www.jornaldenegocios.ptHarold James - 22 mai. 14:00

Dez lições de Weimar

Dez lições de Weimar

Insegurança económica e dificuldades convencem as pessoas de que qualquer regime deve ser melhor do que o actual. Esta é uma lição óbvia não apenas dos anos de Weimar, mas também de um grande corpo de investigação sobre a lógica económica da democracia.

Desde o estabelecimento da República Federal da Alemanha, em 1949, que os alemães olham com angústia para o colapso da República de Weimar no início da década de 1930 e a ascensão do nazismo. Mas numa altura em que muitas das democracias do mundo estão sob crescente tensão e em que o autoritarismo está a aumentar, as lições desse período também deveriam ser consideradas noutros lugares.

Comecemos com o facto de os choques económicos - por exemplo, espirais inflacionistas, depressões e crises bancárias - serem desafios para todos os governos, em todos os lugares e sempre.

Uma segunda lição chave é que, sob condições económicas extremas, a representação proporcional (RP) pode piorar as coisas. Quando a política de um país está fragmentada, é mais provável que a RP ofereça uma maioria eleitoral incoerente, geralmente composta por partidos da extrema esquerda e extrema direita que querem rejeitar "o sistema", mas que não divergem em muito mais do que isso.

Juntas, essas duas lições constituem a visão convencional entre os cientistas políticos sobre a experiência de Weimar. Muitas vezes, porém, cada lição é considerada isoladamente, levando a um perigoso senso de complacência. O primeiro argumento leva as pessoas a pensar que apenas uma crise económica extrema pode ameaçar o sistema político; o segundo leva as pessoas a assumir - incorrectamente - que sistemas não-PR são inerentemente mais robustos.

Para evitar a complacência, é importante considerar outras oito lições da era de Weimar. Primeiro, os referendos são perigosos, especialmente quando são usados com muito pouca frequência e o eleitorado tem pouca experiência com eles. Na República de Weimar, os Nacional Socialistas haviam praticamente desaparecido em 1929. Mas naquele ano, o partido conseguiu reestabelecer-se fazendo campanha num referendo sobre reparações da Primeira Guerra Mundial.

Segundo, dissolver prematuramente os parlamentos quando a lei não o exige é arriscado, para dizer o mínimo. Mesmo um voto que cria a base para novas eleições pode ser interpretado como uma admissão de que a democracia falhou. Em Julho de 1932, os nazis ganharam a maior parte dos votos (37%) numa eleição livre, mas legalmente desnecessária. As eleições anteriores haviam sido realizadas menos de dois anos antes, e não era suposto haver outras até 1934.

Terceiro, as constituições não protegem necessariamente o sistema. A constituição de Weimar, projectada por alguns dos especialistas mais perspicazes e ��ticos da altura (incluindo Max Weber), era quase perfeita. Mas quando eventos imprevistos - sejam dramas de política externa ou distúrbios domésticos - são interpretados como emergências que exigem um quadro extra-legal, as protecções constitucionais podem ser corroídas rapidamente. E os inimigos da democracia podem fomentar esse tipo de eventos. Da mesma forma, uma quarta lição é que os lobistas empresariais podem desempenhar um papel nefasto nos bastidores minando o acordo entre as facções parlamentares.

Quinto, uma cultura política na qual os líderes demonizam os seus opositores corrói a democracia. Na República de Weimar, esse padrão começou antes de os nazis se tornarem uma força significativa. Em 1922, o ministro dos Negócios Estrangeiros Walther Rathenau foi assassinado, depois de ter sido sujeito a uma campanha intensa e muitas vezes anti-semita de ódio por parte da direita nacionalista. Logo depois, o chanceler Joseph Wirth, um católico de centro-esquerda, voltou-se para os partidos de direita no parlamento e disse: "Democracia - sim, mas não o tipo de democracia que bate na mesa e diz: agora estamos no poder!" Ele concluiu a sua admoestação declarando que "o inimigo está à direita" - uma afirmação que acabou apenas por inflamar ainda mais as chamas do tribalismo.

Sexto, a família do presidente pode ser perigosa. Em Weimar, o velho marechal Paul von Hindenburg foi eleito presidente em 1925 e reeleito em 1932. Mas no início da década de 1930, após vários pequenos derrames, sofria de demência, e o seu filho fraco e incapaz, Oskar, controlava todos os acessos a ele. O resultado foi que acabou por ir assinando todos os acordos que lhe eram apresentados.

Sétimo, um grupo insurgente não precisa de ter uma maioria geral para controlar a política, mesmo num sistema de RP. A maior percentagem de votos que os nazis alguma vez alcançaram foi de 37%, em Julho de 1932; noutras eleições realizadas em Novembro, o apoio caiu para 33%. Infelizmente, esse declínio levou outras partidos a subestimarem os nazis e a considerá-los como um possível parceiro de coligação.

Oitavo, os que estão no poder podem sobreviver comprando uma população descontente por algum tempo, mas não para sempre. Na era de Weimar, o Estado alemão garantia habitações municipais generosas, subsídios agrícolas e industriais e muitos serviços públicos; mas financiou os gastos com dívidas.

Inicialmente, a República de Weimar parecia ter uma economia milagrosa. Foi só mais tarde que a política alemã azedou, enquanto o governo procurava apoio estrangeiro. Outros países acharam difícil acreditar nas advertências do governo de que, sem uma assistência rápida, ocorreria uma catástrofe política. E teria sido ainda mais difícil convencer os seus próprios eleitorados a resgatarem a Alemanha.

Costuma-se assumir que os países com sistemas eleitorais maioritários, como o dos Estados Unidos ou do Reino Unido, são mais resistentes do que os países com sistemas de RP. Afinal, as democracias dos Estados Unidos e do Reino Unido são mais antigas, com culturas de civilidade política mais arraigadas.

Na verdade, porém, esses sistemas ainda podem tornar-se vulneráveis com o tempo. Por exemplo, a medida em que a economia de um país depende de poupanças externas ("dinheiro de outras pessoas") pode ser politicamente irrelevante por longos períodos. Mas com os défices em conta corrente previstos para este ano de 3,7% do PIB nos EUA e de 3% no Reino Unido, a história pode ser outra, especialmente se o nacionalismo isolacionista entre os eleitores americanos e britânicos gerar desilusão entre os seus credores estrangeiros.

Harold James é professor de História e Relações Internacionais na Universidade de Princeton e membro sénior no Center for International Governance Innovation.

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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