prejudicar as negociações em curso.

À beira do inédito

Se chegarem, por fim, a um acordo de investidura e governabilidade, PSOE e UP protagonizarão um marco relevante na história de Espanha. Não existe no país um Governo de coligação desde os tempos da Segunda República, na década de 1930. O bipartidarismo que marcou a trajetória política de Espanha durante a maior parte da democracia recuperada rompeu-se, ao que parece definitivamente, em 2015, com o surgimento de novos partidos, à direita e à esquerda do espectro político clássico.

Caso a votação de quinta-feira falhe, os partidos voltarão a sentar-se à mesa das negociações. No entanto, a votação de terça-feira, 23 de julho, coloca o relógio constitucional em contagem descrescente: há dois meses para formar um Executivo. Se tal não for possível até 23 de setembro, terá de haver novas eleições, provavelmente no mês de novembro.

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