observador.ptRui Ramos - 19 set. 00:34

Uma crise que esconde outra

Uma crise que esconde outra

Não foi o colapso do Lehman Brothers em 2008, mas o colapso das fronteiras em 2015 que provocou a verdadeira crise contemporânea.

A 15 de Setembro, fez dez anos que os empregados do banco Lehman Brothers limparam as secretárias. Tem sido fácil, desde então, simplificar a história: a maneira mais corrente é ver só a ganância dos banqueiros. Mas no princípio desde século, a banca também correspondeu ao interesse dos governos em prolongar artificialmente os bons tempos, à força de crédito arriscado. A partir de 2006, quando o petróleo atingiu valores históricos, os bancos centrais recearam a inflação, e, através de puxões dos juros, fizeram ruir a casa. Mas a era da “austeridade” depressa se tornou a era da criação de dinheiro barato, o que explica a nova euforia das bolsas e do imobiliário. Nada disso, porém, abalou os regimes ocidentais. As populações baixaram simplesmente as suas expectativas. A não ser na Grécia, a Grande Recessão fez apenas rodar no poder os partidos do costume, como em Portugal.

A crise que finalmente abalou os regimes políticos veio já quando o desemprego começava a descer. Resultou de outra decisão das elites ocidentais: a de compensar o recuo populacional com a importação em grande escala de mão de obra barata. No Verão de 2015, o afluxo ilegal de migrantes, a coberto do estatuto de “refugiado”, foi o momento Lehman Brothers dessa política demográfica clandestina. O problema não foi tanto a imigração em si, mas o descontrole e sobretudo a incapacidade de “integrar”: a este respeito, o fundamentalismo islâmico tornou apenas mais evidente o fracasso da última ilusão neo-colonial, a de que a Europa pode tornar europeu quem quer que seja. Tornou-se difícil esconder o risco de este tipo de imigração ilegal e caótica servir sobretudo para o Ocidente importar os problemas do resto do mundo. É isso, e não a Grande Recessão, que explica o Brexit no Reino Unido, um demagogo como Trump nos EUA, Salvini em Itália, Kurz na Áustria, os Democratas Suecos, Le Pen em França, ou Geert Wilders na Holanda.

É costume atribuir o sucesso dos chamados “populistas” à “ignorância” e ao “preconceito” do “povo”. Talvez fosse mais exacto, porém, admitir que os eleitores de Salvini ou dos Democratas Suecos sabem o que têm a perder. Ao declarar que os Estados são apenas uma espécie de aeroportos internacionais onde as pessoas passam sem nada precisarem de ter em comum, as velhas elites políticas ocidentais começaram a abandonar o “povo”, que por sua vez começou a abandonar as velhas elites. Não é difícil de compreender.

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