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Brincar no século XXI: Adeus, parques infantis previsíveis, com escorregas e baloiços

Brincar no século XXI: Adeus, parques infantis previsíveis, com escorregas e baloiços

Os miúdos agora querem submarinos, torres altíssimas (“Ai, ai que vou cair”... mas não) e tubarões
Surpreendentes Espalhados por todo 
o mundo, estes parques construídos por uma empresa dinamarquesa marcam a tendência

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Divulgacao

No lisboeta Jardim da Estrela, existe um parque infantil com baloiços, escorregas e uma girafa e um leão q.b. bons de escalar. E, mesmo ao lado, ergue-se uma “aranha” de cabos esticados até bem alto. O chão de ambos os espaços está coberto de gravilha, ideal para amparar eventuais quedas e repelir pais-galinha. Entre um e outro, é habitual verem-se miúdos sem sapatos, e quem por lá já passou terá reparado que muitos andam sobretudo entretidos com as pedrinhas. Quando as minhas filhas eram mais pequenas, a gravilha fazia as vezes de dinheiro, ninho de formigas ou arma de arremesso (sim...), e, com a sua ajuda, elas fingiam-se personagens de grandes aventuras. Os baloiços serviam apenas de poiso de descanso.

Vem isto a propósito dos novos parques infantis que os criativos da Monstrum desenharam para os terraços ao ar livre no topo da Lego House, em Billund, na Dinamarca. Partindo da ideia de viagem, tanto lá se chega de helicóptero (rodeado de postes de aço a fingirem correntes de ar) como de balão de ar quente (acabado de aterrar num campo de milho povoado de espantalhos) ou de submarino (apanhado numa rede de pesca e atacado por um monstro marinho).

Construídos maioritariamente em madeira, os equipamentos foram imaginados como cenários de brincadeiras decididas no momento pelas crian��as mais ou menos intrépidas.

Nada de estranho quando se sabe que os fundadores da Monstrum eram cenógrafos. Estávamos em 2003 quando o dinamarquês Ole Barslund Nielsen se ofereceu para construir o novo parque infantil da creche do seu filho, então com 5 anos. “Com aquele orçamento, percebi que conseguia fazer alguma coisa melhor do que o habitual”, lembra Nielsen, contando como facilmente entusiasmou o seu colega Christian Jensen a ajudá-lo a desenhar uma alternativa ao “kit fence carpet playground”. “Os miúdos e os pais ficaram muito contentes e aquilo levou-nos a abrir a Monstrum.”

Os anglo-saxónicos, excelentes a vulgarizar siglas, chamam “KFC ” aos parques infantis com baloiços, escorregas e pouco mais, vedados a toda a volta e atapetados de borracha. Os cenários de brincadeiras da empresa dinamarquesa, hoje espalhados um pouco por todo o mundo, estão nos seus antípodas. No Cosmos, um espaço que a Monstrum construiu para um parque temático moscovita, desafiam-se os miúdos a caminhar por uma passagem altíssima entre uma torre e um foguetão, e noutros pontos do mundo brinca-se entre robôs gigantes, águias prestes a voar ou aviões que se despenharam. “Deixamos espaço para a imaginação”, dizem os designers, que adoram surpreender-se com a criatividade dos miúdos e prometem continuar a trabalhar em equipamentos “divertidos, únicos e seguros”.

Arriscar é preciso

A equação ideal nunca deixa o risco de fora – pelo menos, algum risco, diz Helena Cardoso de Menezes, ex-presidente da APSI (Associação para a Promoção da Segurança Infantil) e representante dos consumidores europeus na comissão técnica de parques infantis. Segundo esta especialista, é importante “brincar livre” e explorar ambientes através do desconhecido.
“Claro que a estrutura tem de ser segura para prevenir riscos graves, mas esse brincar livre e essa experiência do desconhecido vão ajudar mais tarde a lidar com o risco. Nunca se viu jovens adultos com tanta ansiedade”, lamenta. “Foram miúdos que os pais não deixaram à solta, que não passaram pela emoção ‘Ai, ai, vou cair’ e, sobretudo, que não chegaram à conclusão ‘Consegui! Cheguei mais alto! Sou capaz!’”, nota. “Pensar ‘Já senti isto e sobrevivi’ é muito importante para chegar à idade adulta e gerir bem as situações de stresse.”

A arquiteta paisagista Rita Rodrigues afina pelo mesmo diapasão. Aquilo que viu enquanto esteve a fazer Erasmus na Dinamarca, há quatro anos, não tem nada que ver com o que veio a encontrar no bairro de Alvalade, em Lisboa, onde baseou a sua tese de mestrado. É sobretudo uma questão de mentalidade, acredita: “Os dinamarqueses aceitam o risco e nós somos demasiado cuidadosos.” Mas é, sobretudo, a diferença no “brincar funcional” em detrimento do “brincar sem instruções” que mais a incomoda. “Como se nos esquecêssemos da importância do jogo e da imaginação no desenvolvimento da criança.”

Na falta de um parque infantil da Monstrum por perto, se o seu filho preferir brincadeiras com gravilha, não estranhe. E se tiver medo de o ver empoleirado algures, vire costas, deixe-o arriscar.

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