tribunaexpresso.pttribunaexpresso.pt - 18 jul. 20:00

Goleiro gato, o guarda-redes mais caro de sempre

Goleiro gato, o guarda-redes mais caro de sempre

O Liverpool pagou 75 milhões de euros à AS Roma para ter o defensor de balizas a quem os brasileiros gabam o lado estético e discutem o que se passa com a sua cara. Alisson Becker é o titular da seleção do Brasil e custou mais 20 milhões do que a quantia que a Juventus pagou por Buffon, há 17 anos. De repente, o mesmo país fica com duas das três transferências de guarda-redes mais caras de sempre e, de longe, com o mais caro do mundo

O pai fazia moldes de sapatos e era mais um em Novo Hamburgo, uma pequena cidade sapateira, a uns 50 quilómetros da grande Porto Alegre. O tio Paulo, de igual profissão, mais virado estava para moldar chuteiras artesanais, moldava-as aos pés de quem na família jogava futebol, na relva, dedicando-se a algo distinto do costumeiro naquele lugar, embora não de forma diferente do habitual para os Beckers.

O progenitor sempre preferiu o sítio que a maioria das crianças cresce a evitar e punha, e põe, luvas nas mãos para todo o jogo que faça com amigos. Também a mãe foi protetora de balizas, embora com as mãos despidas, no andebol, durante muitos anos. E o irmão é já gastava as palmas e os punhos ainda ele aprendia o que era caminhar com os pés.

Era quase inevitável que a vida de Alisson viesse a ser delimitada por 2,44 metros de largura e 7,32 ao comprido.

A genética familiar encaminhou-o para as balizas e o ácido desoxirribonucleico, vulgo ADN, deu-lhe as condições que foi aprimorando para justificar que cheguemos ao dia em que um clube pague 75 milhões de euros para as ter sãs, e a salvarem a sua baliza. O Liverpool esbanjou uma quantia que daria para comprar dois exemplares de Gianluigi Buffon, anos atrás na inflação, para ter um guarda-redes que é ágil de movimentos, expansivo em envergadura e explosivo nos movimentos reativos para atacar espaços, na baliza.

Alisson já era assim quando chegou à formação do Internacional de Porto Alegre. Cresceu rápido e a agigantar-se, parador vistoso por estar mais no sítio certo, do que em descolar em voos espalhafatosos para acertar um desadequado posicionamento na baliza. Essa queda para estar no lugar certo cedo o ascendeu à primeira equipa do Internacional.

Onde se encontrou com Muriel, o irmão.

Alisson já tinha fama de falhar pouco e, se falhasse, era um rapaz que aprendera a manter a cabeça no sítio. “Tinha um treinador que me dizia que a diferença de um grande guarda-redes, para um pequeno, é que os dois falham, mas o grande assimila melhor a falha. Não se abate. Esse é o segredo”, explicou, há meses, ao “Folha de São Paulo”. E quando o corpo falhou ao mano com uma lesão, ele aproveitou.

Triste ficou com o infortúnio do Becker mais velho, mas o que fez na baliza do clube não mais o fizeram regressar ao banco. Alisson jogou e parou bolas e conquistou quatro campeonatos estaduais, o último em 2016. O jogo serviu de despedida para um homem de 23 anos que se despediu com a braçadeira, um discurso no balneário e o prolongamento de uma despedida, no relvado, sentado e encostado a um dos postes, choroso e a dar festas na relva.

Chris Brunskill Ltd

Viajou para Roma e ultrapassou, sentado, uma primeira época que lhe foi custosa. Raramente jogou e viu sempre como o polaco Wojciech Szczęsny tinha a preferência do treinador, o que não lhe custou o lugar na seleção brasileiro, mesmo com o avolumar de críticas à aposta que se mantinha num tipo com qualidade, mas sem minutos em campo.

Virou a temporada, novo treinador e as luvas não saíram das mãos de Alisson. Em muitos dos resumos de vitórias ou derrotas, quase não importava o resultado, surgia o brasileiro nos melhores momentos, constante e mural na baliza, a erguer-se perante bolas rivais, no caminho que levou a AS Roma ao terceiro lugar na Série A e às meias-finais da Liga dos Campeões.

Onde o brasileiro, dizem-nos as estatísticas da Squawka, foi o guarda-redes que mais remates (66) feitos na área defendeu, em Itália, e quem, pelo menos, mais 14 bolas parou na maior competição europeia do que outro qualquer guardião.

Um guarda-redes é tão espetacular quanto mais inesperadas forem as façanhas que logra, quando tudo já parece indefensável. Ele é “tremendamente forte, tem coordenação e um posicionamento magnífico”, elogiou Dino Zoff, o mais velho dos paradores de remates a jogar um Mundial, em 1982. E o que “mais choca é a forma como lida tão eficientemente com situações de perigo”, já chegou a dizer Gianluigi Buffon, sobre ele.

Os 1,92 metros de destreza e fiabilidade guardiã de Alisson, combinados à limpa saída de bola que tem no jogo de pés - que quase desvalorizaram o melhor argumento que Ederson Moraes tinha para o destronar, na seleção - pasmaram a Série A e sustentaram o Brasil, no Campeonato do Mundo, até aos quartos-de-final.

ADRIAN DENNIS

E, no meio da esperança ressuscitada de um povo cronicamente expectante em ganhar, de novo fervilhante em otimismo, os brasileiros olharam para o guarda-redes alto, forte, simpático e de olho azul e valorizaram-lhe o lado estético. Chamaram-lhe o “goleiro gato” e falaram com especialistas dermatológicos para publicarem textos sobre a vermelhidão que passa por acne, na cara de Alisson, e que na verdade é rosácea.

Vermelho passará Alisson a vestir no Liverpool, equipa há muito a cambalear lá atrás, com guarda-redes bons, mas não geniais, suscetíveis de errarem com uma periodicidade que nunca lhes calhou bem - como as descomunais falhas na final da Champions que condenaram Loris Karius diante da maior audiência possível.

A exorbitância de gastar 75 milhões de euros num guarda-redes, um negócio por demais inflacionado, por maior que seja a qualidade do brasileiro, pretende garantir a segurança num posto que muito tem falhado no Liverpool. A aposta nessa garantia que tantos pontos pode assegurar como um avançado que castiga a baliza rival custa mais 22 milhões de euros que Buffon, em 2001, e quase o dobro do que o Benfica recebeu por Ederson, o ano passado.

São milionários zeros e euros pagos por um brasileiro que tem como apelido o nome de um faraó egipcío, mas sem acento, que a história guarda como rico e opulento. Alisson Ramses Becker já está revestido em ouro - e das expetativas que o preço lhe cola.

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