www.dinheirovivo.ptAna Rita Guerra - 18 set. 07:48

Apple assada, cozida e frita

Apple assada, cozida e frita

A opinião dos especialistas que escarnecem da Apple e bocejam perante qualquer produto da maçã não faz mossa à estratégia de Tim Cook

Às vezes dá para ver que nem os tubarões da Apple acreditam nas hipérboles que lhes saem da boca a cada apresentação de novos produtos. O evento mais importante do ano para a empresa começou e terminou sem um momento bombástico, daqueles que rebentam com o Twitter e vão para as fileiras de memes no Facebook. Se formos honestos, sabemos que a expectativa não era assim tão elevada. Já se sabia que o que vinha dentro daquela cartola num ano de inovação intercalar, depois do iPhone X em 2017, não era revolucionário.

O mais interessante em termos de hardware não foi o iPhone com esteróides nem a introdução de três modelos em vez de dois, mas sim as funcionalidades incríveis do novo Apple Watch Series 4. O relógio inteligente da marca está no terceiro ano de mercado e a anos-luz da concorrência, tanto em vendas como inovação. Fixem-se nisto: o Series 4 permite fazer electrocardiogramas a partir do pulso. É um salto tecnológico que vai tornar o gadget muito mais relevante na área onde realmente faz diferença, a saúde e a forma física. E traz um bónus para a marca: para muita gente, o Watch será a porta de entrada no ecossistema iOS.

Além do refrescamento no design e software, o Series 4 traz melhorias de hardware que o vão tornar realmente convidativo. É talvez o primeiro modelo do relógio que justifica o preço exorbitante (439 euros na loja online da Apple em Portugal), porque faz aquilo que nenhum outro dispositivo iOS pode fazer. Esse é um dos grandes problemas destes wearables, certo? Funcionarem como uma extensão do smartphone e do tablet, baseando a sua utilidade nas notificações (literalmente) mais à mão e na dobragem como pulseiras de fitness.

É isso que explica que o mercado nunca tenha levantado voo como os analistas previam e tantas marcas tenham tentado e falhado. Aliás, a IDC prevê um abrandamento sério das vendas para este ano, o primeiro em que a subida será de apenas um dígito – mas não para a Apple. Embora Tim Cook tenha decidido não revelar números de vendas, o Watch é o wearable mais reconhecido e o relógio inteligente mais vendido do mercado, com 3,5 milhões de unidades no segundo trimestre (dados da Canalys, não da Apple). A chegada do Series 4 com electrocardiograma aprovado pela Federal Drug Administration e consequente redução dos preços do Series 3 deverá garantir um volume de vendas mais que saudável no trimestre do Natal. Quem diria que esta ia ser a surpresa do evento de Setembro?

O elemento relevante do sucesso do Watch, que se prevê solidificar com esta adição, é que funcionará como apresentação do ecossistema Apple a muitos consumidores que não têm iPhones nem iPads – da mesma forma que os iPods apresentaram a marca aos utilizadores de Windows nos idos da década de 2000.

É um momento verdadeiramente interessante para a empresa. As vendas de iPhones têm crescido muito pouco de trimestre para trimestre, mas a rentabilidade do smartphone rebentou a escala. Mea culpa: não acreditei que a estratégia de preços inflacionados com o iPhone X funcionasse, mas os números provaram que estava errada. Daí esta fornada de três novos modelos vir com preços ainda mais incríveis, sem que o mercado tema uma derrocada dos lucros. Isto apesar de os consumidores não terem ficado impressionados com o alinhamento, que parece mais do mesmo por mais dinheiro: uma análise do sentimento dos utilizadores do Twitter no rescaldo da apresentação, feito pela LikeFolio, mostra uma recepção fria aos novos iPhones e baixo nível de intenção de aquisição. Mais baixo que nos outros lançamentos, o que indicia que não haverá grandes filas à porta das lojas nem recordes de vendas.

Tim Cook já contará com isso, e parece que não se importa. A sua estratégia tem funcionado. A Apple vale mais de um bilião de dólares e bate recordes de lucros mesmo quando as vendas unitárias pouco crescem. Mais: Cook percebeu as vantagens de ter um portfólio que seduz os consumidores em várias frentes e lhes dá a oportunidade de serem assinantes, em vez de compradores avulsos. A subida das receitas de serviços e do número de subscritores, bem como os que todos os anos trocam de iPhone para o último modelo, comprova isso.

Como tal, a opinião dos especialistas que escarnecem da Apple em todas as apresentações e bocejam perante qualquer tipo de produto da maçã, repetindo no megafone das redes sociais que tal e tal empresa “já tem” ou “já fez isso” não faz mossa. Nunca é demais relembrar que o iOS é o último reduto de resistência ao domínio total do Android, nem que a Apple continua a ser a referência do mercado (pensem na “monocelha” do iPhone X).

Para gáudio dos fãs e escárnio dos críticos, a verdade é que existe uma grande fatia de utilizadores que continuará a consumir Apple em qualquer ocasião, seja ela assada, cozida ou frita.

NewsItem [
pubDate=2018-09-18 08:48:26.0
, url=https://www.dinheirovivo.pt/outras/apple-assada-cozida-e-frita/
, host=www.dinheirovivo.pt
, wordCount=816
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2018_09_18_503883855_apple-assada-cozida-e-frita
, topics=[opinião, economia]
, sections=[opiniao, economia]
, score=0.000000]