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10 anos sem Michael Jackson. Como um adolescente ingénuo se transformou a si próprio e reinventou a música pop

10 anos sem Michael Jackson. Como um adolescente ingénuo se transformou a si próprio e reinventou a música pop

Depois de uma infância em que foi estrela, mas também uma espécie de 'atração' manipulada pelo pai, Michael Jackson afirmou-se no final dos anos 70 como artista de corpo inteiro, revelando a voz que o consagraria como maior astro do universo pop. Quando passam dez anos sobre a sua morte, recuperamos um artigo em que se explica como o conseguiu, ainda longe das polémicas que viriam a marcar a sua vida adulta

Publicado originalmente na edição especial da BLITZ "Michael Jackson - Para Sempre", em junho de 2010

Em 1977, Michael Jackson estava com 19 anos, dois deles como artista independente, liberto das apertadas malhas da Motown de Berry Gordy. Tal como Diana Ross – e muitos outros artistas durante esta década de afirmação individual –, Michael procurava agora veículos para expressar a sua personalidade artística. Nesse mesmo ano, Rob Cohen, jovem executivo branco da Motown, tentava transformar um espetáculo da Broadway, inspirado em O Feiticeiro de Oz, num filme. Contra a vontade do patrão da Motown, Diana – então com 33 anos – reclamou para si o papel de Dorothy na produção que a Motown se preparava para fazer com os estúdios da Universal.

Rob Cohen escolheu Sidney Lumet para a cadeira de realizador e com as rédeas do projeto na mão decidiu igualmente tentar pescar Michael Jackson para o papel de Espantalho. Diana, claro, aplaudiu de imediato a ideia que Michael também abraçou, mas receoso de que Berry Gordy travasse a iniciativa devido à cessação do contrato em 1975. Ron levou mesmo a sua ideia avante e Michael ganhou o papel, vencendo uma resistência inicial do seu pai e desagradando, uma vez mais, os seus irmãos, nada satisfeitos com estas iniciativas individuais. The Wiz foi um fracasso comercial, mas ainda assim valeu vários elogios a Michael, que se entregou de corpo e alma ao projeto, fator decisivo na conquista da amizade de Quincy Jones.

Durante a rodagem do filme, o produtor veterano identificou o potencial ainda por revelar de Michael: «Vi uma profundidade nele quando fez o The Wiz», relatou Quincy Jones à Rolling Stone. «Ele sabia os diálogos de toda a gente, conhecia as canções de toda a gente, conhecia os passos de dança de toda a gente. Nunca tinha visto alguém capaz de absorver tanto em tão pouco tempo». Durante a rodagem, rezam as crónicas, Michael terá pronunciado mal a palavra «Socrates» e a uma delicada correção de Jones, o cantor respondeu afavelmente e não como provavelmente outras estrelas menos modestas teriam feito. E isso, levou Jones a dizer a Michael: «acho que gostaria então de tentar produzir o teu próximo álbum».

Quincy Jones e Michael Jackson

Quincy Jones e Michael Jackson

Getty Images

O outro génio

As gravações de Off The Wall aconteceram entre o início de dezembro de 1978 e o princípio de junho do ano seguinte. Michael tinha 20 anos, menos de metade da idade de Quincy Jones, um homem que atravessou eras na música e cujo currículo se lia como uma autêntica história paralela da música nos Estados Unidos. O jazz começou por ser o seu campo de eleição, afirmando-se aí como músico, compositor, orquestrador e produtor desde meados da década de 50 graças a trabalhos para gigantes como Betty Cater, Cannonball Adderley, Dinah Washington, Sarah Vaughan, Ray Charles, Peggy Lee, Ella Fitzgerald, Dizzy Gillespie e Frank Sinatra, entre vários outros.

Jones era igualmente um reconhecido artista, tendo gravado hits como o clássico «Soul Bossa Nova» de 1962 e assinado variadíssimas bandas sonoras que inspiraram gerações – de «The Italian Job» a «In Cold Blood» ou «They Call Me Mr. Tibbs». Um homem sofisticadíssimo, portanto, que desde muito cedo, também, abraçou modos mais populares e que em meados dos anos 70 gravou alguns clássicos de jazz/funk, como Body Heat. Ou seja, alguém com as credenciais corretas para levar o projeto Off The Wall a bom porto.

Anthony DeCurtis escreveu sobre esse momento na carreira de Jones e Jackson na Rolling Stone: «As sessões para Off The Wall começaram em Los Angeles em dezembro de 1978 e prolongaram-se até à primavera seguinte. Os ensaios tiveram lugar na casa de Jones. “Ele era tão tímido que se sentava e cantava atrás do sofá, de costas voltadas para mim, enquanto eu ficava ali, de mãos sobre os olhos e com as luzes apagadas”, escreveu Jones na sua autobiografia de 2001. Patti Austin, que fez um dueto com Jackson em “It’s The Falling in Love”, descreveu o seu primeiro encontro com Jackson: “Era como conhecer um cachorrinho – estendemos a mão e depois esperamos que venha até nós”».

