ionline.sapo.ptionline.sapo.pt - 24 mar. 02:15

“O aborto é o massacre dos poderosos contra os indefesos que já estavam vivos, esperando a hora certa de nascer”

“O aborto é o massacre dos poderosos contra os indefesos que já estavam vivos, esperando a hora certa de nascer”

Silas Malafaia é conhecido pelas opiniões controversas que emite e gera muita discussão nas redes sociais, mas é também o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, que chegou a Lisboa em setembro.

Silas Malafaia tem 60 anos e é um dos mais controversos líderes religiosos brasileiros. Cara principal da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, veio a Lisboa em fevereiro para ministrar vários cultos. Seguro de si, não evita perguntas e sabe bem que é uma figura controversa. Casou Bolsonaro e sobre o presidente do Brasil não tem dúvidas: é a solução certa para o país.

No Brasil, a ADVEC é muito popular, mas a Portugal chegou só recentemente.
Sim, inaugurámos em setembro uma igreja nossa aqui em Lisboa e eu já venho a Portugal há não sei quantos anos. Gosto de estar aqui, não só pela afinidade de povos irmãos, mas do país em si, é um país bonito. Creio que estamos numa nova caminhada aqui em Portugal e vamos abrir várias igrejas aqui no país. Vamos ter aqui o viés mesmo de trazer uma mensagem de paz, alegria, que possa transformar o homem, esse é o nosso desejo. E fazer com que os brasileiros aqui não deem trabalho para os portugueses, também. No Brasil, já é muito antiga. Vem lá de trás, de 1911, com os missionários que vieram dos EUA e foram para o Brasil. É a maior igreja evangélica lá, somos mais de 30 milhões de membros – e o Brasil tem 65 milhões de evangélicos.

Quem são os evangélicos?

Os evangélicos, a igreja evangélica vem da reforma protestante e nós somos um ramo dessa reforma protestante que mudou o mundo ocidental e mudou a história do mundo ocidental. Foi a partir daí que se produziu ciência, que houve separação do Estado e da religião, e foi a partir daí também que se criou uma nova visão da economia e por aí fora. A igreja evangélica vem dessa vertente com o objetivo de anunciar que Jesus Cristo é o único salvador, que não existe outro meio de se chegar a Deus a não ser por ele – só Jesus é o intermediário entre Deus e o homem. Nós adoramos só a Deus, não adoramos nenhum tipo de imagem, nenhum tipo de pessoa, só reconhecemos Deus como único que deve merecer adoração, e acreditamos que o Evangelho de Cristo transforma a vida da pessoa, não para o transcendente só, não para a eternidade, mas aqui. Jesus faz uma declaração: “Eu vim para que tenha vida e tenha abundância”. Então, eu acredito que o Evangelho de Cristo transforma a pessoa para uma vida melhor, para ela viver a plenitude do ser humano, porque todo o ser humano – e a Bíblia trata o ser humano assim – é um ser biológico, sociológico e espiritual. O Evangelho preenche esses quatro mundos que envolvem o ser humano. Pregar o Evangelho é fazer as pessoas viverem o Evangelho não duas horas de culto ou de reunião, mas na sua vida prática.

Uma das suas ideias mais polémicas é que “ser gay é um comportamento”. Porque defende essa ideia?

É muito fácil. Raça é condição, você não determina se você é negro ou é branco. Homossexualismo é comportamento porque não tem na ciência, até agora, nenhuma prova de que o indivíduo nasce gay, muito pelo contrário. O sexo é biológico. A coisa é tão incrível que, se for descoberto um fragmento de um osso de um ser humano que viveu há 400 anos, apenas um fragmento, você sabe se é masculino ou feminino. Todas as células do nosso organismo estão impregnadas se é macho ou fêmea. Então, homossexualismo é um comportamento como tantos comportamentos do ser humano. Eu digo isto lá no Brasil, sou veemente, tenho muitos debates... O movimento gay me ama às avessas porque eu enfrento não com discurso religioso, é aqui que está: eu sou psicólogo, tenho formação, e então eu discuto com eles à luz da ciência e da sociologia. Me mostra aí a genética do homossexual, me mostra onde é que a ciência comprova? Então, é um comportamento. Por exemplo, o camarada nasce fumando? Não, é uma escolha, é comportamental. O camarada nasce querendo cheirar cocaína? Não, é um comportamento. São comportamentos, aqui é que está todo o x da questão.

