observador.ptFilomena Martins - 19 out. 07:35

Pssst, pssst, dr. Costa. Houve um furacão no país

Pssst, pssst, dr. Costa. Houve um furacão no país

Para quem faz da descentralização uma bandeira, ignorar uma catástrofe no centro do país revela além da insensibilidade genética outra verdade: que tudo são promessas lançadas (literalmente) ao vento.

António Costa pode ser um génio político: conseguiu abafar o caso Tancos com uma grande remodelação surpresa no governo, chamando políticos da sua confiança para as legislativas que aí vêm. António Costa pode ser o rei do défice: conseguiu os números mais baixos da democracia, mesmo descontando que esse valor que ainda promete reduzir foi alcançado à conta de investimento zero e da degradação de serviços públicos como os da saúde ou dos transportes. Mas António Costa é também o rei da insensibilidade. E se alguém ainda tinha alguma dúvida sobre isso depois de o ter visto e ouvido o ano passado nos incêndios que deixaram mais de 110 mortos. Ou após aqueles declarações inenarráveis após o fogo de Monchique deste verão. Já ninguém pode questionar a frieza do primeiro-ministro face ao distanciamento que manteve este fim-de-semana sobre o furacão que devastou o centro do país.

Passou quase uma semana. Foi o maior furacão em 170 anos. Houve ventos recorde. Ainda há sítios sem electricidade. Locais que estiveram dias sem comunicações. Zonas completamente devastadas. Autarquias entregues a si próprias a limpar os estragos. Hospitais sem zonas a funcionar. Lojas e restaurantes fechados. Pessoas que perderam muitos dos seus bens, parte da sua vida. É verdade que não houve vítimas directas (as duas mortes foram consideradas indirectas). Mas houve 28 feridos. Mais de 60 desalojados. Prejuízos de 50 milhões de euros.

A dor de quem viveu aquela noite de desespero merecia pelo menos uma palavra de conforto. Passou por lá Marcelo, como de costume. O ministro da Administração Interna deu um saltito a Montemor-o-Velho. Mas António Costa não conseguiu ter tempo. Nem para viagens, nem para uma frase simpática. Para quem faz da descentralização uma bandeira, e está sempre a encher a boca com o palavrão, ignorar uma catástrofe no centro do país revela além da insensibilidade genética uma outra verdade: que tudo são promessas lançadas (literalmente) ao vento.

Alguém acredita que se o Leslie tivesse de facto entrado em terra em Lisboa (se as corrente quentes do Norte de África não o tivessem desviado a 100 km do Tejo mais para Norte), a capital teria ainda zonas sem luz? Ou que haveria ainda locais sem Internet ou rede de telemóvel? Ou que ainda veríamos camiões nas ruas a tirar terra, telhas e vidros partidos? Ou que estariam ainda estradas quase intransitáveis com árvores partidas e lama? Claro que não! Esta é a Lisboa do turismo em que o governo vai investir 110 milhões para ter a Web Summit por mais 10 anos.

Foi para os cidadãos de Lisboa que Fernando Medina permitiu que a EMEL acedesse à base de dados da Câmara (violando claramente a lei) e enviasse mensagens de alerta (apesar de alguns não as terem recebido e de outros as terem no telemóvel apenas com muitas horas de atraso). Foi para as lojas, cafés e restaurantes de Lisboa que a Protecção Civil emitiu avisos para que fechassem esplanadas e encerrassem se as condições piorassem. Foi em Lisboa que houve espectáculos adiados. Foi em Lisboa que a polícia estava na rua pronta a fechar a zona ribeirinha e a cortar o trânsito nas pontes.

Mas o que fez a Protecção Civil na zona Centro? Que meios accionou? Já há uma investigação às eventuais falhas que até levaram a uma demissão de um dos comandantes? Ou só porque não houve vítimas, já nada se coloca em causa desta vez? E porque não emitiu um despacho de alerta o Ministério da Administração Interna?

Enquanto se dedicava às manobras políticas, aos números e à distribuição de migalhas de maneira a tentar conservar confortavelmente o poder em 2019, Costa pôs Medina a evitar aquela que podia ser a sua terceira tragédia desta legislatura. Se o Leslie tivesse feito landfall em Lisboa, as contas podiam ter-lhe saído furadas. Como se desviou para uma zona com apenas um quarto dos eleitores, deixou toda a sua compaixão para os abraços que deu a Azeredo Lopes na hora da despedida. Afinal o ministro leva com ele o caso que estava a tornar-se um furacão assustador. E esse é que podia provocar os estragos que realmente o preocupam.

Só mais duas ou três coisas
  • Siza Vieira, o superministro, podia ser também o ministro das incompatibilidades. Agora sabe-se que a sua mulher é dirigente da Associação de Hotelaria, tutelada pela secretaria de Estado do Turismo do seu agora oficial ministério da Economia. Para seguir as regras da transparência, o melhor é passar o Turismo para outro qualquer ministério, como se fez com a energia…
  • A forma como o juiz Carlos Alexandre pôs em causa o sorteio do processo Marquês levanta muitas dúvidas. Não sobre este sorteio em si. Não sobre a opção deste caso ter recaído em Ivo Rosa. Mas sim por todos os mecanismos e todas as outras escolhas que já ocorreram até aqui. Há várias questões a rever. Porque há factores que podem influenciar o resultado final. E porque isso deixa todas as suspeitas no ar.
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