Michael Jackson: foto da sessão fotográfica de "Off The Wall"

Michael Jackson: foto da sessão fotográfica de "Off The Wall"

Assim nasce um clássico

Michael abordou a criação de Off The Wall como a plena afirmação da sua personalidade artística. No estúdio, havia a sensação de que se estava a desbravar novo território, mas Michael sabia apenas que não queria repetir as fórmulas do passado. Para isso, Quincy Jones recrutou os melhores músicos de sessão, a sua «Killer Q Posse»: os guitarristas Larry Carlton e Wah Wah Watson (membro dos históricos Funk Brothers, banda de sessão da Motown); para as teclas vieram George Duke, David Foster, Steve Porcaro dos Toto e, da banda de Stevie Wonder, Greg Phillinganes. Músicos de primeira, preparados para um reportório igualmente selecionado segundo criteriosos parâmetros.

Jones, que tinha recentemente trabalhado com o grupo de funk Brothers Johnson, trouxe para as sessões o tema inacabado «Get on The Floor». A música chegou, aliás de quadrantes diversos: Paul McCartney tinha escrito «Girlfriend» a pensar em Michael, embora os Wings a tenham gravado antes de Jackson. Stevie Wonder escreveu «I Can’t Help It», e Jones desafiou também Rod Temperton dos Heatwave a compôr. Temperton preparou três canções, pensando que Michael e Quincy escolheriam uma, mas eles aceitaram todas: «Off The Wall», «Rock With You» e «Burn This Disco Out». Temperton, à Rolling Stone: «Eu sabia, devido às melodias, que Michael iria cantar em temas mais rápidos, ele era muito levado para os ritmos. Por isso tentei escrever melodias que tivessem muitas notas curtas, para lhe dar algumas cenas staccato para ele fazer. O tema título “Off The Wall” é o melhor exemplo disso».

Mas o material do próprio Michael, que há muito reclamava ter uma voz própria nas composições que interpretava, fez a diferença. O famoso crítico norte-americano Nelson George escreveu que nas maquetes que o próprio Michael Jackson assinou para «Don’t Stop Till You Get Enough» já se exploravam algumas ideias que os arranjos de Quincy depois concretizaram, prova clara de que Michael começava a encontrar a sua voz artística e a realizá-la em pleno. O tema também afirmava Michael como um homem adulto e sensual, uma diferença substancial em relação ao terno e inocente adolescente que durante anos a Motown promoveu.

De boca aberta

«Fãs e indústria ficaram de boca aberta quando Off The Wall foi lançado», sublinha J. Randy Taraborrelli, biógrafo de Michael Jackson. «O engenheiro de som, Bruce Swedien, assegurara que as faixas de Quincy Jones e a voz de Michael Jackson apresentavam as suas melhores qualidades. Os fãs de Michael declararam que não o ouviam cantar com tanta alegria desde os tempos iniciais dos Jackson 5. O álbum mostrava um Michael Jackson adulto, pela primeira vez um artista verdadeiro, não só o vocalista de um grupo. Michael Jackson chegara oficialmente».

As vendas atingidas então ainda não permitiam falar em fenómeno: o álbum gerou quatro singles Top 10 nos Estados Unidos, vendeu cerca de 6 milhões de cópias (ultrapassou os 20 milhões ao longo dos anos), mas nunca subiu acima do terceiro lugar nos principais tops, incluindo o americano e o britânico. À «moderação» das vendas parece ter correspondido uma moderação nos aplausos institucionais, como se o presente não estivesse à época preparado para o furacão Jackson. O caso mais flagrante foi o dos Grammys, onde Michael arrebatou apenas um galardão, para Melhor Performance Vocal Para Artista Masculino R&B, uma categoria secundária, quando comparada com Álbum do Ano.

Michael pensava que iria mais longe: «Incomodou-me», afirmou Michael, citado por Taraborrelli. «Chorei muito. A minha família pensava que eu estava a enlouquecer, por chorar tanto». Joseph Jackson não ficou tão incomodado, pensando que os resultados nos Grammys poderiam refrear os ímpetos artísticos de Michael, que o patriarca via como sendo inimigos do grupo. Uma carreira a solo para o pai de Michael Jackson seria sempre uma distração do essencial – a força do coletivo. Mas «Don’t Stop Till You Get Enough» era mais do que uma agradável canção pop, cortada à medida das pistas de dança – era uma autêntica declaração de intenções. E «enough» era uma palavra que parecia não existir no vocabulário de Michael. O álbum seguinte dar-lhe-ia razão – Michael Jackson não queria bater recordes, queria reinventar a escala da pop.

Publicado originalmente na edição especial da BLITZ "Michael Jackson - Para Sempre", em junho de 2010

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