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Sines quer apanhar a onda crescente do gás norte-americano

Sines quer apanhar a onda crescente do gás norte-americano

Os EUA chegaram à liderança na produção de gás natural, mas estão de costas viradas à China. Portugal pode ser a porta de entrada para a Europa.

O gás natural ganha cada vez mais peso no panorama energético global, sendo um mercado que passa por uma fase de fortes transições. Os EUA chegaram à posição de maiores produtores do mundo e a China caminha para o lugar de maior consumidor. No meio, a Europa procura alianças para alimentar a crescente procura e Portugal pode ser um ponto de entrada atrativo para escoar o gás natural liquefeito (LNG)_norte-americano no mercado europeu.

A procura global por gás natural deverá crescer 1,6% ao ano, entre 2018 e 2023, de acordo com a estimativa da Agência Internacional de Energia (AIE). Deverá chegar aos 4.100 mil milhões de metros cúbicos dentro de cinco anos, face aos 3.740 mil milhões do ano passado. Este é, no entanto, um mercado não só em crescimento, mas também em mudança.

“A emergência dos Estados Unidos enquanto exportador global desafia as características tradicionais do comércio de LNG”, explica o relatório anual da AIE, publicado esta semana.

“O LNG parece ser o maior condutor do crescimento do comércio inter-regional de gás natural, sustentando por uma forte expansão da capacidade de exportação”, diz a agência, que aponta para uma onda de novos projetos que irão aumentar a capacidade deste tipo de gás em 30% até 2023.

Há uma década, a ideia prevalecente no setor era que a base de oferta dos EUA estava a ficar esgotada e que o país iria tornar-se num importador. O momento de viragem deu-se em 2007 com a ascensão da exploração de xisto betuminoso, mais barato que a matéria-prima importada. Não só a previsão não se concretizou, como a situação foi inversa. A tendência deverá continuar graças a uma administração com planos ambiciosos, incluindo um programa energético focado no desenvolvimento das capacidades domésticas e que rejeita preocupações ambientais.

Na abertura do Congresso Mundial do Gás, que decorre em Washington, o secretário de Estado da Energia norte-americano, Rick Perry, defendeu que é necessário “honrar o direito da nação a usar responsavelmente todas as formas de combustível à sua disposição”, lembrando que petróleo, gás e carvão ainda vão representar três quartos da energia do mundo dentro de duas décadas.

A estimativa da consultora Markit é que a produção dos EUA suba 10% este ano e 60% nos próximos 20 anos. “O consumo de gás natural no mundo tem vindo a crescer nas últimas décadas, com a China a registar uma expansão significativa. Esperamos que a oferta tende a aumentar, acompanhando o previsível crescimento da procura, com os EUA, Rússia, Austrália, Golfo Pérsico, mas também Moçambique, a serem os principais drivers em termos produção de gás natural”, explicou Carlos Jesus, diretor adjunto do Caixa BI.

Portugal pronto a receber  gás norte-americano

Os Estados Unidos não deverão ter problemas em escoar stocks “devido à sua condição de maior produtor mundial e com isso poderem ser competitivos nos preços”, segundo Alfredo Sousa, trader do Banco Best.

A posição dos EUA é ajudada, por um lado, pelas estratégias de outros produtores: a maioria do aumento na produção de gás de outras grandes regiões, como o Médio Oriente, China e Egito, é dedicado a mercados domésticos. E, por outro, pela situação de escassez da Europa.

O défice de oferta doméstica na Europa aumenta com o progressivo esgotamento da produção no Mar do Norte e a redução gradual do campo holandês de Groningen que vai ser fechado em 2030, impondo necessidades adicionais importações de LNG para reduzir o diferencial, refere a AIE.

“A Europa tem três grandes rotas de importação de gás por gasoduto: Rússia, Mar do Norte e Norte de África. Espera-se que a Europa possa também apostar no aumento das importações de gás liquefeito, diminuindo a dependência do continente ao gás russo. Novas descobertas de gás no Leste do Mediterrâneo podem também aumentar o leque de possibilidades de importação de gás”, explica Jesus, do Caixa BI.

