observador.ptLuís Rosa - 20 ago. 11:02

Os neo-comunistas do Bloco de Esquerda

Os neo-comunistas do Bloco de Esquerda

Ninguém tem o direito de impedir outro cidadão de exprimir o seu ponto de vista. Chama-se a isso liberdade de expressão -- e tem protegido o BE de muitos disparates que vai dizendo.

1. Se há algo que este Verão nos trouxe foi o fim do ‘lado bonzinho’ do Bloco de Esquerda (BE) — o partido bom que só luta contra os porcos capitalistas (praticamente todos os cidadãos que detém algo) que exploram sadicamente os portugueses e o Estado. E o fim da forma benevolente com que a comunicação social sempre olhou para um partido que tem na sua origem alguns dos partidos mais extremistas e radicais que alguma vez foram criados durante o Portugal democrático: o Partido Socialista Revolucionário (PSR) e a União Democrática Popular (UDP).

O escrutínio jornalístico do caso Robles — o primeiro escrutínio a sério que alguma vez foi feito ao Bloco — expôs até à exaustão a hipocrisia política de um dos seus mais importantes dirigentes. Mas também expôs outras características de um projeto político que é muito mais banal do que a propaganda bloquista quer fazer crer.

2. O populismo. A principal bandeira eleitoral de Ricardo Robles passou por transformar a lei de liberalização do mercado de arrendamento aprovada em 2012 pelo governo Passos Coelho numa espécie de expulsão em massa de idosos e de jovens dos centros de Lisboa e do Porto. Ignorando a desertificação daqueles centros urbanos que começaram há mais 20 de anos ou o grau de degradação do edificado por falta de actualização das rendas, ignorando ainda a proteção que a lei actual dá aos idosos com mais de 65 anos, o BE (tal como o PCP) conseguiu criar, com a ajuda dos media, uma realidade paralela com casos de despejo alegadamente ilegais que são claramente minoritários — e não uma realidade paradigmática.

A queda de Robles devido aos seus fantásticos investimentos imobiliários promovidos pela lei de liberalização do mercado que o Bloco de Esquerda tanto contesta, acabou por expôr a falta de credibilidade das críticas populistas do Bloco.

Precisamente para contornar o mais depressa possível os efeitos nocivos do caso Robles, o Bloco tem andado numa roda vida para inventar novas causas. O último devaneio populista do Bloco foi apresentada pelo deputado José Soeiro e pretende penalizar as empresas privadas com maior discrepância salarial desde que tenham mais de 10 funcionários. Cá está mais uma proposta ‘boazinha’ que ninguém deve discordar à partida, pois já se sabe que os malandros dos gestores capitalistas são gananciosos por natureza e só se preocupam com os seus salários principescos.

Os problemas da proposta do Bloco são vários:

  • O que tem o Bloco de Esquerda a ver com os salários que são propostos, aprovados, aplicados e financiados por acionistas privados?
  • Porque razão o Estado deve meter o nariz na livre iniciativa privada?
  • Não é inconstitucional discriminar empresas privadas com base em pressupostos que dependem exclusivamente de acordos salariais estabelecidos entre privados dentro da lei?

Uma questão é o Estado obrigar as empresas de grande dimensão a divulgarem os salários para uma melhor informação dos trabalhadores, de forma a que estes possam tomar uma decisão consciente sobre aceitam as condições salariais ou voltam a entrar no mercado de trabalho. Outro ponto é penalizar as empresas que têm uma determinada política salarial definida pelos seus proprietários.

A questão está precisamente no verdadeiro objetivo da proposta: controlar a iniciativa privada e condicionar a vida das empresas para recolher influência no mundo sindical.

4. A hipocrisia e a intolerância. Diz a propaganda que o Bloco luta contra as desigualdades naturais da economia de mercado, defendendo os trabalhadores e os pobres contra as multinacionais e os poderosos. Na realidade, esta é uma pura e simples técnica de marketing para esconder aquilo que o BE sempre foi para a maioria dos membros das suas duas tendências principais (“Socialismo” e “Esquerda Alternativa”): marxista. De facto, neo-comunistas é a melhor designação que pode ser dada ao BE.

Isto é, lutam, como sempre lutaram, contra o sistema capitalista — são mesmo anti-capitalistas. Os neo-comunistas desprezam a livre iniciativa privada e a concorrência entre as empresas e os cidadãos, abominam o direito de propriedade e a liberdade económica em geral formada pelas regras de mercado, ignoram o desenvolvimento social e económico, e respetiva distribuição de riqueza, que o sistema capitalista proporcionou a Portugal e ao Mundo nos últimos 50 anos e querem terminar com duas das melhores experiências da Europa do pós-guerra: a NATO e a União Europeia.

A hipocrisia política deriva do facto de muitos destes bloquistas não passarem de filhos e netos de bons burgueses — a classe social que os marxistas tanto desprezam. Ao contrário do Partido Comunista Português, que tem uma história de inclusão de verdadeiros operários e camponeses, o Bloco é um partido essencialmente urbano (Lisboa e Porto) constituído pelos diferentes escalões das profissões liberais (economistas, médicos, juristas, professores, etc.) que estão bem instaladas na vida. Beneficiam, como Ricardo Robles beneficiou, das (inúmeras) virtualidades económicas do capitalismo mas querem destrui-lo — provavelmente, preservando a respetiva riqueza individual, como os dirigentes do Bloco de Leste faziam.

5. Para um bom marxista, as liberdades individuais (como a liberdade de expressão, por exemplo) são sempre acessórias e utilitárias face às necessidades superiores do colectivo. A censura que Catarina Martins fez à vinda de Marine Le Pen à Web Summit voltou a demonstrar isso mesmo, já que o Bloco entende que o direito à liberdade de expressão pode e deve ser limitado quando as ideias expressas não são do seu agrado.

Catarina Martins quer fazer do Bloco do Esquerda o censor autorizado do regime — uma espécie de controladeira de braçadeira vermelha no braço que autoriza quem pode falar e quem não pode falar. Na prática, corresponde ao que Marine Le Pen gostaria de fazer em França. Por isso mesmo são duas faces da mesma moeda: a da intolerância.

Mas mesmo assim, e este é um ponto a favor da superioridade moral da democracia e do capitalismo, numa democracia digna desse nome, ninguém, muito menos um líder partidário, tem o direito de impedir outro cidadão de expressar o seu ponto de vista. Mesmo que seja um ponto de vista errado, por ser racista ou xenófobo. Chama-se a isso liberdade de expressão — e não só é um direito que é regulado pelos tribunais em caso de violação da lei, como tem protegido o Bloco de Esquerda de muitos disparates que vai dizendo.

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