www.publico.ptsao.jose.almeida@publico.pt - 17 nov. 07:36

Reabilitar a dignidade da soberania nacional

Reabilitar a dignidade da soberania nacional

Ficou transparente que é a hierarquia do Exército e por maioria de razão o CEME quem tem de garantir a fiscalização e salvaguarda do material militar.

Só há uma primeira oportunidade de causar boa impressão e João Gomes Cravinho conseguiu-o, na terça-feira, na sua primeira audição parlamentar como ministro da Defesa a propósito do Orçamento do Estado. Ainda que o motivo da ida do ministro à Assembleia da República fossem as contas públicas para as Forças Armadas, Gomes Cravinho acabou por transmitir uma imagem de autoridade, solidez e segurança ao ser questionado sobre um assunto paralelo que está na agenda político-institucional, em particular do Parlamento, com a posse da comissão de inquérito: o caso do roubo de armas no quartel de Tancos, em Junho de 2017.

A declaração mais significativa do novo ministro da Defesa prende-se precisamente com este caso e as suas consequências. Quando questionado pelo deputado do PSD Pedro Roque, Gomes Cravinho foi peremptório: “Não, as Forças Armadas não têm problemas de inventário.” E justificou a sua afirmação com o argumento de que lhe tinham sido dadas “todas as garantias de que precisava” sobre esse assunto pelo novo chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), Nunes da Fonseca. Refira-se que Nunes da Fonseca substituiu Rovisco Duarte, demitido por Gomes Cravinho quando tomou posse.

O ministro deixou claro que exerce a tutela política sobre o sector de que é responsável e que faz aos chefes militares as perguntas que tem de fazer. Mas ficou igualmente transparente que é a hierarquia do Exército e por maioria de razão o CEME quem tem de garantir a fiscalização e salvaguarda do material militar.

É evidente que o ministro não se limitou a deixar frente aos deputados esta afirmação que responsabiliza o Exército e o CEME. O caso de Tancos é o que é e salta aos olhos de qualquer pessoa que há incongruências entre as armas que foram roubadas e aquelas cuja devolução terá sido indiciada. Daí que Gomes Cravinho tenha referido que sobre Tancos “há efectivamente algumas informações contraditórias”, mas alegou as “limitações na elucidação total” que advêm da investigação judicial ao caso e do segredo de justiça.

O ministro iniciou esta semana visitas aos três ramos das Forças Armadas. Obedecendo à tradição, visitou primeiro a Marinha, na quarta-feira, deslocando-se ao paiol militar do Marco do Grilo. Na sexta-feira, foi a vez do Exército, visitando o Campo Militar de Santa Margarida, para onde foi transferindo parte do material que estava no paiol de Tancos assaltado. Mostrou assim que como responsável político está atento e respeita as Forças Armadas, procurando ajudar a ultrapassar o descrédito que se abateu sobre o Exército após o roubo das armas e o envolvimento da PJM na encenação da sua devolução.

Ainda esta semana tomou posse a comissão parlamentar de inquérito a Tancos. O momento foi marcado pela tentativa do PSD de implodir a comissão,

ao pôr em causa que o deputado do PS Filipe Neto Brandão presida aos trabalhos, uma vez que foi eleito pelo Parlamento para a comissão fiscalizadora dos Serviços de Informação da República (SIRP). Em causa está, segundo o PSD, um eventual conflito de interesses, já que a secretária-geral do SIRP pode vir a ser ouvida pela comissão de inquérito. A questão levantada pelo PSD não é inusitada, mas basta Neto Brandão fazer-se substituir como presidente da comissão no dia em que tal audição acontecer.

Quando o novo ministro da Defesa tenta reabilitar o prestígio das Forças Armadas, questão central em matéria de soberania nacional, e em que se aguarda o desfecho da investigação do Ministério Público sobre o roubo de armas e a encenação da sua entrega, é bom que a hierarquia militar tenha em conta a necessidade de ultrapassar a erosão de credibilidade a que se sujeitou quer com o assalto, quer com o encobrimento. Mas é também fundamental que a comissão parlamentar averigue se há, quais e de quem são as responsabilidades políticas. Será de lamentar se esta comissão for usada para alimentar a táctica de casos que tem contaminado a política portuguesa. Era bom que os deputados tentassem contribuir para a dignidade da soberania nacional.

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