É neste cenário que Portugal se apresenta como posição privilegiada. “O porto de Sines é atualmente o único em condições de receber LNG em Portugal, contra os sete portos espanhóis. A sua localização poderá ser fator determinante caso seja alvo de aumento de capacidade visto estar abaixo da média dos portos espanhóis”, sublinha Sousa, do Best.

O porto de águas profundas de Sines dispõe de uma enorme vantagem competitiva. Tem uma localização central por onde passam as principais rotas de navegação marítima globais e o Governo quer aproveitá-la para atrair o gás norte-americano.

No início do mês, o primeiro-ministro, António Costa, referiu que a energia é uma das áreas de cooperação estratégica entre os EUA e Portugal. “Há uma área absolutamente estratégica não só para Portugal como para o conjunto da UE, e onde a articulação com os EUA é fundamental e onde Portugal pode desempenhar um papel central e que tem a ver com o reforço da autonomia e da segurança energética da Europa”.

António Costa frisou que o porto de Sines é o que está mais próximo do cruzamento das três mais importantes rotas marítimas do mundo: a rota do Cabo, a rota do Mediterrâneo e as rotas transatlânticas.

“É um porto que tem condições excepcionais para receber, seja para trans-shipping ou outras formas de distribuição, o gás natural liquefeito dos Estados Unidos”, acrescentou, recordando que em 2016, o porto de Sines foi o primeiro a receber um navio com LNG proveniente dos EUA.

Alemanha vira-se para a Rússia

Os EUA têm, no entanto, dois problemas pela frente na luta pelo mercado europeu. Por um lado, a deterioração das relações internacionais entre regiões, exacerbada por guerras comerciais e reações inesperadas do presidente Donald Trump (como aconteceu no G7). Por outro, a Rússia está à procura de diversificar saídas para as exportações através de novas infra-estruturas.

Vladimir Putin festejou, no início do mês, 50 anos de exportação de gás para a Europa, dias depois de a maior exportadora de gás russa, a Gazprom, ter chegado a um acordo com a União Europeia, que pôs fim a uma disputa de sete anos sobre preços e irá permitir à empresa aumenta quota de mercado.

O poder da Gazprom na Europa poderá, efetivamente, ficar reforçado quando o novo gasoduto Nord Stream 2 for concluído. Contra a vontade dos EUA, o projeto de construção de uma nova ligação entre Rússia e a Europa está a avançar, depois de terem sido concedidas licenças de construção por parte da Alemanha e Finlândia. Ao longo do verão, começará a ser construído o gasoduto com 1.220 quilómetros, que irá envolver um investimento de 9,5 mil milhões de euros e vai tirar à Ucrânia a posição de ponte entre Rússia e Europa.

“A instalação de um novo pipeline russo, Nord Stream 2, não passando pela Ucrânia, permitirá à Rússia não estar dependente do atual conflito criado pela anexação da Crimeia e permitir aumentar as exportações para o centro da Europa, criando alternativas ao gás norte-americano ou do norte de África. Desta forma será mais um grande fornecedor e permitir nivelar os preços de mercado”, considera o trader do Banco Best.

O outlook da AIE para os preços do gás natural norte-americano é de um ligeiro aumento, passando de cerca de 2,99 dólares em 2018 para cerca de 3,08 dólares em 2019. O valor fica ainda assim abaixo dos 7,35 em que negoceia o gás britânico ou dos 9,40 do asiático e a expetativa do mercado é que o aumento da produção de LNG cause uma aproximação dos preços.

“Neste momento existem pelo menos três zona de pricing de gás natural que são, por natureza, regionais: Europa, EUA e Ásia. Com o aumento da capacidade de liquefação de gás antecipa-se uma gradual convergência dos vários benchmarks de preço de gás”, acrescentou o diretor adjunto do Caixa BI.

Artigo publicado originalmente na edição imprensa de 29 de junho de 2018 do Jornal Económico

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