E já expressou várias vezes que rejeita comparar a homofobia ao racismo, por exemplo.
Sim. Se é um comportamento, jamais pode comparar o crime de homofobia ao racismo, porque o racismo é condição; homossexualismo, não. E há uma diferença entre você odiar e querer extinguir, bater, ofender o homossexual, e você ter uma opinião sobre um comportamento. Por exemplo, você pode ser contra 100% e omitir opinião contra os evangélicos, é um direito, é liberdade de expressão, mas se você fizer isso em relação aos gays, eles te chamam de homofóbico. Essa é a verdade. Porque é que alguém pode questionar a minha fé e a minha crença, que é uma das coisas mais incríveis no ser humano, e porque eu não posso questionar e dizer que eu não concordo com o homossexualismo? Eu não discuto o direito de ser, cada um tem o direito de ser o que quer, eu discuto é o direito que eu tenho de criticar esse comportamento, como todos têm o direito de criticar o comportamento religioso.

O aborto também é para si uma questão fraturante.

Sim, e essa é uma questão muito importante. Eu gosto de ciência, você vê que não estou usando Bíblia nem nada. Na gestação, o agente ativo é o pequeno bebé. O passivo é a mãe. Olha a prova de que o pequeno bebé não é um prolongamento do corpo da mulher, como a unha, como o cabelo: o óvulo fecundado de um casal negro implantado no útero de uma mulher branca nasce um negro; o óvulo fecundado de um casal branco implantado no útero de uma negra nasce um branco. Porque eu disse que ele é o agente ativo, e não passivo? É ele que determina os ciclos da mulher, é ele que em última instância diz a hora de sair, e se ele não estivesse protegido por aquela cápsula, ele era expulso como um corpo estranho. Olha que coisa incrível. Então, quando se diz que “toda a mulher tem o direito de decidir sobre o seu próprio corpo”, eu gosto de analisar essa frase. “Toda a mulher” – pelo menos 50% dos bebés são do sexo feminino e não tiveram direito de decidir sobre o seu próprio corpo. “Toda a mulher tem direito” – nenhum ser humano no Brasil, e acredito que aqui em Portugal, tem direitos absolutos sobre o seu próprio corpo; se você tentar se matar é crime, e se você não tem direito sobre o seu próprio corpo, o que dirá do corpo dos outros? “Decidir sobre o seu próprio corpo” – decidir indica responsabilidade e 99,999% do aborto é fruto de promiscuidade, de irresponsabilidade do ser humano. Então, eu não posso ser a favor disso e eu faço uma definição que é “o aborto é o massacre dos poderosos contra os indefesos que já estavam vivos, esperando a hora certa de nascer”. 

Diria então que o aborto é o assassinato de um bebé?

