observador.ptMaria Castello Branco - 21 mai. 09:43

Another brick in the wall?

Another brick in the wall?

Como todos os que desfrutaram da liberdade de circulação e do Erasmus bem sabem, a Europa é o pluralismo de nações, mas ela está demasiado centralizada e burocrática para que a diversidade seja ouvida

Se a queda de Roma fosse hoje, não seria muito diferente. Em 410, sob o tórrido sol de Agosto, a população romana, preocupada com crises internas, permanecia alheia aos festejos bárbaros do outro lado das muralhas. É assim que Roma é saqueada, pela primeira vez em mais de 800 anos. A invasão Visigoda marcaria o declínio do maior Império da História Ocidental, e os seus cidadãos, órfãos, apontariam a queda de valores, a burocracia, as crises financeiras, a corrupção dos seus governantes e a instabilidade política como algumas das causas do colapso romano. Mas nunca se debruçaram sobre si próprios e se apontaram a si mesmos como a origem da ruína. E a História ameaça repetir-se.

Os cidadãos romanos viviam bem, apesar de todas as crises que trespassaram os séculos do regime romano. Melhor do que qualquer população que os tivesse antecedido e, arriscar-me-ia a dizer, melhor do que alguns dos seus descendentes. Extraordinariamente, quase 2.000 anos depois, podemos asseverar o mesmo. Um Homem vivo em 2019 (independentemente da sua localização geográfica), vive melhor do qualquer um dos seus antepassados. Os índices de pobreza nunca estiveram tão baixos nem em tão rápido declínio (aplauda-se, por tal feito, o malvado sistema capitalista). O bem-estar chegou a quase todos. E nós, cidadãos europeus, pertencemos aos mais privilegiados dentro dos privilegiados do século XXI. Os Bárbaros à porta de Roma não são a China, não são o Trump, não são os refugiados e nem sequer são a Rússia. Somos nós, jovens adormecidos e esquecidos dos benefícios que a Europa nos oferece, quotidianamente, e que poderão um dia desaparecer, sob o tórrido sol de Maio.

(E tampouco é o Brexit. Aliás, a Grã-Bretanha terá sido a primeira região a abandonar o Império Romano, e não é com surpresa que os europeus a vêem retirar-se da UE – por muito que os noticiários se tenham embebido no psicodrama britânico.)

Meus caros, confesso-vos algo que me atormenta há já algum tempo: não é a União Europeia que tem um défice comercial com a China. São os empresários e os cidadãos europeus que compram mais às empresas chinesas do que lhes vendem (basta olharmos para as bugigangas chinesas que pululam em todas as casas europeias). Não é Bruxelas que envia verbas a Portugal para que os nossos governos incluam mais dinheiro no Orçamento de Estado. São os cidadãos europeus que descontam dos seus salários para que cidadãos portugueses possam ver a sua economia (em casa e no país) crescer. A política europeia está distante porque é retratada como instituições burocráticas que comunicam com outras instituições ainda mais burocráticas. Será isso que tem de mudar?

A verdade é que, quanto mais os cidadãos romanos se embebiam nos seus pequenos affairs quotidianos, numa ilusão de segurança inabalável, mais os bárbaros festejavam, ansiando a vitória. Por isso, atrevo-me a ingressar numa actividade especulativa: será que, se os romanos não tivessem edificado muralhas tão altas, teriam podido aperceber-se das ameaças? Por outro lado, não é necessária muita especulação para constatar que as muralhas romanas são a burocracia europeia: ambas nos cegam os sentidos e impedem uma análise crítica e real dos acontecimentos. Há uma certa soberba em Roma: confiando, cegamente, que alguém tratará do assunto por si, aliena-se. Aproximemos os bárbaros dos cidadãos, para que os possamos encarar de frente. Roma fechou-se, achando-se vitoriosa. E a Europa, triunfante de facto, terá de se abrir, de se descentralizar, de se aproximar de cada cidadão.

Será que, se os jovens acreditarem de facto que – citando o slogan do ilustre Nuno Melo – “a Europa é aqui”, os níveis de abstenção serão ainda mais altos dia 26 de Maio do que os 76% de 2015?

É que a Europa não é aqui: a Europa não está em Lisboa, não está em Budapeste; a Europa não é Itália nem a República Checa. A Europa não é Bruxelas nem Berlim. Como todos nós, jovens que desfrutámos da liberdade de circulação e dos programas de Erasmus, bem sabemos, a Europa é o pluralismo de nações. A Europa é a diferença representada em Bruxelas. Mas, hoje, a Europa encontra-se demasiado centralizada e burocrática para que a diversidade seja ouvida. Não queremos um Império apoiado numa Federação Europeia. Precisamos de uma Europa ainda mais livre, ainda mais plural: rejeitamos a uniformidade das diretivas de gabinete europeias, propondo uma colaboração e cooperação entre entidades nacionais e regionais que substituam a integração institucional e centralização política a nível continental.

Mas isto não é um mero apelo ao voto per se, porque os votos não são todos iguais. Há os votos que querem construir muralhas, comprando ilusões, e há outros que querem novas respostas, soluções transparentes e mais próximas. Cada um de nós pode escolher que tipo de pedreiro quer ser: um de tijolo baço, e outro, irreverente, defensor do pluralismo, de debates e proximidades.

A China, a Rússia, o Brexit e os novos Partidos extremistas aparentam ser ameaçadores à estabilidade europeia – e são-no. Mas, ainda mais ameaçador, é aceitar a burocracia centralizadora e distante como pedras da muralha europeia: sem contacto com uma base sólida, o muro cai. Sem contacto com os cidadãos, a Europa torna-se velha e esclerosada, incapaz de responder a ameaças externas. E cada nação fechar-se numa edificação só sua não implica nem mais proximidade nem menos ameaças: haverá algo mais burocrático e ameaçador do que um Estado com ímpetos totalitários? Só uma Europa livre, fluída e aberta a todas as diferenças (mesmo que representem os bárbaros), poderá sobreviver durante este século. E só votando poderemos enviar a mensagem de que Bruxelas não é a Europa. No próximo dia 26 teremos a oportunidade de escolher destinos. Não permitamos que escolham por nós, jovens, sob o perigo de a União Europeia arder sob o tórrido sol de Maio.

Para o desfecho final, deixo-vos com uma cantiga de crianças do Chico Buarque que, no fundo, transmite uma lição tão básica que parece, por vezes, escapar aos mais ilustres defensores do povo. “Calma, calma, vamos tentar entender uma coisa: nós estávamos juntos, certo? E juntos entrámos na casa, e juntos atacámos sem medo. Segunda lição do dia: um bicho só, é só um bicho. Agora, todos juntos: somos fortes.

Estudante, 20 anos, membro da Iniciativa Liberal

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