www.sabado.ptFlash - 17 jul. 09:00

Alta e Baixa Cultura

Alta e Baixa Cultura

Por uma questão de higiene artística, desconfiem sempre dos títulos escolhidos para integrar qualquer lista de Os Livros da Minha Vida ou de Os Filmes Que Mais Me Marcaram.

Se bem que o Verão tenha sido adiado até 2020 - sai amanhã em Diário da República -, a imprensa, portuguesa como internacional, apresta-se a plasmar em questionários de Proust, interrogatórios de escolhas, entrevistas falsamente blasées e selecções de críticos licenciosos (como este que vos escreve) o desfile de gostos altissimamente indisputáveis, inscritos a cinzel no marmóreo cânone, dos melhores livros, filmes, discos, quadros, graphic novels e revistas de bordados que a Humanidade alguma vez produziu. Período melhor do que o equinócio para esta orgia cultural, só mesmo o fim de cada ano, com o best of dos 12 meses anteriores, onde nunca falta a última média-metragem de Apichatpong Weerasethakul ou o septuagésimo nono volume da autópsia autobiográfica do burnout de Karl Ove Knausgaard.

Já repararam que, quando um membro encartado da Alta Cultura é convidado para tecer uma lista sobre os seus livros favoritos ou os seus filmes predilectos, jamais esse figuraço menciona livros ou filmes que não tenham sido benzidos por Harold Bloom, James Wood, Richard Brody, Serge Kaganski ou um casal de pós-estruturalistas do Marais?

Qual foi a última vez que viu ou ouviu um reverberador (pensador é outra coisa; esses nascem em Vinhais, Amarante, Reguengos e movem-se pela sombra ajuizada dos seus bairros suburbanos ou pela frescura beneditina das suas pequenas casas de campo, longe das praias da moda e dos cibercafés) desnudar as preferências elevadas de Baixa/Chiado, em publicação nascida para épater le bourgeois, e falhar, uma vez que fosse, no seu apetitoso bom gosto? Aí não verão romances "populares" ou um Leo McCarey, um Mitchell Leisen - génio cuja especialidade eram melodramas femininos, coisa menor - ou, vade-retro-benzemo-nos, um Sidney Lumet. Pois eu, crítico de cinema desde 1900 e troca o passo e autor ora sofrivelmente bem-sucedido, ora misterioso como os soldados desaparecidos em combate, declaro que As Mulherzinhas de Mary-Louise Alcott me marcou tanto como A História Universal da Infâmia, e que tenho igual prazer no visionamento do Nostalgia do Tarkovsky ou no do O Último dos Moicanos de Michael Mann. Excepto as de David Thomson ou as de Umberto Eco, não acreditem em qualquer lista a desfolhar este Verão. Elas não foram feitas para o vosso ímpar desfrute, foram feitas para o reconhecimento inter pares. Recusem pois a bandeira verde que vos tentam impingir no acesso à praia da imaginação, ignorem as bandeiras vermelhas que vos proíbem o olhar e mergulhem no desconhecido. Splash.

Santos e...

Fernando, santo de credo e apelido, já foi crucificado mais vezes na última semana, por artigo de imprensa, comentário televisivo, post, tweet, #instastory ou insulto espontâneo do vizinho, do que (Jorge) Jesus após a retirada/expulsão do Benfica. É verdade que a táctica e o sistema da equipa portuguesa durante o Mundial raramente foi a melhor. E houve jogadores em subprodução digna de um Eliseu (Raphael Guerreiro, João Mário, Bernardo, Gonçalo, André Silva; a lista é longa como a estupidez de Maradona). Mas o torneio teve o "resultadismo" - a palavra, fictícia, é uma homenagem aos caracóis rebeldes de Rui Santos - como modelo dominante, entre eliminações precoces de Alemanha, Espanha, Argentina ou Brasil. E depois o burro é ele?

...Pecadores

Jerónimo, acrónimo de anacronismo, o bailarino impassível, relator de páginas da História que apenas para ele e para o PCP se mantêm lineares, prepara-se para fazer implodir a geringonça com a sua intransigência face a um pacote laboral mais justo e "à esquerda". Se o BE lhe seguir as pegadas de elefante na votação de cristal do próximo orçamento, será uma tentativa alucinada de eutanásia mútua, capaz de deixar os dois partidos em coma por muitos e bons anos.

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