Sim, isso é que é o aborto, o assassinato de um ser vivo. E tem uma outra coisa muito interessante: nenhum corpo vivo pode-se tornar pessoa a não ser que já seja em essência. Nenhum ser vivo pode--se tornar pessoa a não ser que já seja. O embrião é uma pessoa porque não pode tornar-se outra coisa a não ser pessoa. E nenhum ser humano é mais humano do que outro – ser e humanidade são intrínsecos, você não pode separar isso. E há um princípio no direito segundo o qual o direito à vida é a mãe de todos os direitos. Se você aniquila o direito à vida, que outro direito [há]? Contra um camarada que dá um soco no outro? Que fere o outro? Se você aniquilou o direito à vida… Eu não posso concordar. Eu não discuto o aborto em viés religioso, não discuto nesse viés, discuto em viés próprio. E seja o aborto legal ou ilegal, as sequelas que uma mulher tem; a mulher que gera o filho, ela não tem sequelas por isso. Agora, seja numa nação que legalizou o aborto ou não, as sequelas de uma mulher que aborta é coisa de malucos, se você for ver a lista. Então, eu não concordo com o aborto nunca, e eu nem entrei aqui no viés daquilo que eu creio: que Deus é o doador da vida e só pertence a ele tirar a vida de um ser humano.

Mas perdoaria uma mulher que tenha feito um aborto?

Claro. Se Deus perdoa qualquer pessoa, claro que sim. Mas para que haja perdão, existem duas coisas fundamentais: arrependimento e confissão. Como é que você perdoa alguém que não se arrepende, que não quer perdão? Mas perdoar, isso é um papel do cristão e o que Deus faz. E Deus não perdoa só a questão de aborto, Deus perdoa até aquilo que nós da sociedade rejeitamos terrivelmente: um criminoso violento, um cara que mata uma criança, que extermina uma família. Porque a dimensão do amor de Deus é muito gigante em relação à nossa dimensão de amar. Mas perdoar é um dever do cristão.

Recentemente esteve no centro de uma polémica que envolve o jornalista brasileiro Ricardo Boechat, mas essa questão não é nova, pois não?
Não. Eu tive uma discussão com ele em 2015 porque, lá no Brasil, uma menina de religião afro foi apedrejada. Ninguém descobriu quem tinha sido, ninguém soube até hoje quem foi, e começaram a dizer que eram evangélicos. E aí, o jornalista Boechat, no seu programa de muita audiência, disse que os pastores incentivavam a agressão a pessoas do culto afro. Eu fui na minha rede social e falei: “Você está falando asneira, você não sabe o que está falando. Se você tiver alguma dúvida, eu te desafio para um debate”. Aí, ele me xingou, eu entrei com uma ação na justiça por calúnia e difamação contra ele, ele, diante do juiz, fez um acordo comigo e retirou aquilo que ele me caluniou e, no programa dele, ele disse: “Eu não tenho nada contra o pastor Malafaia, não tenho nada contra a vida dele com os fiéis, retiro isso”. Houve uma discussão pesada, foi notícia no Brasil.

E agora que ele morreu, voltou a ser.

Sim. Vieram alguns dizendo: “Ah, ‘tá vendo? Foi falar do pastor e acabou morrendo”. E aí eu cheguei e disse assim: “Eu não concordo com essa ideia por um simples fato: ia ter de morrer muita gente que me xinga e me calunia”. Se você pegar minha rede social, que tem mais de seis milhões de pessoas, eu sou xingado e caluniado… então tinha de morrer um monte de gente. É um argumento pueril, um argumento medíocre com que eu não concordo. Não concordo com esse argumento de que Deus matou alguém porque falou de mim, isso é muito estúpido, e eu me posicionei contra isso.

É conhecido pela sua intervenção política. Como é que isso começou?

Tem 30 anos.

Foi antes de chegar à religião?

Não, não, eu já era evangélico. Eu sou pastor há 37 anos. Eu sempre me posicionei porque aprendi uma coisa: independente da sua função, você é um cidadão, e eu, como cidadão, tenho o direito de me posicionar e é o que eu faço. Eu me posiciono o tempo inteiro nas questões políticas, sou amigo pessoal do Presidente, porque eu casei ele inclusive, eu tenho um relacionamento com ele e a esposa dele já foi membro da minha igreja. E o Bolsonaro, nessa agenda de costumes, ele é aliançado, ele tem a mesma visão – mas ele é católico, não é evangélico – dos evangélicos, na questão do aborto, da ideologia de género, liberação de drogas, questão de casamento gay, e então ele é muito afinado com o que nós pensamos. A eleição de Bolsonaro foi a soma da agenda moral com a questão de combate à violência e à corrupção, porque ele tem 30 anos [de carreira], tentaram revirar a vida dele e não arrumaram nada contra ele. Ele é um cara limpo e de vida simples. Eu sempre me posicionei, sempre influenciei, e ajudei e ajudo a eleger senadores com a minha influência. A minha igreja tem deputados.

Bolsonaro é a solução certa para o Brasil?

Acredito que sim. Acredito que o Brasil tem um problema de segurança pública, de corrupção e de agenda moral. E então acho que ele é o cara do momento e espero, oro para que Deus o ilumine, para que ele possa fazer um bom Governo e o Brasil passe a viver dias melhores, porque é insuportável o que acontece no Brasil na área da violência. Não é possível 60 mil pessoas serem assassinadas por ano, é mais do que guerra civil. Então, isso tem de dar um basta e eu espero que ele consiga com os seus ministros amenizar essa questão.

Chegou a dizer que Bolsonaro não era a melhor pessoa para o governo.

Não, na época, há dois anos, havia um outro camarada, chamado João Doria, que foi eleito governador de São Paulo. E eu disse que o Doria era melhor do que ele, só que o Doria não foi candidato a Presidente. Bolsonaro foi candidato e eu apoiei-o.

Os evangélicos tiveram um peso muito forte na eleição do Presidente, não foi?

Sim, sim, os institutos de pesquisa mostraram que, no mundo católico, o Bolsonaro e o Haddad tiveram um empate de votos. Nos evangélicos, o Bolsonaro teve mais de 11 milhões de votos acima do Haddad; então, os evangélicos decidiram a eleição no Brasil.

Usa muito as redes sociais. Porquê essa aposta?
Eu fui o primeiro pastor a ter um programa na rede nacional, no Brasil, de televisão, há 37 anos. E segundo os especialistas, a TV vai virar, daqui a pouco, peça de museu. É incrível, mas você, para ver TV, tem de parar num lugar para ver; isso aqui [pega no telemóvel] está na tua mão a toda a hora. E então isso tem uma potência, uma força de comunicação enorme – e eu vi isso lá atrás e uso tanto o Facebook, como o Twitter, como o Instagram. No Brasil, em redes sociais, o povo é muito forte. O Brasil foi uma das primeiras nações do mundo na utilização de redes sociais. Como é que eu vou ficar alienado de um negócio desses? Não posso. Tenho que estar o tempo todo e ir-me posicionando, é o que eu faço.

Como vê a controvérsia da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, quando disse que “menino veste azul e menina veste cor--de-rosa”?

A ministra, ela se posicionou contra a ideologia de género, essa é que foi a questão. A questão do posicionamento, não é que é obrigatório o menino usar azul e menina usar rosa. Ela marcou, sim, uma posição, usou a sua função, o prestígio de estar investida de um cargo para marcar uma posição que é afinada com a posição do Presidente, foi isso que ela fez. E aí gerou uma polémica, e eu entro nessas. Nessas, eu ‘tou em todas. Tentaram usar falas dela de quando ela ainda não era ministra e estava na igreja, coisas que ela falou para os fiéis e não falou para a nação. E então começou a covardia, e eu falei: “Ah, agora eu vou entrar, isso aí não”. Eu entendi o que ela quis falar e eles entenderam também, que não são bobinhos: essa foi a postura da Damares no combate à ideologia de género que estão tentando colocar para as nossas crianças na escola e isso é um ponto muito caro para nós. Sexualizar criança é uma das maiores covardias que se pode fazer, a criança tem proteção constitucional e até a nível de ónus, pertence aos pais, não é? A Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo 26, diz que pertence aos pais a tutela do ensino da criança. Essa questão é muito perigosa e nós não abrimos mão desse negócio.

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